29/11/2012

E SE O 25 DE ABRIL TIVESSE FALHADO? (16)


O trágico falecimento da nossa Presidente do Conselho – e os inesperados episódios que se lhe seguiram.

Nesse dia, Dona Maria acordou cedo, como de costume, e preparou-se para mais um dia de trabalho. As suas ingentes tarefas de Presidente do Conselho de Ministros e de Ministra de Todas as Pastas exigiam dela um esforço muito grande. Por isso, a sua saúde ressentia-se, como é natural – e, neste dia, não resistiu mais. Ainda tomou o pequeno-almoço, leu o Diário do Governo, como era seu costume matinal, mas, logo a seguir, sentiu-se mal e... pumba!... Morreu.

Evitarei os pormenores, por uma questão de respeito. Direi apenas que Sua Excelência faleceu serenamente ("deu-lhe uma coisa", como costuma dizer o Bom Povo), deixando o País, uma vez mais, órfão. Com uma certa liberdade de expressão poética, pode até dizer-se "órfão de pai e mãe"!...

Na cidadela de Cascais, o (ainda) Senhor Presidente da República, o venerando Contra-Almirante Américo de Deus Rodrigues Thomaz (sim, ainda estava vivo, e ainda era Presidente! nunca ninguém se tinha lembrado de lhe sugerir que podia reformar-se) tomou conhecimento do falecimento de Dona Maria – e, com o dinamismo que lhe era reconhecido desde sempre, exclamou:

- Isto é que é uma chatice! Lá tenho que arranjar um substituto!

Sua esposa, Dona Gertrudes, conduziu para junto dele a sua cadeirinha de rodas eléctrica e acalmou-o:

- Tem paciência, Américo. Já passaste por situações semelhantes e sempre te safaste brilhantemente. O mesmo há-de acontecer desta vez!

- Mas... quem é que eu vou encontrar agora para preencher o cargo? Os antigos pretendentes, ou já bateram as botas, ou estão tão bem instalados na vida que não vão querer o lugar!

- Lá isso é verdade...

- Tinha-me lembrado daquele rapaz... como é que ele se chamava... O Sá Carneiro, que parece que não era tonto... Mas, logo por azar, dele e nosso, morreu num desastre de avião, o ano passado...

- Ai, esse não! Esse não podia ser. Era separado e vivia com uma sueca...

E lá ficaram, naquele impasse

 Eis senão quando... toca o telefone! Dona Gertrudes foi atender. Mas, ao escutar a voz do outro lado do fio, passou imediatamente o telefone ao marido.

- É para ti.

- Quem é? Eu agora não estou com pachorra para telefonemas.

- Acho melhor atenderes. É o Tenreiro.

- Esse chato?! O que é que ele quer?

- Não sei, mas olha que ele está muito excitado...

- Deixa cá ver. – Pegou no auscultador e falou: - Eu agora não tenho tempo para conversas, por isso seja rápido.

Mas, poucos segundos depois, a sua expressão mudava dramaticamente. O que ouvia, naquele telefonema, era algo absolutamente extraordinário! E a sua reacção traduzia-se numa série de exclamações um pouco tontas.

- Ó cum caraças! Não me diga! Não acredito! Cum caraças! Não acredito! Não me diga!

Esteve naquilo durante largos minutos. Até que largou o telefone, colocando-o, com cuidados excessivos, no descanso. Respirou fundo, passou a mão pela calva e disse:

- Estamos tramados!

Dona Gertrudes, inquieta, interpelou-o:

- Ó Américo, o que é que se passa? Fala, homem!

E o Grande Comandante, sentando-se pesadamente num sofá, não havia meio de sair do seu estupor.

- Eu não acredito! Eu não quero acreditar!
                                                  
- Mas... o que foi, Américo? Que se passa?

Depois de pigarrear para aclarar a voz, o estupefacto Contra-Almirante acabou por pronunciar as palavras que iriam provoca o maior dos espantos – primeiro ali, na residência presidencial, depois, mais tarde, quando a novidade se espalhou, por todo o país.

- Se bem percebi.., o  Salazar está de volta!

- O quê?! – exclamou sua digníssima esposa.

