O trágico falecimento da nossa Presidente do
Conselho – e os inesperados episódios que se lhe seguiram.
Nesse dia, Dona Maria acordou cedo, como de costume,
e preparou-se para mais um dia de trabalho. As suas ingentes tarefas de
Presidente do Conselho de Ministros e de Ministra de Todas as Pastas exigiam
dela um esforço muito grande. Por isso, a sua saúde ressentia-se, como é
natural – e, neste dia, não resistiu mais. Ainda tomou o pequeno-almoço, leu o Diário
do Governo, como era seu costume matinal, mas, logo a seguir, sentiu-se mal
e... pumba!... Morreu.
Evitarei os pormenores, por uma questão de respeito.
Direi apenas que Sua Excelência faleceu serenamente ("deu-lhe uma coisa",
como costuma dizer o Bom Povo), deixando o País, uma vez mais, órfão. Com uma
certa liberdade de expressão poética, pode até dizer-se "órfão de pai e
mãe"!...
Na cidadela de Cascais, o (ainda) Senhor Presidente
da República, o venerando Contra-Almirante Américo de Deus Rodrigues Thomaz
(sim, ainda estava vivo, e ainda era Presidente! nunca ninguém se tinha
lembrado de lhe sugerir que podia reformar-se) tomou conhecimento do
falecimento de Dona Maria – e, com o dinamismo que lhe era reconhecido desde
sempre, exclamou:
- Isto é que é uma chatice! Lá tenho que arranjar
um substituto!
Sua esposa, Dona Gertrudes, conduziu para junto dele
a sua cadeirinha de rodas eléctrica e acalmou-o:
- Tem paciência, Américo. Já passaste por
situações semelhantes e sempre te safaste brilhantemente. O mesmo há-de
acontecer desta vez!
- Mas... quem é que eu vou encontrar agora para
preencher o cargo? Os antigos pretendentes, ou já bateram as botas, ou estão
tão bem instalados na vida que não vão querer o lugar!
- Lá isso é verdade...
- Tinha-me lembrado daquele rapaz... como é que
ele se chamava... O Sá Carneiro, que parece que não era tonto... Mas, logo por
azar, dele e nosso, morreu num desastre de avião, o ano passado...
- Ai, esse não! Esse não podia ser. Era separado
e vivia com uma sueca...
E lá ficaram, naquele impasse
Eis senão
quando... toca o telefone! Dona Gertrudes foi atender. Mas, ao escutar a voz do
outro lado do fio, passou imediatamente o telefone ao marido.
- É para ti.
- Quem é? Eu agora não estou com pachorra para
telefonemas.
- Acho melhor atenderes. É o Tenreiro.
- Esse chato?! O que é que ele quer?
- Não sei, mas olha que ele está muito
excitado...
- Deixa cá ver. – Pegou no auscultador e
falou: - Eu agora não tenho tempo para conversas, por isso seja rápido.
Mas, poucos segundos depois, a sua expressão mudava
dramaticamente. O que ouvia, naquele telefonema, era algo absolutamente
extraordinário! E a sua reacção traduzia-se numa série de exclamações um pouco
tontas.
- Ó cum caraças! Não me diga! Não acredito! Cum
caraças! Não acredito! Não me diga!
Esteve naquilo durante largos minutos. Até que
largou o telefone, colocando-o, com cuidados excessivos, no descanso. Respirou
fundo, passou a mão pela calva e disse:
- Estamos tramados!
Dona Gertrudes, inquieta, interpelou-o:
- Ó Américo, o que é que se passa? Fala, homem!
E o Grande
Comandante, sentando-se pesadamente num sofá, não havia meio de sair do seu
estupor.
- Eu não acredito! Eu não quero acreditar!
- Mas... o que foi, Américo? Que se passa?
Depois de pigarrear para aclarar a voz, o
estupefacto Contra-Almirante acabou por pronunciar as palavras que iriam
provoca o maior dos espantos – primeiro ali, na residência presidencial,
depois, mais tarde, quando a novidade se espalhou, por todo o país.
- Se bem percebi.., o Salazar está de volta!
- O quê?! – exclamou sua digníssima esposa.
- É assim mesmo! O Tenreiro falou duma forma um
bocado esquisita, por meias palavras... Eu não sei se ouvi correctamente... Ele
deu-me a entender que o Salazar... Enfim, não entendi lá muito bem... mas acho
que ele disse que o Salazar está vivo e vai voltar ao seu posto!
