27/08/2012

O PORTUGUÊS PITORESCO - Cap. 13 - "CURIOSIDADES"

13. CURIOSIDADES

 A multiplicação dos meios de comunicação que temos à nossa disposição trouxe características curiosas à nossa maneira de viver (e de conviver) nos tempos actuais.

Por um lado, verificamos que são tantas essas formas de comunicar, algumas bem complexas, que não conseguimos utilizá-los na sua totalidade – isto é, havendo cada vez mais meios, parece haver cada vez pior comunicação entre as pessoas.

Por outro lado, foram postos de lado os antigos processos de transmissão de conhecimentos, simbolizados pelas tradicionais conversas à lareira, ou à mesa da sala de jantar, onde se juntava a família e os mais velhos legavam aos jovens os saberes adquiridos com a idade e a experiência. Hoje, as lareiras foram substituídas pelos aquecedores eléctricos, cada elemento da família janta a horas diferentes dos outros, e os jovens, para adquirirem conhecimentos, vão ao Google.

No entanto, parecendo temas menores, quando as pessoas os descobrem, eles revelam-se com um interesse muito especial, que envolve saudade e nostalgia (para os mais velhos), surpresa e encantamento (para os mais novos).

São coisinhas aparentemente simples, todavia mais sofisticadas do que parecem à primeira vista, que já divertiram gerações do tempo em que não havia televisão nem Internet, mas que, ainda hoje, são capazes de fascinar e divertir.
   

Uma curiosa história, muito antiga e bastante conhecida, é esta, verdadeiramente
extraordinária, em que todas as palavras começam pela letra P. Ora leiam:

Pedro Paulo Pereira Pinto Peixoto, pequeno pintor português, pintava portas, paredes, portais. Porém, pediu para parar porque preferiu pintar panfletos. Partindo para Piracicaba, pintou prateleiras para poder progredir. Posteriormente, partiu para Pirapora. Pernoitando, prosseguiu para Paranavaí, pois pretendia praticar pinturas para pessoas pobres. Porém, pouco praticou, porque Pedro Paulo pediu para pintar panelas, porém posteriormente pintou pratos para poder pagar promessas. Pálido, porém personalizado, preferiu partir para Portugal para pedir permissão para papai para permanecer praticando pinturas, preferindo, portanto, Paris. Partindo para Paris, passou pelos Pirinéus, pois pretendia pintá-los. Pareciam plácidos, porém, pesaroso, percebeu penhascos pedregosos, preferindo pintá-los parcialmente, pois perigosas pedras pareciam precipitar-se principalmente pelo Pico, porque pastores passavam pelas picadas para pedirem pousada, provocando provavelmente pequenas perfurações, pois, pelo passo percorriam, permanentemente, possantes potrancas. Pisando Paris, pediu permissão para pintar palácios pomposos, procurando pontos pitorescos, pois, para pintar pobreza, precisaria percorrer pontos perigosos, pestilentos, perniciosos, preferindo Pedro Paulo precaver-se. Profundas privações passou Pedro Paulo. Pensava poder prosseguir pintando, porém, pretas previsões passavam pelo pensamento, provocando profundos pesares, principalmente por pretender partir prontamente para Portugal. Povo previdente! Pensava Pedro Paulo... Preciso partir para Portugal porque pedem para prestigiar patrícios, pintando principais portos portugueses. – Paris! Paris! Proferiu Pedro Paulo. Parto, porém penso pintá-la permanentemente, pois pretendo progredir. Pisando Portugal, Pedro Paulo procurou pelos pais, porém, papai Procópio partira para Província. Pedindo provisões, partiu prontamente, pois precisava pedir permissão para papai Procópio para prosseguir praticando pinturas. Profundamente pálido, perfez percurso percorrido pelo pai. Pedindo permissão, penetrou pelo portão principal. Porém, papai Procópio puxando-o pelo pescoço proferiu: Pediste permissão para praticar pintura, porém, praticando, pintas pior. Primo Pinduca pintou perfeitamente prima Petúnia. Porque pintas porcarias? Papai – proferiu Pedro Paulo – pinto porque permitiste, porém, preferindo, poderei procurar profissão própria para poder provar perseverança, pois pretendo permanecer por Portugal. Pegando Pedro Paulo pelo pulso, penetrou pelo patamar, procurando pelos pertences, partiu prontamente, pois pretendia pôr Pedro Paulo para praticar profissão perfeita: pedreiro! Passando pela ponte precisaram pescar para poderem prosseguir peregrinando. Primeiro, pegaram peixes pequenos, porém, passando pouco prazo, pegaram pacus, piaparas, pirarucus. Partindo pela picada próxima, pois pretendiam pernoitar pertinho, para procurar primo Péricles primeiro. Pisando por pedras pontudas, papai Procópio procurou Péricles, primo próximo, pedreiro profissional perfeito. Poucas palavras proferiram, porém prometeu pagar pequena parcela para Péricles profissionalizar Pedro Paulo. Primeiramente Pedro Paulo pegava pedras, porém, Péricles pediu-lhe para pintar prédios, pois precisava pagar pintores práticos. Particularmente Pedro Paulo preferia pintar prédios. Pereceu pintando prédios para Péricles, pois precipitou-se pelas paredes pintadas. Pobre Pedro Paulo pereceu pintando... Permita-me, pois, pedir perdão pela paciência, pois pretendo parar para pensar... Para parar preciso pensar. Pensei. Portanto, pronto pararei.
              
