15/10/2012

E SE O 25 DE ABRIL TIVESSE FALHADO? (3)

Contestações avulsas à valiosa e patriótica obra do nosso Governo, e o que foi feito para acabar com esses disparates.

Talvez os primeiros sinais, com algum significado, do que se preparava para esse Abril de 1974, tivessem surgido em princípios do ano anterior, com umas tímidas manifestações anti-coloniais em Lisboa... Mas nada que assustasse a tranquilidade governativa. Ouvi dizer que se prenderam, então, dois ou três manifestantes, que terão levado umas oportunas palmadas, uns leves sopapos –"uns abanões a tempo", como sabiamente diria, com graça, o Senhor Professor Doutor Salazar – e tudo voltou à calma habitual.

Depois, em meados do mesmo ano de 73, os melhores e mais esclarecidos elementos das nossas gloriosas Forças Armadas manifestaram o desejo de apoiar o Governo, por ocasião do "Congresso dos Combatentes do Ultramar", a realizar em começos de Junho. Um grupo de militares mais jovens, parvos e certamente mal esclarecidos, atreveu-se a contestar o Congresso e esse patriótico apoio que ele pretendia concretizar, alegando que o Governo não devia ser apoiado, pois estava a mandar demasiados militares para as Colónias (perdão, para as Províncias Ultramarinas)... Disparates! Estou convencido de que a esmagadora maioria daqueles que eram enviados para essas missões partiam plenos de saudável alegria, não só por irem conhecer terras novas, onda abundava o camarão e a cerveja fresca, como por ser essa uma excelente oportunidade de fazerem turismo, que então não era coisa acessível a toda a gente...

No Congress o, que se realizou no Porto, de 1 a 3 de Junho, começou a falar-se, discretamente, de um denominado "Movimento dos Capitães", que estava contra tudo o que ali fosse discutido e deliberado. E o que é que ia ser discutido e deliberado? Ora bem, isso ficou visível quando foram publicados, daí a dias, uns Decretos-Leis, muito bem feitos, como era habitual em todos os Decretos-Leis do nosso eficiente Governo, segundo os quais os oficiais do Quadro Permanente podiam ser ultrapassados, nas suas promoções, pelos oficiais milicianos, desde que estes fizessem um curso especial, na Academia Militar. Aconteceu que os chamados "oficiais lateiros", isto é, aqueles oficiais que tinham subido na hierarquia pelo sistema tradicional, ficaram muito aborrecidos com estas disposições e desataram a reclamar, dizendo que estavam a ser prejudicados...

O primeiro desses Decretos-Lei, com o nº 353/73, foi publicado a 13 de Julho. Seria depois rectificado pelo Decreto-Lei nº409/73, de 20 de Agosto, que afinal não fazia mais do que confirmar a tal possibilidade de os oficiais milicianos ultrapassarem os oficiais do Quadro Permanente, em casos especiais. Com isto, as reclamações subiram de tom.

Eu confesso honestamente que não percebi grande coisa dessa polémica, porque nunca fui à tropa e, sendo esta uma questão mais política que outra coisa, tenho a declarar solenemente que a minha política é o trabalho, e não me tenho dado mal com isso! Por outras palavras, não sei quem é que estava certo – mas, em princípio, o nosso Governo tem sempre razão! Sempre – mesmo que faça uma ou outra asneirita sem importância!...

O que é certo é que constou, por essa altura, que os capitães contestatários já andavam a fazer reuniões clandestinas, como aconteceu em Bissau, em Agosto de 1973, vejam lá o descaramento! E, logo a seguir, descobriu-se que tinham nomeado uma comissão do chamado "Movimento dos Capitães", constituída pelos capitães Almeida Coimbra, Matos Gomes, Duran Clemente e António Caetano... Estes senhores não teriam coisas mais importantes para fazer, lá nos seus quartéis?...

Depois, em Setembro, ainda fizeram mais uma reunião clandestina (que grandes marotos!) num monte, em Alcáçovas, que é terra de chocalhos, como se sabe, do que se depreende que pretenderiam chocalhar o país, provocando a mais nefasta das agitações e pondo toda a gente em choque!...