- É assim mesmo! O Tenreiro falou duma forma um bocado esquisita, por meias palavras... Eu não sei se ouvi correctamente... Ele deu-me a entender que o Salazar... Enfim, não entendi lá muito bem... mas acho que ele disse que o Salazar está vivo e vai voltar ao seu posto!

Doma Gertrudes desmaiou!



A extraordinária explicação para o fenómeno! Será que Salazar voltou do Além e vai retomar as suas antigas funções, com mais alma e mais genica do que nunca? O mistério adensa-se...

O espanto era enorme – e não era caso para menos. O Almirante Tenreiro não tinha sido claro, no sua comunicação, toda cheia de meias palavras, de sugestões, de insinuações... Parecia querer dar a entender que o nosso querido Professor Doutor António de Oliveira Salazar estava de volta... Mas como? Seria possível? Iríamos vê-lo de novo, vivo e enérgico como sempre?

É certo que o Senhor Professor tinha sido protagonista de um episódio recente, absolutamente inesperado para muita gente, mas não para mim, que nunca duvidei da perenidade da sua memória e da recordação da sua importantíssimas figura… Foi o caso de um curioso Concurso da Televisão estatal, em que se pretendia eleger as figuras mais queridas dos Portugueses... Ora bem quem ganhou esse concurso?... Adivinharam! Sua Excelência o Senhor Professor Doutor António de Oliveira Salazar! E por larga margem! Daí que todos nós, os verdadeiros patriotas, tivéssemos ficado numa euforia incontida, perante essa confirmação da preferência dos Portugueses...

Agora, porém, punha-se uma dúvida: estaria ele em condições para reassumir as suas antigas funções, conduzindo a nossa Bem Amada Pátria para os rectos caminhos à direita que sempre fizeram dela a terra admirável e invejada que, há mais de oito séculos (na verdade, já vai para nove) é a inveja do mundo inteiro, pela sua Paz, pelo sua Cultura, pelo seu Desenvolvimento, pelo seu contributo para a harmonia do Mundo – isto para não falar do seu sol e doutros atractivos nacionais, como o Fado, o bacalhau-à-Brás, etc.?...

Como teria sido possível tal milagre? O Almirante Henrique Tenreiro prometeu explicar, ao venerando Chefe de Estado, nesse mesmo dia, em rápida reunião privada, como tudo acontecera. Dentro em breve se conheceriam então os pormenores do caso – mas, entretanto, o zunzum já se espalhara pelos corredores do palácio presidencial. Era inevitável!... As serviçais eram, como de costume, as mais lestas a espalhar o que poderia não passar de um boato, mas que rapidamente chegou às orelhas de vários jornalistas, de alguns políticos e de outros fofoqueiros profissionais.., Para muita gente, o caso significaria, se fosse confirmado, um extraordinário acontecimento, com aspectos positivos para muitos, mas que podiam ser bastante negativos para outros, conforme tivessem sido dos que, dantes, costumavam engraxar as botas e o ego do Senhor Doutor ou, pelo contrário, tivessem criticado a sua governação. Assim, pelos cafés e pelos corredores das redacções e dos ministérios, bichanava-se nervosamente a novidade:

- Então já sabes? Parece que o Salazar vai voltar a governar!

- Não me digas! Mas esse sacana não estava morto?

 - Vê lá como falas! Se te ouvem falar assim de Sua Excelência ainda vais parar a Caxias, e não é para tomares banho na praia!...

- Mas... como é possível? Eu até assisti ao enterro dele! E ele estava mesmo com cara de morto!

- Sei lá! Isto, hoje em dia, vê-se cada coisa...Se não é milagre, pode ser que ele tenha ressuscitado devido aos avanços da Ciência...

- Para mim, o pior é que ele, se estiver mesmo vivo, vai-se ver aflito para voltar ao trabalho antigo...

- Ora essa! Com o treino que ele teve, em tantos anos de Presidente do Conselho, não me digas que já não sabe governar o país!

- Não é o país, é a casa! Com o país entende-se ele bem... Mas a casa! Como é que ele vai governar a casa dele, agora que já não tem lá a Dona Maria para lhe fazer os jantarinhos e lhe ajeitar a manta nos joelhos?

- Talvez também ela tenha ressuscitado...

- Talvez...