  
               Uma outra curiosidade muito especial: uma narrativa escrita sem utilizar, uma única vez, a letra "A". Esta história foi escrita, em Castelhano, pelo humorista Enrique Jardiel Poncela, e depois adaptada para Português por Matos Maia, tendo sido publicada na revista de humor "Picapau" nº 3, de 8 de Dezembro de 1955.

 O NOVO CHOFER

Cedeu-mo meu tio Heliodoro, e recomendou-mo dum modo muito expressivo, dizendo-me: - É um chofer único no globo, podes crer. Se tiver um bom veículo, este homem consegue prodígios enormes. Serve-te dele; tu tens um veículo estupendo e morres de tédio, certo? Pois juro-te, querido sobrinho, que cedendo-te um homem como Melécio, ponho-te em condições de seres intérprete de emoções inconcebíveis, sem precedentes no mundo! Porque como este chofer... outro é inexistente!
Meu tio terminou o seu elogio, e o chofer, mexendo no seu boné cinzento, inclinou-se com um movimento gentil e murmurou:
- Tome-me, senhor, que eu conheço bem o meu ofício!
E sem outros incidentes que interesse serem descritos, Melécio Volódio ficou eleito chofer do meu "16 cilindros", com quinhentos escudos por mês. 
Doze excursões com um epílogo tristemente cirúrgico; isto convenceu-me, num mês, de que Melécio é único no globo... Prescindo, dizendo isto, do seu domínio sobre o veículo. Volódio conservou, no extremo dos seus dedos, os segredos do meu "Mercedes", e todo o tempo que viveu comigo domesticou o motor dum modo impossível de descrever. Porém, este mérito é pequeno e ridículo, em frente de outros méritos inconcebíveis de Melécio Volódio.
Um, sobre todos, me preocupou em extremo e converteu-se, de súbito, em horrível crise dos meus pobres nervos. Este mérito, senhores, é o frio desdém de Melécio defronte do perigo! É o desperdício dos bens terrenos! Um desejo de morrer, fruto de desilusões e dores? Simplesmente heroísmo? Ou o gosto de me servir e o desejo de divertir com emoções fortes o meu viver de tédio? Ignoro-o... O que sei... Bom, o que é certo é que, desde o início, semeou o terror em todos os sítios por onde fomos; destruíu os vidros de milhares de vitrines; derrubou postes telefónicos e luminosos; fez em cisco trezentos veículos diferentes do serviço público; pulverizou os esqueletos de mil indivíduos, suprimindo-os do número dos vivos, em inverso com os seus evidentes desígnios de seguir vivendo; semeou o medo em tudo o que se pôs em frente do meu "Mercedes"; incendiou, rompeu, destroçou; encolheu o meu espírito; superexcitou os meus pobres nervos; porém, divertiu-me dum modo impossível, porque Melécio Volódio é único no mundo!
Porquê este meu furor? Porquê, se Melécio Volódio dominou o meu veículo como nenhum outro chofer que tive depois dele? Fiz o possível por conhecer o fundo deste mistério, e consegui-o por fim.
- Melédio! – disse-lhe de regresso dum terrível circuito que produziu horríveis efeitos destruidores. É preciso que me expliques o que ocorre. Muitos infelizes mortos pelo nosso  veículo pedem um "porquê"... Olho-te bem nos olhos, Melécio Volódio! Diz-me: porque persistes nesse feroz proceder e neste cruel exercício?
Melécio olhou o horizonte, moderou o correr do veículo e fez um gesto triste.
- Cruel e feroz, eu, senhor?! – disse docemente. – Destruo, rompo e semeio o terror... de um modo instintivo!
- De um modo instintivo? Deste modo tu és um doente, Melécio!
- Erro, senhor! Porém, sucede que fui muito tempo chofer de bombeiros. Um chofer de bombeiros é sempre dono do sítio por onde se mete! Todo o mundo lhe permite correr, ninguém o detém; o som estridente e inconfundível do veículo dos bombeiros – desses heróis com cinto! – é suficiente, e o chofer dos bombeiros corre, corre, corre... Que vertigem, senhor!
Concluiu dizendo:
- O meu defeito é que suponho sempre que conduzo o veículo dos bombeiros. Penso ser o dono de tudo onde me meto! E como isso é impossível... pois... pulverizo tudo, senhor!
E Melécio rompeu em soluços...