Para ajudar à confusão, a nossa Colónia (ai, perdão, a nossa Província Ultramarina) da Guiné lembrou-se de proclamar unilateralmente a sua independência, e os idiotas dos senhores da ONU haviam de reconhecer essa independência lá para Outubro, sem sequer nos perguntarem a nossa opinião, vejam o desplante dessa gente!

Nesse mesmo mês, os espertíssimos agentes da PIDE (bem, já não se chamava assim: agora era a DGS, "Direcção-Geral de Segurança", mas sempre conservei um carinho muito especial pela antiga designação...) pois, como ia dizendo, os patrióticos agentes da Patriótica Organização descobriram que o tal Movimento antipatriótico não estava parado (o que até era lógico, pois sendo "movimento" tinha de movimentar-se...) e tinha realizado mais uma porção de reuniões: por exemplo, em Odivelas, localidade pacata e com uma população ordeira e cumpridora das leis, que não merecia ser assim incomodada por acções subversivas e maléficas. 

            Para evitar chatices maiores, o senhor Ministro do Exército e da Defesa Nacional resolveu, prudentemente, suspender os Decretos-Leis que tantos engulhos estavam a provocar nos tais oficiais... Pois imagine-se que nem mesmo assim esses ingratos senhores capitães deixaram de contestar! A coisa foi tão grave que esse eminente militar teria que se demitir em Novembro, incomodadíssimo com tal ambiente de refilice, a que não estava habituado!

            Em Outubro do mesmo ano de 1973, houve eleições para a Assembleia Nacional, mas a Oposição não se candidatou, alegando, imagine-se! que não havia "garantias mínimas de seriedade"... Que disparate! A seriedade dos nossos governantes sempre foi uma característica muito visível, a ponto de o povo já então dizer, certamente por brincadeira, que eles andavam sempre "com cara de   pau"...

Quanto à liberdade de voto e outras tolices, é evidente que ela sempre existiu! Desde que se votasse na União Nacional (agora baptizada de "Acção Nacional Popular"), a liberdade de ir às urnas sempre foi total! Portanto...

            Pois, mesmo assim, em Novembro, numa reunião plenária (ilegal, é claro!) dos tais capitães, na Parede, o tenente-coronel Banazol atreveu-se a sugerir que se fizesse um golpe militar! Para quê, senhores, para quê?... Um golpe é uma coisa com que as pessoas sempre correm o risco de se aleijarem...

            Pois, em contrabalanço desse desejado golpe de esquerda, eis que o major Carlos Fabião alertava, em, Dezembro, para outro golpe, este de direita, a ser preparado pelo general Kaúlza de Arriaga! Tantos golpes a retalhar a nossa bem amada Pátria, senhores! 

            Ainda em Dezembro de 1973, em Óbidos, em vez de se entreterem a provar a excelente ginjinha que se produz e vende naquela histórica localidade, eis que, numa reunião plenária, um grande grupo de oficiais resolveu avançar com uma rebelião militar para deitar abaixo o Governo! Inventou uma Comissão Coordenadora do chamado "Movimento dos Capitães" e nomeou os generais Costa Gomes e Spínola para servirem de ligação.

            Este último, que usava monóculo e, por isso, devia ter a mania que via mais que os outros, iria publicar, em Fevereiro de 1974, um livro intitulado Portugal e o Futuro, onde escreveu uns disparates muito grandes, afirmando que a guerra do Ultramar não se resolvia à tareia, mas sim com conversas... Que enormíssima falta de visão, apesar do monóculo!... Toda a gente sabe que, com paleio, não se vai a lado nenhum, ao passo que umas valentes traulitadas resolvem de vez as mais delicadas situações!

