Vocês não imaginam quanto eu lamento vir aqui dizer isto – mas a consciência obriga-me a afirmar que os meus compatriotas são uns troca-tintas! Bem… talvez esteja a exagerar… Nem todos merecem essa classificação tão depreciativa, que talvez deva ficar particularmente reservada para os meus compatriotas-políticos. Mesmo assim, vendo bem, até para esses, o qualificativo é um pouco injusto. Troca-tintas porquê? Porque todos prometem uma data de coisas boas quando pretendem saltar para o poleiro – e depois fazem exactamente o contrário, quando já estão empoleirados?... Acho que a classificação perde sentido, quando a gente se lembra de que os nossos compatriotas-políticos são todos iguaisíssimos uns aos outros, isto é, todos prometem tudo quando andam a esgaravatar pelo chão oposicionista do galinheiro – e todos falham quando podem cantar de galo... Ora bem, uma característica que se generaliza assim a toda uma classe… deixa de ser característica! Passa a in-característica, e já nem merece comentários… Deixemos então de lado essa classe, que já é suficientemente injuriada por todos os corajosos comentadores do Facebook – e baixemos à classe popular, que é mais numerosa e mais variada, nas suas in-características próprias. Alguns exemplos servirão para se compreender melhor o que eu quero dizer. Recordemos então... Lembram-se da alegria que se espalhou por aí, quando entrámos para essa coisa a que chamam Europa? Dizia-se: – Ai que bom, agora somos todos europeus, vamos receber grandes subsídios, e até podemos ir para fora sem passaporte, podemos trabalhar na França, na Alemanha, no Luxemburgo, em toda a parte… Pois foi… Foi, mas já não é, porque uma das queixinhas que mais se ouvem é esta: – Que chatice, não temos trabalho aqui, e agora temos de ir trabalhar lá para fora, para o Luxemburgo, a Alemanha, a França… Se calhar, devíamos mas era sair da Europa, que é tão forreta a dar-nos fundos!… Ai, esta contradição!… Há outras, mais caseiras e mais comezinhas. Ainda há poucos dias os nossos compatriotas se queixavam de que ia por aí uma grande seca, já não chovia há uma cabazada de meses… Pois bem, agora que o céu desatou a baldear cá para baixo enxurradas valentes, toda a gente se queixa de ter o quintal alagado… Contradição?… Muitos compatriotas se queixam de que a vida está muito má, já nem se pode fazer mariscadas com a família e os amigos, e coleccionam-se exemplos de casos, pessoas que viviam bem e agora caminham todos os dias para a DECO, a ver se arranjam uma boa forma de não pagar as prestações… Sim, há casos assim. Mas, por outro lado, não há músico ou cantante da moda que não dê show nos Coliseus, ou no Pavilhão Atlântico, e os bilhetes esgotam assim que são postos à venda… Os alunos refilam porque as cantinas, ou estão fechadas, ou servem sopa aguada – mas são mais aqueles que fazem bicha para as bilheteiras, do que os que mostram o rabo à Polícia… Contradições? Há muitas. Esta semana, surgiu por aí um alarme terrível: estão a nascer pouquíssimos bebés! Ó diabo, quem é que vai depois pagar as reformas dos velhotes, se não houver malta nova suficiente para descontar os preciosos euros para as caixas de previdência?... Mas, por outro lado, os bebés estão caríssimos, só para equipar o quartinho de um recém-nascido com todas as traquitanas consideradas indispensáveis, a família endivida-se até ao pescoço… Mais uma contradição?... Eu acho que até devíamos estar contentes por nascer cada vez menos gente! Sim, porque gente a mais já existe neste mundo – e os avanços tecnológicos fazem com que a maior parte dessa gente seja dispensável. Lá vamos ao clássico exemplo: naquele campo de trigo onde, antigamente, havia centenas de pessoas a semear, a ceifar, a enfardar, durante meses – agora, um homem com um tractor faz o servicinho todo num dia … E há mais, muitas mais… Muita gente fica contente porque os séniores, agora, duram até aos cem anos – mas há outros, e não são poucos, que andam muito chateados, porque o raio dos velhos nunca mais morrem! … Ai, estas contradições!...
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