A SEGUIR: Capítulo 14 - TRAVA-LÍNGUAS

20/08/2012

O PORTUGUÊS PITORESCO - Cap. 12 - "ONDE PONHO A VÍRGULA?"

12. ONDE PONHO A VÍRGULA?
  
Um dos casos mais complicados, entre todos os que afligem aqueles que escrevem em Português, é o problema das vírgulas. Para muita gente, é difícil saber, com um mínimo de certeza, onde colocá-las.

Uma vírgula serve, em princípio, para assinalar uma pausa ligeira num texto, não quebrando a ligação com a parte desse mesmo texto que se segue. Dito desta maneira, a coisa parece simples, não é verdade?... Pode ser que pareça simples, mas acaba por ser complicada – porque, por razões estranhas à compreensão mais comum, a vírgula acaba, muitas vezes, por ser colocada no local menos apropriado, no meio de uma frase com predicado e sujeito, quebrando o ritmo desta e separando partes que devem ser inseparáveis – isto é, separando, precisamente, o predicado do sujeito.

Vejamos o caso de uma frase simples: "O homem correu para apanhar o comboio." O sujeito é "o homem", o predicado é "correu". Entre os dois não deve haver vírgula. No entanto, não é invulgar encontrar-se, numa frase como esta, uma vírgula intrusa, colocada assim: "O homem, correu para apanhar o comboio". A vírgula está, evidentemente, no local onde não devia estar.

Consideremos agora este último exemplo: "A vírgula está, evidentemente, no local onde não devia estar." Este exemplo apresenta duas vírgulas. Estarão correctamente colocadas? Sim, estão, porque se destinam a realçar, separando-o, o advérbio "evidentemente". Mas não separa (porque não podia separar) o sujeito "A frase" do predicado "está".

Além desse erro de colocação, a vírgula pode também pecar por excesso. Há quem escreva com tal preocupação de realçar os diversos elementos que constituem uma frase, que os separa com um excesso de vírgulas. Vejamos um exemplo:

"Ele, que tinha, naturalmente, o desejo, absolutamente compreensível, de, em todas as circunstâncias, mostrar, a toda a gente, que era, entre todos, o mais competente, sendo essa uma característica, herdada, quem sabe, de seu pai, acabava por ser, por isso mesmo, incómodo para quem, enfadado, o tinha de, contrariadamente, suportar."

Repare-se no número de vírgulas existentes entre "Ele", que é o sujeito da primeira oração, e o respectivo predicado "acabava": nada menos que dezasseis! Estão todas correctamente colocadas – mas poderia ter-se simplificado um pouco, em benefício da elegância do estilo, eliminando algumas das vírgulas e escrevendo a frase desta forma:

"Ele, que tinha naturalmente o desejo absolutamente compreensível de em todas as circunstâncias mostrar a toda a gente que era entre todos o mais competente, sendo essa uma característica herdada, quem sabe, de seu pai, acabava..." etc. As vírgulas foram reduzidas a quatro. A frase pode considerar-se correcta. A frase anterior, com as suas dezasseis vírgulas, está pontuada de forma mais correcta, só que se torna mais cansativa e incómoda de ler.

A regra principal é, no fim de contas, utilizar a vírgula onde ela seja necessária, para separar ou destacar elementos da frase – mas nunca para separar o inseparável sujeito do seu indispensável predicado.



A SEGUIR - Capítulo 13 -  CURIOSIDADES

11/08/2012

O PORTUGUÊS PITORESCO - Cap. 11 - "PALÍNDROMOS"

11. PALÍNDROMOS


Há quem lhes chame "palavras-capicuas", já vão perceber porquê...