Mas não. A Dona Maria estava completa e definitivamente falecida, coitadinha. Daí não poderia vir nenhuma ajuda, idêntica à que fora prestada, durante tantas décadas, ao Senhor Doutor. Só este, na verdade, estaria então de volta à vida, ao país e ao seu posto. Mas... estaria mesmo? Seria isso que o Almirante Tenreiro vinha explicar, com ares muito importantes e muito misteriosos, na tal reunião que ele pretendera secreta – só que, ao chegar para o encontro com o venerando Senhor Presidente, achou-se cercado por uma multidão excitadíssima, jornalistas de microfones e gravadores em punho, todos aos gritos, exigindo notícias, esclarecimentos, explicações.

- Olha que maçada! – reagiu o senhor Contra-Almirante Américo de Deus Rodrigues Thomaz, vendo aquela barafunda à volta do outro Almirante. Mas este até parecia muito contente com tanta agitação. É que ele sempre gostara muito de estar empoleirado em lugares de destaque, em que a sua vaidadezinha pudesse vir ao de cima e em que tivesse oportunidade para brilhar. Por isso, improvisou ali mesmo, à porta do palácio presidencial, uma rápida conferência de imprensa, em que bradou, em voz tronante, estas palavras misteriosas:

- Sim, está de volta aquela figura que todos amamos, que todos respeitamos e que todos seguimos! Fui eu que o fiz voltar do Além! Eu!... E mais não digo!

E enfiou rapidamente para o interior, deixando toda aquela multidão em pulgas.
 
O encontro com Sua Excelência o Senhor Contra-Almirante Américo de Deus Rodrigues Thomaz realizava-se, a pedido do Senhor Almirante Henrique Tenreiro, numa sala discreta do palácio, preparada para reuniões secretas, com as paredes à prova de som. Por isso, enquanto os dois importantes Senhores estiveram reunidos, foram completamente infrutíferos os esforços de algumas pessoas curiosas, que tentaram escutar o teor da conversa, colando as orelhas à grossa porta blindada e insonorizada. Nem um murmúrio chegava cá fora! Pelo contrário, no interior da sala, o tom da conversa era bastante alterado.

- Explique-se lá, faça favor! – pedia, nervoso, o Senhor Presidente. - Eu não percebi completamente o que você me disse pelo telefone... Então o Salazar...

- Um momento, já lá vamos, à explicação. – retrucou o Almirante Tenreiro. – Mas é preciso que fique bem claro que foi graças à minha iniciativa, à minha coragem, ao meu patriotismo, à minha intenção de servir generosamente a nossa Pátria, que foi possível chegar à extraordinária solução para os nossos problemas a qual demonstrará, quando for universalmente conhecida, não só a minha eterna fidelidade aos sãos princípios que deram origem ao nosso Estado Novo, como também a superior inteligência com que todo o processo foi por mim conduzido.

- Ó homem, acabe lá com as loas e os elogios a si mesmo! Já todos sabemos, há muito tempo, que você é um vaidoso e um convencido! Desembuche duma vez! O que é que se passa?

- Passa-se que eu tive a genial ideia de aproveitar os recursos técnicos que estão à minha disposição, aplicando-os, de forma talvez inesperada, mas muito eficiente, à preservação do nosso Regime... preservando, ao mesmo tempo, quem o corporizou durante tantos e tantos anos!

- Quer você dizer... o quê, concretamente?

- Ora escute. Como sabe, entre as várias funções e competências que eu conquistei, na minha vida política, conta-se o domínio absoluto sobre tudo o que tem a ver com as Pescas...

- Sim, toda a gente sabe disso.

- Pois é. Por alguma razão sou conhecido, em todo o país, como o "Patrão das Pescas"!

Nada mais verdadeiro. Aquele conhecido homem do mar fizera uma carreira notável, na Marinha, mas também em terra, em que rapara todos os tachos possíveis, relacionados com peixes, numa verdadeira caldeirada de títulos e cargos. Dirigira o Grémio do Bacalhau... Em 1957 criou a Gelmar... Em 1966 fez inaugurar a Docapesca... Já tinha criado o SAPP, Serviço de Abastecimento do Peixe ao País, que ficou famoso pelas suas carrinhas de distribuição e venda de peixe, muito pitorescas, enfeitadas com imagens de peixinhos todos coloridos... Conseguira abarcar, como delegado do Governo, todos os lugares relacionados com os peixes, desde a sardinha ao bacalhau. Enfim, criara um círculo de actividades que era uma verdadeira pescadinha-de-rabo-na-boca...