Doma Gertrudes desmaiou!
A extraordinária explicação para o fenómeno!
Será que Salazar voltou do Além e vai retomar as suas antigas funções, com mais
alma e mais genica do que nunca? O mistério adensa-se...
O espanto era enorme – e não era caso para menos. O
Almirante Tenreiro não tinha sido claro, no sua comunicação, toda cheia de
meias palavras, de sugestões, de insinuações... Parecia querer dar a entender
que o nosso querido Professor Doutor António de Oliveira Salazar estava de
volta... Mas como? Seria possível? Iríamos vê-lo de novo, vivo e enérgico como
sempre?
É certo que o Senhor Professor tinha sido
protagonista de um episódio recente, absolutamente inesperado para muita gente,
mas não para mim, que nunca duvidei da perenidade da sua memória e da
recordação da sua importantíssimas figura… Foi o caso de um curioso Concurso da
Televisão estatal, em que se pretendia eleger as figuras mais queridas dos
Portugueses... Ora bem quem ganhou esse concurso?... Adivinharam! Sua
Excelência o Senhor Professor Doutor António de Oliveira Salazar! E por larga
margem! Daí que todos nós, os verdadeiros patriotas, tivéssemos ficado numa
euforia incontida, perante essa confirmação da preferência dos Portugueses...
Agora, porém, punha-se uma dúvida: estaria
ele em condições para reassumir as suas antigas funções, conduzindo a nossa Bem
Amada Pátria para os rectos caminhos à direita que sempre fizeram dela a terra
admirável e invejada que, há mais de oito séculos (na verdade, já vai para
nove) é a inveja do mundo inteiro, pela sua Paz, pelo sua Cultura, pelo seu
Desenvolvimento, pelo seu contributo para a harmonia do Mundo – isto para não
falar do seu sol e doutros atractivos nacionais, como o Fado, o
bacalhau-à-Brás, etc.?...
Como teria sido possível tal milagre? O Almirante
Henrique Tenreiro prometeu explicar, ao venerando Chefe de Estado, nesse mesmo
dia, em rápida reunião privada, como tudo acontecera. Dentro em breve se
conheceriam então os pormenores do caso – mas, entretanto, o zunzum já se
espalhara pelos corredores do palácio presidencial. Era inevitável!... As
serviçais eram, como de costume, as mais lestas a espalhar o que poderia não
passar de um boato, mas que rapidamente chegou às orelhas de vários
jornalistas, de alguns políticos e de outros fofoqueiros profissionais.., Para
muita gente, o caso significaria, se fosse confirmado, um extraordinário
acontecimento, com aspectos positivos para muitos, mas que podiam ser bastante
negativos para outros, conforme tivessem sido dos que, dantes, costumavam
engraxar as botas e o ego do Senhor Doutor ou, pelo contrário, tivessem
criticado a sua governação. Assim, pelos cafés e pelos corredores das redacções
e dos ministérios, bichanava-se nervosamente a novidade:
- Então já sabes? Parece que o Salazar vai voltar
a governar!
- Não me digas! Mas esse sacana não estava morto?
- Vê lá
como falas! Se te ouvem falar assim de Sua Excelência ainda vais parar a
Caxias, e não é para tomares banho na praia!...
- Mas... como é possível? Eu até assisti ao
enterro dele! E ele estava mesmo com cara de morto!
- Sei lá! Isto, hoje em dia, vê-se cada
coisa...Se não é milagre, pode ser que ele tenha ressuscitado devido aos avanços
da Ciência...
- Para mim, o pior é que ele, se estiver mesmo
vivo, vai-se ver aflito para voltar ao trabalho antigo...
- Ora essa! Com o treino que ele teve, em tantos
anos de Presidente do Conselho, não me digas que já não sabe governar o país!
- Não é o país, é a casa! Com o país entende-se
ele bem... Mas a casa! Como é que ele vai governar a casa dele, agora que já
não tem lá a Dona Maria para lhe fazer os jantarinhos e lhe ajeitar a manta nos
joelhos?
- Talvez também ela tenha ressuscitado...
- Talvez...