Dá-se o nome de PALÍNDROMO a uma palavra ou uma frase ANACÍCLICA, isto é, que se pode ler, indiferentemente, da esquerda para a direita ou vice-versa. Trata-se de uma curiosidade muito interessante.

É bastante fácil encontrar exemplos de palíndromos construídos com palavras curtas, como estes:

ABA
ALA
ARA
ASSA
ATA
EFE
ELE
EME
ENE
ERRE
ESSE
OVO
OSSO
RADAR
RAPAR
RIR
ROR
ROTOR
SALAS
SELES
SIRIS
SOLOS

A dificuldade já é maior quando se trata de frases completas. No entanto, existem vários exemplos de frases construídas com muito engenho, e que constituem palíndromos muito curiosos.

Aqui estão alguns:


O CÉU SUECO
O GALO AMA O LAGO
O LOBO AMA O BOLO
A TORRE DA DERROTA
ASSIM A AIA IA À MISSA
A DROGA DA GORDA
A MALA NADA NA LAMA
RIR, O BREVE VERBO RIR
SAIRAM O TIO E OITO MARIAS
A DIVA EM ARGEL ALEGRA-ME A VIDA
ANOTARAM A DATA DA MARATONA
ZE DE LIMA, RUA LAURA MIL E DEZ
SOCORRAM-ME SUBI NO ONIBUS EM MARROCOS

O ROMANO ACATA AMORES A DAMAS AMADAS E ROMA ATACA O NAMORO

LUZA ROCELINA, A NAMORADA DO MANUEL, LEU NA MODA DA ROMANA: ANIL É COR AZUL

Um passatempo estimulante será, a partir destes exemplos, tentar formar novos palíndromos. É um passatempo muito interessante e um desafio à imaginação.




CAPICUAS

Também com números se podem observar casos similares ao dos PALÍNDROMOS, ou seja, séries de algarismos que se podem ler da mesma forma, da esquerda para a direita ou da direita para a esquerda. Chamam-se CAPICUAS, e muita gente acredita que dão sorte a quem as encontra, por exemplo, num número de um bilhete de autocarro, ou de uma fracção da lotaria 

São bastante mais fáceis de construir ou de encontrar do que idênticas tentativas com palavras – isto é, torna-se bastante mais simples construir CAPICUAS do que PALÍNDROMOS.

Eis alguns exemplos:

11
111
1111, etc.
22
222
33
333
44, etc
1001
2002
3003, etc.


A SEGUIR: Capítulo 12. - ONDE PONHO A VÍRGULA?

03/08/2012

O PORTUGUÊS PITORESCO - Cap. 10 - "TAUTOLOGIAS"

10.  TAUTOLOGIAS

            O uso de palavras diferentes para exprimir a mesma ideia chama-se TAUTOLOGIA – e é fenómeno frequentíssimo, tanto na fala como na escrita de muita gente, incluindo escritores, jornalistas, locutores e outros profissionais.
           
As redundâncias, também chamadas PLEONASMOS, usam-se com a intenção de reforçar uma ideia, mas acabam, muitas vezes, por assumir aspectos cómicos. O leitor, perante uma frase como "Ele entrou para dentro" ?..." pára e pergunta a si mesmo: "Poderia ele entrar para fora?"...

Aqui vai uma lista de algumas TAUTOLOGIAS bastante frequentes:



A ÚLTIMA VERSÃO DEFINITIVA

            Se falamos da última versão, isso quer dizer que não haverá mais nenhuma, depois desta... Daí ser ela a definitiva, estando este adjectivo a mais na frase.

ABERTURA INAUGURAL

            Uma abertura implica a ideia de que não houve outro acontecimento anterior, pelo que designá-la como inaugural é um pleonasmo.

ACABAMENTO FINAL

            Ao contrário do caso anterior: se algo acabou, é porque atingiu o fim. Não pode haver um acabamento que não signifique ter-se chegado ao final.
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AMANHECER O DIA

            Sabendo-se que amanhecer significa surgir o dia, ou raiar a manhã, é evidente que seria disparate, por exemplo, falar-se de amanhecer a noite...

ANOS ATRÁS

            É das tautologias mais frequentemente praticadas. Quando alguém diz ou escreve Eu estive aqui há quatro anos, isso apenas pode significar que a pessoa esteve naquele lugar num tempo passado. O tempo verbal estive indica isso mesmo, com suficiente clareza. Por isso, acrescentar à frase a palavra atrás nada adianta ao sentido da mesma, sendo uma repetição desnecessária.