            O tal "Movimento dos Capitães", entretanto, reunira-se outra vez, agora na Costa da Caparica, onde, entre dois mergulhos nas ondas (penso eu) eles ficaram com as cabecinhas frescas para eleger um executivo, composto pelos majores Otelo Saraiva de Carvalho e Vítor Alves, mais o capitão Vasco Lourenço. Outro major, um tal Melo Antunes, que parece que sabia escrever, ficou de redigir o Programa. O atrevimento desta gente, senhores! Simples capitães e majores a quererem saber mais do que os venerandos Generais que, amparados no Governo, ainda que alguns atacados pelo reumático, sabiam orientar muito superiormente os interesses da Nação! Enfim...

            O que é certo é que as reuniões se foram sucedendo sucessivamente sem cessar... Em Março, em Cascais, eram mais de duzentos oficiais dos três ramos das forças armadas. Foi criada uma "Comissão Militar", com Otelo, Casanova e Monge; uma "Comissão Política", com Melo Antunes, Vítor Alves e Vasco Lourenço; e previa-se, para depois da prevista vitória do Movimento (não queriam mais nada!) uma "Comissão Coordenadora do Programa do MFA", presidida por um frenético militar chamado Vasco Gonçalves. Enfim, ali estiveram todos aqueles malandrecos reunidos, para combinarem deitar abaixo o Governo, acabar com a guerra em África e instalar um regime a que eles chamavam "democrático". Como se isso fosse possível!

            Claro que a conspiração foi descoberta e, para mostrar quem mandava nesta nossa Bem Amada Pátria, alguns dos revoltosos foram transferidos ou engaiolados, para não andarem por aí a levantar problemas. Só para dar um exemplo, o tal Vasco-pá-Lourenço, como seria conhecido mais tarde, foi para a Trafaria; e não foi a banhos, posso garanti-lo...

            Entretanto, num gesto pleno de dignidade, Sua Excelência o Senhor Presidente do Conselho de Ministros, Professor Doutor Marcello José das Neves Alves Caetano (o qual, como já foi dito, substituíra nesse cargo o Senhor Professor Doutor António de Oliveira Salazar, em consequência do lamentável acidente da cadeira) apresentou, a Sua Excelência o Senhor Presidente da República, o sempre venerando Contra-Almirante Américo de Deus Rodrigues Thomaz, o seu pedido de demissão. Porquê? Porque se sentia responsável pela agitação causada pela publicação do livro Portugal e o Futuro, do general António de Spínola, já atrás citado, e que provocara um certo abanão na vida nacional... Claro que Sua Excelência o Senhor Chefe do Estado, Contra-Almirante Américo de Deus Rodrigues Thomaz, reconhecendo embora a nobreza do gesto de Sua Excelência o Senhor Presidente do Conselho de Ministros, Professor Doutor Marcello José das Neves Alves Caetano, não aceitou o seu pedido de demissão e ter-lhe-ia dito qualquer coisa como isto: – Faz Vossa Excelência muito bem em me apresentar o seu pedido de demissão, e eu fico tentado em aceitá-lo, porque acho que Vossa Excelência está muito longe de ter as qualidades que eu tanto admirava no seu antecessor, Sua Excelência o Senhor Professor Doutor António de Oliveira Salazar... No entanto, acho que Vossa Excelência, já que fez a asneira de autorizar a publicação desse malfadado livro, deve agora arcar com as respectivas consequências! Portanto... fique e aguente.

                E, assim, Sua Excelência o Senhor Professor Doutor Marcello José das Neves Alves Caetano continuou a exercer as importantes funções de Presidente do Conselho de Ministros.

            Aqui, neste local um pouco afastado do mundo onde me encontro em repouso, reflecti bastante nesta solução, que não achei lá muito coerente... Mas... quem sou eu para discutir tão altos assuntos, estando como estou cá em baixo, na modéstia da minha posição de simples cidadão anónimo, afastado dos altos meandros da Grande Política?... Por isso, aceitei e calei o bico, como sempre fiz e como devem fazer todos os patriotas como eu.


A SEGUIR:  CONTINUAÇÃO DESTE PATRIÓTICO TEXTO
- ÀS SEGUNDAS E QUINTAS-FEIRAS...
COMO ACABARÁ TÃO EMOCIONANTE RELATO? NÃO PERCA...


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