Mas não. A Dona Maria estava completa e
definitivamente falecida, coitadinha. Daí não poderia vir nenhuma ajuda,
idêntica à que fora prestada, durante tantas décadas, ao Senhor Doutor. Só
este, na verdade, estaria então de volta à vida, ao país e ao seu posto. Mas...
estaria mesmo? Seria isso que o Almirante Tenreiro vinha explicar, com ares
muito importantes e muito misteriosos, na tal reunião que ele pretendera
secreta – só que, ao chegar para o encontro com o venerando Senhor Presidente,
achou-se cercado por uma multidão excitadíssima, jornalistas de microfones e
gravadores em punho, todos aos gritos, exigindo notícias, esclarecimentos,
explicações.
- Olha que maçada! – reagiu o senhor
Contra-Almirante Américo de Deus Rodrigues Thomaz, vendo aquela barafunda à
volta do outro Almirante. Mas este até parecia muito contente com tanta
agitação. É que ele sempre gostara muito de estar empoleirado em lugares de
destaque, em que a sua vaidadezinha pudesse vir ao de cima e em que tivesse
oportunidade para brilhar. Por isso, improvisou ali mesmo, à porta do palácio
presidencial, uma rápida conferência de imprensa, em que bradou, em voz
tronante, estas palavras misteriosas:
- Sim, está de volta aquela figura que todos
amamos, que todos respeitamos e que todos seguimos! Fui eu que o fiz voltar do
Além! Eu!... E mais não digo!
E enfiou rapidamente para o interior, deixando toda
aquela multidão em pulgas.
O encontro com Sua Excelência o Senhor
Contra-Almirante Américo de Deus Rodrigues Thomaz realizava-se, a pedido do
Senhor Almirante Henrique Tenreiro, numa sala discreta do palácio, preparada
para reuniões secretas, com as paredes à prova de som. Por isso, enquanto os
dois importantes Senhores estiveram reunidos, foram completamente infrutíferos
os esforços de algumas pessoas curiosas, que tentaram escutar o teor da
conversa, colando as orelhas à grossa porta blindada e insonorizada. Nem um
murmúrio chegava cá fora! Pelo contrário, no interior da sala, o tom da
conversa era bastante alterado.
- Explique-se lá, faça favor! – pedia,
nervoso, o Senhor Presidente. - Eu não percebi completamente o que você me
disse pelo telefone... Então o Salazar...
- Um momento, já lá vamos, à explicação. –
retrucou o Almirante Tenreiro. – Mas é preciso que fique bem claro que foi
graças à minha iniciativa, à minha coragem, ao meu patriotismo, à minha
intenção de servir generosamente a nossa Pátria, que foi possível chegar à
extraordinária solução para os nossos problemas a qual demonstrará, quando for
universalmente conhecida, não só a minha eterna fidelidade aos sãos princípios
que deram origem ao nosso Estado Novo, como também a superior inteligência com
que todo o processo foi por mim conduzido.
- Ó homem, acabe lá com as loas e os elogios a si
mesmo! Já todos sabemos, há muito tempo, que você é um vaidoso e um convencido!
Desembuche duma vez! O que é que se passa?
- Passa-se que eu tive a genial ideia de
aproveitar os recursos técnicos que estão à minha disposição, aplicando-os, de
forma talvez inesperada, mas muito eficiente, à preservação do nosso Regime...
preservando, ao mesmo tempo, quem o corporizou durante tantos e tantos anos!
- Quer você dizer... o quê, concretamente?
- Ora escute. Como sabe, entre as várias funções
e competências que eu conquistei, na minha vida política, conta-se o domínio
absoluto sobre tudo o que tem a ver com as Pescas...
- Sim, toda a gente sabe disso.
- Pois é. Por alguma razão sou conhecido, em todo
o país, como o "Patrão das Pescas"!
Nada mais verdadeiro. Aquele conhecido homem do mar
fizera uma carreira notável, na Marinha, mas também em terra, em que rapara
todos os tachos possíveis, relacionados com peixes, numa verdadeira caldeirada
de títulos e cargos. Dirigira o Grémio do Bacalhau... Em 1957 criou a Gelmar...
Em 1966 fez inaugurar a Docapesca... Já tinha criado o SAPP, Serviço de
Abastecimento do Peixe ao País, que ficou famoso pelas suas carrinhas de
distribuição e venda de peixe, muito pitorescas, enfeitadas com imagens de
peixinhos todos coloridos... Conseguira abarcar, como delegado do Governo,
todos os lugares relacionados com os peixes, desde a sardinha ao bacalhau.
Enfim, criara um círculo de actividades que era uma verdadeira
pescadinha-de-rabo-na-boca...