APENAS E SÓ

É uma maneira de reforçar a frase, tornando-a mais "redonda". Muitos escritores a usam, para tornar a ideia mais consistente, mas subordinando assim a exactidão gramatical às liberdades do estilo.

BASTA APENAS

            Se basta, é porque já está tudo dito e contado. Portanto, nada mais deve acrescentar-se, e a palavra apenas é, apenas... uma excrescência dispensável.
           
CERTEZA ABSOLUTA

            Uma pessoa, ou bem que tem a certeza, isto é, que está segura, que está firme e convicta, ou então não pode falar em certeza, mas sim em dúvida. Uma certeza representa, por si só, um valor absoluto, dispensando-se por isso o uso desta palavra como adjectivo.

COMPARECER EM PESSOA   

            Se você precisa de comparecer num determinado lugar, tem mesmo de lá ir, isto é, tem de fazer com que a sua pessoa se desloque a esse lugar. É esse o significado de comparecer: apresentar-se num determinado lugar pessoalmente. A confusão de quem insiste em dizer comparecer em pessoa pode vir da ideia de que, em vez de ir ao tal lugar, você pode comunicar por telefone, por telemóvel, por email ou por qualquer outro meio semelhante. Onde está o erro? É que isso não é comparecer; trata-se de uma "comparência virtual", não real. Assim, sendo esta modalidade de comparecimento (em pessoa) a única possível, é escusado mencionar o facto de que a pessoa comparece.

CONTINUA A PERMANECER

            É tão simples como isto: se continua, permanece, e se permanece, continua. Portanto, como as duas ideias são coincidentes, basta uma delas para definir a situação, sem necessidade de a reforçar com um sinónimo que acaba por ser um pleonasmo.
           
CONVIVER JUNTO COM

            É impossível conviver sem que isso implique estar junto a alguém. Deve dizer-se e escrever-se conviver com, ou então estar junto de.



CRIAÇÃO NOVA

            Sempre o mesmo esquema: uma criação é, por definição. algo de novo. Se não é novo, será cópia, reprodução ou imitação, mas já não é criação.

DE SUA LIVRE ESCOLHA

            Se uma pessoa tem possibilidade de fazer uma escolha, é porque está livre para fazê-la. Se isso não acontece, então não pode escolher e tem que sujeitar-se a que alguém escolha por ela. Daí que uma escolha só pode ser livre.

DÉFICE NEGATIVO

            Quando uma conta apresenta um resultado negativo, chama-se a essa situação, tecnicamente, um défice (ou deficit). Isto significa que só nessas circunstâncias se pode falar de défice, e nunca quando a mesma conta apresenta um resultado positivo. Conclusão: défice negativo é tautologia. E algo semelhante se passa com superavit positivo,

DEMASIADAMENTE EXCESSIVO

            Com o desejo de dramatizar uma situação, usa-se por vezes este tipo de acumulação de palavras, ambas com o mesmo sentido. Se algo é excessivo, só pode sê-lo demasiadamente – senão, ter-se-ia usado outro advérbio diferente, que não desse ideia de desmesura ou exagero.

DESCER PARA BAIXO

            Esta é das mais correntes e nem precisa de explicações para se adivinhar onde está o erro. Não se pode descer para cima, portanto... Mesmo assim, pode, com alguma condescendência, admitir-se uma ou outra excepção, como, por exemplo, num caso como descer para baixo do telhado, em que baixo do telhado constitui uma unidade de expressão independente. No entanto, convém evitar estas formas retorcidas da escrita a da fala, a bem da beleza do estilo. Por analogia, também se deve evitar subir para cima.

DETALHE MINUCIOSO

            Para começar, os puristas não gostam la muito da palavra detalhe, que consideram um galicismo e preferiam ver substituída por pormenor, minudência. Deixemos isso aos puristas, e observemos o que significa detalhe: exposição circunstanciada ou muito minuciosa. Logo, escrever detalhe minucioso é o mesmo que escrever pormenor minucioso muito minucioso.

DUAS METADES IGUAIS

            Quando se parte um melão em duas partes iguais, não adiante dizer: Estou com pouca fome, dá-me a metade mais pequena... Se o melão foi cortado em metades, elas são, por definição, perfeitamente iguais. Por isso, coma lá a sua parte do melão, e deixe a outra parte igual para quem o come consigo...