-Ora bem – explicava ele. – Entre as minhas trabalhosas tarefas, conta-se a gestão de um sector que é essencial, e está relacionado com todos aqueles em que exerço as minhas importantes actividades.

- E que é...

- E que é o sector da conservação do pescado. Como sabe, não basta pescar o bacalhauzinho, o carapau, o cachucho e todos os outros peixes com que eu contribuo para a alimentação do nosso povo. É preciso que esse peixe não se estrague, antes de chegar às frigideiras ou às panelas das boas donas de casa portuguesas...

- Sim, sim, pois claro. E isso quer dizer o quê?

- Quer dizer que uma das minhas iniciativas, da qual, aliás, tenho muito orgulho, foi a criação dos modernos Armazéns Frigoríficos, onde o rico peixinho é armazenado e conservado até ao momento de chegar aos nossos mercados.

- Sim, já sei! – exclamou o Senhor Presidente, cada vez mais impaciente. – Mas que tem isso a ver com...

- Tem tudo a ver! Sim, tem tudo a ver, e já vai perceber porquê...

Sempre com os ares muito importantes de quem se considera, a si mesmo, uma figura de altíssimo e merecido prestígio, o Senhor Almirante Tenreiro passou então a uma série de explicações científicas, embora com o cuidado de as envolver num palavreado bastante simplório, pois tinha bem a noção de que o Venerando Chefe do Estado já não estava em idade de interpretar conceitos muito elaborados, do ponto de vista científico e não só. Por isso, teve a preocupação de usar palavras e exemplos que estivessem ao alcance do seu cérebro um pouco encortiçado por tantos anos de tarefas repetitivas, como as inaugurações de fontanários e outras semelhantes. E assim, procurou começar por um exemplo que fosse suficientemente demonstrativo daquilo que pretendia anunciar.

- O senhor Presidente deve saber que uma das melhores formas de comer a bela pescada do alto é consumi-la depois de congelada!

- Mas... A que propósito é que...

- Um momento. A pescada, quando é pescada... e daí, até, a antiga expressão popular que diz que ela, "antes de ser, já o era"...não sei se está a ver o sentido... a pescada é pescada, por isso, antes de ter o nome de pescada, já era... pescada de nome...

- Ó homem, acabe lá com essas conversas, que são como o peixe, que ao fim de algum tempo começa a cheirar mal!

- Exactamente! A pescada, para não cheirar mal, assim que é pescada, é levada para o frigorífico, onde se manterá em óptimas condições, não só de higiene, como de conservação das suas características de peixe saboroso e delicado! Aliás, as donas de casa e as cozinheiras mais competentes sabem que uma boa posta de pescada que tenha sido congelada, ao ser cozinhada e servida numa requintada refeição, se apresenta em lascas de belíssimo aspecto, que...

- Irra! Mas você vem dar-me notícias políticas, ou receitas de culinária?

- Tem razão, Senhor Presidente, deixei-me levar pelo entusiasmo que ponho em tudo aquilo que tem a ver com as minhas actividades ligadas ao mar e aos peixes! Mas há uma certa coerência entre aquilo que estava a dizer-lhe a respeito da pescada e aquilo que vou dizer-lhe, a respeito do Senhor Professor Salazar...

- Essa agora! 

- Sim. É que, sabendo eu das virtudes da congelação aplicadas ao pescado, tive a intuição de que as mesmas virtudes poderiam ser aproveitadas, se fossem aplicadas a certas pessoas...

- O quê?! Você está a querer dizer-me que...

- Sim, isso mesmo em que está a pensar. Congelei o Salazar!

Se uma bomba tivesse rebentado ali mesmo, naquela sala do palácio presidencial, o efeito não teria sido tão... bombástico! E o Senhor Almirante Tenreiro continuava, visivelmente orgulhoso, a explicar a sua iniciativa.

- Acontece que eu me interesso apaixonadamente por estes assuntos científicos. Por isso, tratei de ler exaustivamente o que existe publicado sobre a conservação através do frio, no sentido de dar ainda maior uso e utilidade aos meus Armazéns Frigoríficos. E foi assim que encontrei um texto revelador daquilo que a Ciência actual põe à nossa disposição, neste campo...

