15/05/2013

"OS CÓMICOS" - EXAMES E DITADURA





Volto a publicar, com alguma irregularidade, as crónicas que continuo a escrever, semanalmente, para o "Diário do Sul".  Não me comprometo com datas fixas. Os textos irão aparecendo, de vez em quando, sempre que eu ache que têm alguma piada. Enfim, o blog e eu continuamos livres... Se os  seguidores tiverem paciência para me ler,  fico grato. Se não tiverem, não levo a mal...


EXAMES E DITADURA
Felizmente para mim, todas as semanas aparecem coisinhas cómicas, na vida corrente cá do nosso Portugalito, que dão assunto para comentário. O problema, às vezes, é escolher o mais cómico dos cómicos, porque, feita essa escolha, o comentário vem depois, naturalmente. Mas, na última semana, não tive qualquer dúvida ou hesitação: a coisa mais cómica a que o país assistiu, foi o nervosismo por causa do exame da quarta classe!... Nervosismo de quem? Dos putos que iam fazer a prova? Nem pensar! Esses eram os mais calmos, os mais tranquilos, encarando a situação com toda a naturalidade, sem angústias e sem stresse… Quem mostrava mais stresse e mais angústias eram os papás e as mamãs dos meninos! E então, ouviram-se reacções e declarações, nas rádios, e mostraram-nos cenas tão parvas, nas televisões, que foi mesmo um fartar de rir! A mais cómica de todas foi expressa nas palavras de uma mãe irritada, que refilava ao microfone: - Agora temos de aturar isto! Parace impossível, obrigarem as crianças a fazer exame. É uma verdadeira ditadura!
Não pude deixar de recordar os tempos de antigamente. Por exemplo, quando eu próprio fiz o meu exame da quarta classe. Nesse tempo, ainda não tinha surgido esta febre de trocar os nomes simples das coisas simples por nomes mais complicados. O exame era da quarta classe, não era do quarto ano, como o baptizaram depois… Mas, enfim, não é isso que mais interessa. As condições em que os miúdos iam para a prova, nesses tempos, essas sim, é que eram traumatizantes e stressantes – embora tais palavrões não se usassem então, e o que a malta tinha era, simplesmente, umas valentes dores-de-barriga! Como o país estava infestado de analfabetos, fazer a quarta classe era acontecimento suficientemente importante para ser tratado com o maior respeito e grande cerimónia. As famílias, orgulhosas com a distinção que representava passarem a ter um menino com tão altos estudos, ataviava-o com o que havia de melhor, e nenhum examinando ia para a escola, nesse dia, sem um fatinho novo (ou, pelo menos, virado do avesso, a fingir que era a estrear), calções muito engomadinhos, todo penteado, com brilhantina na trunfa, e uns sapatos de verniz que amolgavam os pés do desgraçado durante o dia inteiro – e que, isso sim, esse cerimonial todo, atrapalhava os candidatos ao desejado diploma, aquele certificado que depois se pendurava orgulhosamente na sala de jantar, para comprovar, perante a vizinhança, que estava ali uma inteligência superior...
Aí sim, havia razões para todos estarem nervosos. Ao passo que, na semana passada, essas razões eram todas do mais pífio que se possa imaginar. Ai, que o menino não está psicologicamente preparado para fazer um exame, ainda tão novinho! Ai, que ele vai fazer a prova numa sala onde nunca esteve antes e é muito capaz de ficar aterrorizado! Ai, que ele tem de viajar num autocarro, durante vinte minutos, para se deslocar para um sítio que não conhece, e isso pode traumatizá-lo para sempre!... Ouviram-se os argumentos mais idiotas contra a realização dos exames: que eram prematuros, que as criancinhas não estavam desenvolvidas suficientemente para aguentar uma prova daquelas, que o sistema anterior, em que toda a gente passava a tudo, sem exames nem chatices, era muito mais benéfico para aqueles pobres cérebros desabituados de tarefas pensantes… Ora bem, é por estas e por outras que temos aí umas gerações sucessivas de gente que ficou isenta de qualquer avaliação e, por isso, não sabe alinhavar duas frases seguidas nem fazer uma simples multiplicação de cabeça. Muitos dos paizinhos e das mãezinhas que sofreram por transposição, esta semana, as angústias dos seus meninos, só tiveram esses problemas porque, eles próprios, quando jovens, escaparam do exame da quarta classe… Pois teria sido bem melhor que o tivessem feito – mesmo com a chatice do fatinho a estrear e dos sapatinhos de verniz a apertar-lhes os mimosos pezinhos… Não teríamos agora tantos analfabetos a refilar contra a vida que têm, contra tudo e contra todos, e até a dizer que isto agora parece uma ditadura – sem repararem, idiotas que são, que numa ditadura não poderiam dizer os disparates que dizem…

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