ELO DE LIGAÇÃO

            Um elo é uma relação existente entre pessoas ou coisas, uma conexão, uma união. Portanto, não precisa de ser reforçado com a ideia de ligação, que já está implícita no seu significado.

EMPRÉSTIMO TEMPORÁRIO

            Uma coisa que se empresta é algo que terá de voltar à posse de quem a está a ceder. Se essa cedência não fosse temporária, não seria um empréstimo, mas sim uma dádiva, uma doação.

 ENCARAR DE FRENTE

            Encarar já significa olhar para a cara de alguém, olhar de frente. Não se pode encarar de costas.

ENTRAR PARA DENTRO

            Ouve-se muito frequentemente, tal como sair para fora. O erro é óbvio, mas não deixa de ser praticado por muita gente.

ESCOLHA OPCIONAL

            O acto de fazer uma escolha significa isso mesmo: optar, que não é outra coisa senão um sinónimo de escolher.

EU, PESSOALMENTE...

            Esta forma de construir uma frase, mais do que uma tautologia, é um bordão, uma palavra introduzida para dar tempo a elaborar a ideia que se pretende transmitir. Todavia, não deixa de ser um erro escusado. Se eu tenho algo a dizer ou a escrever, só eu o posso fazer, mais ninguém. E terei que o fazer pessoalmente, como é evidente.


EXPRESSAMENTE PROIBIDO

            Um acto que é proibido não pode ser executado. Não se pode aceitar que seja meio executado, ou parcialmente executado, porque a proibição o impede. Tal situação está expressa, isto é, está consignada, está manifestada. A proibição, que é um conceito definitivo e sem graduações, não precisa de ser qualificada.

FACTO REAL

            Se fosse uma suposição, uma possibilidade, uma ideia, até podia não ser real e ser apenas um produto da nossa imaginação. Mas um facto já é, por definição, real. Não precisamos que lhe acrescentem essa qualidade, que ele já possui.

GRITAR BEM ALTO

            Quem grita usa a voz num tom acima do normal (que podia ser o sussurro, o gemido, o murmúrio). Isto é, gritar já significa usá-la bem alto. 

O ANEXO JUNTO

            Anexar significa, precisamente, juntar. Daí que não seja necessário explicar que o anexo está ali ao lado... porque, se não estivesse ali ao lado, não seria um anexo.

O MEU CRITÉRIO PESSOAL

            Se eu tenho um critério, o meu critério, e o exponho, esse critério só pode ser mesmo o meu, que é o da minha pessoa, e de mais ninguém. Portanto, o reforço é escusado.

PESSOA HUMANA

            Que é uma pessoa? É, evidentemente, um ser humano. Não se pode imaginar uma pessoa que não seja humana, pois então estaríamos a falar de outra coisa qualquer.  
                              
PLANEAR ANTECIPADAMENTE

            Planear significa imaginar, conceber algo que se pensa concretizar posteriormente. Trata-se, portanto, de preparar o que se vai realizar mais tarde. Daí que planear tenha, obrigatoriamente, que ser feito antecipadamente, e isso não precisa de ser explicado, porque é evidente.

PROPRIEDADE CARACTERÍSTICA

            Se determinada propriedade existe, trata-se de algo distintivo, que faz parte das características próprias da pessoa ou da coisa a que nos referimos. Por isso, não vale a pena reforçar o conceito com outro conceito perfeitamente coincidente.

REPETIR NOVAMENTE

            Uma repetição já envolve a ideia de reiteração, pelo que uma nova repetição é um exagero: é como se disséssemos repetir a repetição.

RETORNAR DE NOVO

            Retornar significa voltar, regressar, incluindo já, portanto, a ideia de um regresso. Acrescentar a essa ideia a expressão de novo é desnecessário e nada traz... de novo. 

SINTOMAS INDICATIVOS

            Sintomas são, precisamente, indicativos, indícios. Por isso, neste caso, o adjectivo é completamente inútil.
           
TODOS FORAM UNÂNIMES

            A unanimidade significa uma opinião geral, sem discrepâncias nem votos contra. É, portanto, o resultado de algo com que todos concordam.

VOLTAR OUTRA VEZ

            Voltar só pode ter o sentido de regressar a algo ou a algum sítio onde já se esteve. Trata-se, portanto, de repetir (por exemplo, uma visita) e essa ideia já está claramente expressa na palavra voltar, sendo dispensável o reforço da expressão outra vez.

A SEGUIR: Capítulo 11 - PALÍNDROMOS