-Ora bem – explicava ele. – Entre as
minhas trabalhosas tarefas, conta-se a gestão de um sector que é essencial, e
está relacionado com todos aqueles em que exerço as minhas importantes
actividades.
- E que é...
- E que é o sector da conservação do pescado.
Como sabe, não basta pescar o bacalhauzinho, o carapau, o cachucho e todos os
outros peixes com que eu contribuo para a alimentação do nosso povo. É preciso
que esse peixe não se estrague, antes de chegar às frigideiras ou às panelas
das boas donas de casa portuguesas...
- Sim, sim, pois claro. E isso quer dizer o quê?
- Quer dizer que uma das minhas iniciativas, da
qual, aliás, tenho muito orgulho, foi a criação dos modernos Armazéns
Frigoríficos, onde o rico peixinho é armazenado e conservado até ao momento de
chegar aos nossos mercados.
- Sim, já sei! – exclamou o Senhor
Presidente, cada vez mais impaciente. – Mas que tem isso a ver com...
- Tem tudo a ver! Sim, tem tudo a ver, e já vai
perceber porquê...
Sempre com os ares muito importantes de quem se
considera, a si mesmo, uma figura de altíssimo e merecido prestígio, o Senhor
Almirante Tenreiro passou então a uma série de explicações científicas, embora com
o cuidado de as envolver num palavreado bastante simplório, pois tinha bem a
noção de que o Venerando Chefe do Estado já não estava em idade de interpretar
conceitos muito elaborados, do ponto de vista científico e não só. Por isso,
teve a preocupação de usar palavras e exemplos que estivessem ao alcance do seu
cérebro um pouco encortiçado por tantos anos de tarefas repetitivas, como as
inaugurações de fontanários e outras semelhantes. E assim, procurou começar por
um exemplo que fosse suficientemente demonstrativo daquilo que pretendia
anunciar.
- O senhor Presidente deve saber que uma das
melhores formas de comer a bela pescada do alto é consumi-la depois de
congelada!
- Mas... A que propósito é que...
- Um momento. A pescada, quando é pescada... e
daí, até, a antiga expressão popular que diz que ela, "antes de ser, já o
era"...não sei se está a ver o sentido... a pescada é pescada, por isso,
antes de ter o nome de pescada, já era... pescada de nome...
- Ó homem, acabe lá com essas conversas, que são
como o peixe, que ao fim de algum tempo começa a cheirar mal!
- Exactamente! A pescada, para não cheirar mal,
assim que é pescada, é levada para o frigorífico, onde se manterá em óptimas
condições, não só de higiene, como de conservação das suas características de
peixe saboroso e delicado! Aliás, as donas de casa e as cozinheiras mais
competentes sabem que uma boa posta de pescada que tenha sido congelada, ao ser
cozinhada e servida numa requintada refeição, se apresenta em lascas de
belíssimo aspecto, que...
- Irra! Mas você vem dar-me notícias políticas,
ou receitas de culinária?
- Tem razão, Senhor Presidente, deixei-me levar
pelo entusiasmo que ponho em tudo aquilo que tem a ver com as minhas
actividades ligadas ao mar e aos peixes! Mas há uma certa coerência entre
aquilo que estava a dizer-lhe a respeito da pescada e aquilo que vou dizer-lhe,
a respeito do Senhor Professor Salazar...
- Essa agora!
- Sim. É que, sabendo eu das virtudes da
congelação aplicadas ao pescado, tive a intuição de que as mesmas virtudes
poderiam ser aproveitadas, se fossem aplicadas a certas pessoas...
- O quê?! Você está a querer dizer-me que...
- Sim, isso mesmo em que está a pensar. Congelei
o Salazar!
Se uma bomba tivesse rebentado ali mesmo, naquela
sala do palácio presidencial, o efeito não teria sido tão... bombástico! E o
Senhor Almirante Tenreiro continuava, visivelmente orgulhoso, a explicar a sua
iniciativa.
- Acontece que eu me interesso apaixonadamente
por estes assuntos científicos. Por isso, tratei de ler exaustivamente o que
existe publicado sobre a conservação através do frio, no sentido de dar ainda
maior uso e utilidade aos meus Armazéns Frigoríficos. E foi assim que encontrei
um texto revelador daquilo que a Ciência actual põe à nossa disposição, neste
campo...
- E leu esse texto onde? Num Tratado de Biologia
Avançada?
