Volto a publicar, com alguma irregularidade, as crónicas que continuo a escrever, semanalmente, para o "Diário do Sul". Não me comprometo com datas fixas. Os textos irão aparecendo, de vez em quando, sempre que eu ache que têm alguma piada. Enfim, o blog e eu continuamos livres... Se os seguidores tiverem paciência para me ler, fico grato. Se não tiverem, não levo a mal...
EXAMES E DITADURA
Felizmente
para mim, todas as semanas aparecem coisinhas cómicas, na vida corrente cá do
nosso Portugalito, que dão assunto para comentário. O problema, às vezes, é
escolher o mais cómico dos cómicos, porque, feita essa escolha, o comentário
vem depois, naturalmente. Mas, na última semana, não tive qualquer dúvida ou
hesitação: a coisa mais cómica a que
o país assistiu, foi o nervosismo por causa do exame da quarta classe!...
Nervosismo de quem? Dos putos que iam fazer a prova? Nem pensar! Esses eram os
mais calmos, os mais tranquilos, encarando a situação com toda a naturalidade,
sem angústias e sem stresse… Quem mostrava mais stresse e mais angústias eram
os papás e as mamãs dos meninos! E então, ouviram-se reacções e declarações,
nas rádios, e mostraram-nos cenas tão parvas, nas televisões, que foi mesmo um
fartar de rir! A mais cómica de todas foi expressa nas palavras de uma mãe irritada,
que refilava ao microfone: - Agora
temos de aturar isto! Parace impossível, obrigarem as crianças a fazer exame. É
uma verdadeira ditadura!
Não pude
deixar de recordar os tempos de antigamente. Por exemplo, quando eu próprio fiz
o meu exame da quarta classe. Nesse tempo, ainda não tinha surgido esta febre
de trocar os nomes simples das coisas simples por nomes mais complicados. O
exame era da quarta classe, não era do quarto ano, como o baptizaram depois…
Mas, enfim, não é isso que mais interessa. As condições em que os miúdos iam
para a prova, nesses tempos, essas sim, é que eram traumatizantes e stressantes
– embora tais palavrões não se usassem então, e o que a malta tinha era,
simplesmente, umas valentes dores-de-barriga! Como o país estava
infestado de analfabetos, fazer a quarta classe era acontecimento
suficientemente importante para ser tratado com o maior respeito e grande
cerimónia. As famílias, orgulhosas com a distinção que representava passarem a
ter um menino com tão altos estudos, ataviava-o com o que havia de melhor, e
nenhum examinando ia para a escola, nesse dia, sem um fatinho novo (ou, pelo
menos, virado do avesso, a fingir que era a estrear), calções muito
engomadinhos, todo penteado, com brilhantina na trunfa, e uns sapatos de verniz
que amolgavam os pés do desgraçado durante o dia inteiro – e que, isso sim,
esse cerimonial todo, atrapalhava os candidatos ao desejado diploma, aquele
certificado que depois se pendurava orgulhosamente na sala de jantar, para
comprovar, perante a vizinhança, que estava ali uma inteligência superior...
Aí sim, havia
razões para todos estarem nervosos. Ao passo que, na semana passada, essas
razões eram todas do mais pífio que se possa imaginar. Ai, que o menino não
está psicologicamente preparado para fazer um exame, ainda tão novinho! Ai, que
ele vai fazer a prova numa sala onde nunca esteve antes e é muito capaz de
ficar aterrorizado! Ai, que ele tem de viajar num autocarro, durante vinte
minutos, para se deslocar para um sítio que não conhece, e isso pode
traumatizá-lo para sempre!... Ouviram-se os argumentos mais idiotas contra a
realização dos exames: que eram
prematuros, que as criancinhas não estavam desenvolvidas suficientemente para
aguentar uma prova daquelas, que o sistema anterior, em que toda a gente
passava a tudo, sem exames nem chatices, era muito mais benéfico para aqueles
pobres cérebros desabituados de tarefas pensantes… Ora bem, é por estas e por
outras que temos aí umas gerações sucessivas de gente que ficou isenta de
qualquer avaliação e, por isso, não sabe alinhavar duas frases seguidas nem
fazer uma simples multiplicação de cabeça. Muitos dos paizinhos e das mãezinhas
que sofreram por transposição, esta semana, as angústias dos seus meninos, só
tiveram esses problemas porque, eles próprios, quando jovens, escaparam do
exame da quarta classe… Pois teria sido bem melhor que o tivessem feito – mesmo
com a chatice do fatinho a estrear e dos sapatinhos de verniz a apertar-lhes os
mimosos pezinhos… Não teríamos agora tantos analfabetos a refilar contra a vida
que têm, contra tudo e contra todos, e até a dizer que isto agora parece uma
ditadura – sem repararem, idiotas que são, que numa ditadura não poderiam dizer
os disparates que dizem…
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