- E leu esse texto onde? Num Tratado de Biologia Avançada?

- Não. Nas Selecções do Reader's Digest...

- Ah...

- Vinha lá tudo muito bem explicado. Hoje em dia, os avanços da Ciência permitem conservar um corpo humano, depois de falecido, num estado de congelação prolongado, Chama-se a isso "hipotermia terapêutica".

            - As coisas que se inventam, hoje em dia! Só de pensar que até já existem telefones sem aquela rodinha com os números...

            - Pois é, Senhor Presidente. Eu alimentei a esperança de que, passados alguns anos, estas novas descobertas nos campos da Medicina, da Biologia e da Tecnologia das Arcas Frigoríficas permitissem fazer voltar à vida uma individualidade que toda a Humanidade gostaria de conservar para sempre no seu seio, pelos benefícios que a sua presença pode trazer às nossas vidas!

- E então, pegou no Salazar e...

- Não foi assim tão simples como isso! Como é evidente, teve que ser tudo feito no maior dos segredos... Tive, é claro, a colaboração de alguns Médicos, bem como de Agentes Funerários, da PIDE e de outros patriotas, que juraram guardar segredo, sob pena de também serem metidos nos Armazéns Frigoríficos – mas vivos!... Até hoje, ninguém abriu o bico. A operação foi mantida no mais completo secretismo! Mas quem orientou tudo fui eu! Eu é que fui da ideia!

- Está bem, pronto, ninguém lhe tira os louros... Mas... o Senhor Professor Oliveira Salazar está mesmo... até me arrepio ao dizer isto... está mesmo vivo?...

- Bem, disso não há a certeza absoluta. Para já, está a descongelar.

- Ah!

- Sim, ele saiu do Frigorífico num bloco de gelo com dois metros de altura por um metro de largura... Mandei pôr uns aquecedores eléctricos à volta dele, e agora há que esperar que tudo aquilo descongele...

- Então não há a certeza de que... enfim... de que ele volte realmente à vida...?

- Pois não. Já lá tenho a equipa médica à espera, a ver o que acontece. Mas tenho uma grande esperança de obter bons resultados e de ver o nosso Presidente do Conselho de novo em funções, dentro de pouco tempo.

- Bem, por um lado não era má ideia, porque eu tenho estado aqui muito atrapalhado, sem saber quem hei-de pôr nesse lugar... Desde aquela frustrada tentativa de revolução, no já distante ano de 1974, as forças do reviralho têm tentado repetidamente fazer aquilo a que chamam "um novo 25 de Abril"...

- Felizmente sem êxito!

- Claro. Mas eles andam por aí, esses malditos, sempre a minar. Era bom acabar com eles de uma vez por todas, para podermos viver em paz. E, para isso, o Doutor Salazar dava muito jeito...

- Pois bem, agora é só esperar mais uns dias, ou talvez umas horas, até o gelo derreter por completo. Só então podemos ter a certeza de estarmos com sorte, ou não... Eu venho cá dar as últimas informações, assim que houver novidades.

O clima ajudava, naquele Verão ameno de 1981, o calor apertava, o que, certamente, contribuiria para uma descongelação mais rápida do bloco de gelo onde repousava serenamente o nosso Bem Amado e nunca olvidado Senhor Presidente do Conselho de Ministros, Senhor Professor Doutor António de Oliveira Salazar... Ai que gozo, este de voltar a escrever assim, respeitosamente, o seu nome, com todas as letras! A expectativa era enorme... Eu soubera deste desenvolvimento da situação através de uma prima que tinha uma vizinha que era cunhada de um irmão de um compadre de um empregado dos Armazéns Frigoríficos onde, a par com os bacalhaus, os chocos e outros produtos do mar, se tinha conservado, durante tantos anos, aquela figura ímpar da nossa História, subtraída secretamente do seu lugar de repouso e para ali trazida com a patriótica intenção de a preservar eternamente, para bem de todos nós!

Surgia agora a dúvida: seria possível reanimar aquele corpo frio e fazê-lo voltar à vida? E mais: estaria o seu privilegiado cérebro em condições de continuar a governar o país, com o brilho da sua inteligência e a clareza das suas decisões? Eis as interrogações que se punham, naquele momento dramático...

Era preciso esperar.

TERMINA NA PRÓXIMA SEGUNDA-FEIRA


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