- Não. Nas Selecções do Reader's Digest...
- Ah...
- Vinha lá tudo muito bem explicado. Hoje em dia,
os avanços da Ciência permitem conservar um corpo humano, depois de falecido,
num estado de congelação prolongado, Chama-se a isso "hipotermia
terapêutica".
- As coisas que se inventam, hoje em dia! Só de pensar
que até já existem telefones sem aquela rodinha com os números...
- Pois é, Senhor Presidente. Eu alimentei a esperança de
que, passados alguns anos, estas novas descobertas nos campos da Medicina, da
Biologia e da Tecnologia das Arcas Frigoríficas permitissem fazer voltar à vida
uma individualidade que toda a Humanidade gostaria de conservar para sempre no
seu seio, pelos benefícios que a sua presença pode trazer às nossas vidas!
- E então, pegou no Salazar e...
- Não foi assim tão simples como isso! Como é
evidente, teve que ser tudo feito no maior dos segredos... Tive, é claro, a
colaboração de alguns Médicos, bem como de Agentes Funerários, da PIDE e de
outros patriotas, que juraram guardar segredo, sob pena de também serem metidos
nos Armazéns Frigoríficos – mas vivos!... Até hoje, ninguém abriu o bico. A
operação foi mantida no mais completo secretismo! Mas quem orientou tudo fui
eu! Eu é que fui da ideia!
- Está bem, pronto, ninguém lhe tira os louros...
Mas... o Senhor Professor Oliveira Salazar está mesmo... até me arrepio ao
dizer isto... está mesmo vivo?...
- Bem, disso não há a certeza absoluta. Para já,
está a descongelar.
- Ah!
- Sim, ele saiu do Frigorífico num bloco de gelo
com dois metros de altura por um metro de largura... Mandei pôr uns aquecedores
eléctricos à volta dele, e agora há que esperar que tudo aquilo descongele...
- Então não há a certeza de que... enfim... de
que ele volte realmente à vida...?
- Pois não. Já lá tenho a equipa médica à espera,
a ver o que acontece. Mas tenho uma grande esperança de obter bons resultados e
de ver o nosso Presidente do Conselho de novo em funções, dentro de pouco
tempo.
- Bem, por um lado não era má ideia, porque eu
tenho estado aqui muito atrapalhado, sem saber quem hei-de pôr nesse lugar...
Desde aquela frustrada tentativa de revolução, no já distante ano de 1974, as
forças do reviralho têm tentado repetidamente fazer aquilo a que chamam
"um novo 25 de Abril"...
- Felizmente sem êxito!
- Claro. Mas eles andam por aí, esses malditos,
sempre a minar. Era bom acabar com eles de uma vez por todas, para podermos
viver em paz. E ,
para isso, o Doutor Salazar dava muito jeito...
- Pois bem, agora é só esperar mais uns dias, ou
talvez umas horas, até o gelo derreter por completo. Só então podemos ter a
certeza de estarmos com sorte, ou não... Eu venho cá dar as últimas
informações, assim que houver novidades.
O clima ajudava, naquele Verão ameno de 1981, o
calor apertava, o que, certamente, contribuiria para uma descongelação mais
rápida do bloco de gelo onde repousava serenamente o nosso Bem Amado e nunca
olvidado Senhor Presidente do Conselho de Ministros, Senhor Professor Doutor
António de Oliveira Salazar... Ai que gozo, este de voltar a escrever assim,
respeitosamente, o seu nome, com todas as letras! A expectativa era enorme...
Eu soubera deste desenvolvimento da situação através de uma prima que tinha uma
vizinha que era cunhada de um irmão de um compadre de um empregado dos Armazéns
Frigoríficos onde, a par com os bacalhaus, os chocos e outros produtos do mar,
se tinha conservado, durante tantos anos, aquela figura ímpar da nossa
História, subtraída secretamente do seu lugar de repouso e para ali trazida com
a patriótica intenção de a preservar eternamente, para bem de todos nós!
Surgia agora a dúvida: seria possível
reanimar aquele corpo frio e fazê-lo voltar à vida? E mais: estaria o
seu privilegiado cérebro em condições de continuar a governar o país, com o
brilho da sua inteligência e a clareza das suas decisões? Eis as interrogações
que se punham, naquele momento dramático...
Era preciso esperar.
TERMINA NA PRÓXIMA SEGUNDA-FEIRA