29/10/2012

E SE O 25 DE ABRIL TIVESSE FALHADO? (7)


O que podia ter acontecido, se o golpe das forças maléficas tivesse resultado e tivéssemos sofrido a prevista "Revolução dos Cravos"...

Imaginem, através de uma hipotética elaboração mental, como se teriam passado as coisas, se o golpe tivesse resultado... Ai, minha Nossa Senhora de Fátima, ai minha querida PIDE, só de pensar nisso fico todo a tremer!...

Mas, enfim, talvez valha a pena tentar imaginar como se teriam passado as coisas, se o 24 de Abril tivesse tido como consequência aquele "25 de Abril " com que os revoltosos sonhavam... Isto só como exercício intelectual, naturalmente...

Nessa noite, cantava-se, no São Carlos, a ópera La Traviata. Findo o espectáculo, os espectadores do costume (eram sempre os mesmos, os que iam ouvir música à Gulbenkian, ao Coliseu ou ao São Carlos, alguns dos quais, tanto lhes dava dormir numa sala como noutra), foram para suas casas, calmamente, criticando a voz da soprano e a afinação do coro.

Entretanto, era outra a música que se preparava para ser tocada, naquela madrugada que se aproximava...

 Assim, segundo o plano subversivo, as tropas teriam tomado conta, sem resistência que se visse, dos pontos estratégicos que lhes tinham sido assinalados. Às 3 horas da madrugada, seriam ocupados o Rádio Clube Português, a Televisão, a Emissora Nacional, o Aeroporto de Lisboa, o Comando da Região Militar, a Rádio Marconi – tudo isto e algo mais, por tropas do Batalhão de Caçadores 5 e da Escola de Administração Militar.

Pelas 4 e meia, toda a gente teria ficado muito espantada ao escutar o primeiro comunicado do Movimento das Forças Armadas, vindo do Posto de Comando, na Pontinha, mas transmitido pelo Rádio Clube Português.

Lá pelas 5 e meia, teriam chegado ao Terreiro do Paço os blindados da Escola Prática de Cavalaria, de Santarém, comandados pelo capitão Salgueiro Maia, começando assim a ocupação dos Ministérios.

Depois, às 7 e meia, novo comunicado do MFA teria enganado o povo, afirmando que o Movimento teria a intenção de o libertar do Regime que "há longo tempo o dominava"... Disparates!

E depois, sucessivamente, teria havido uma série de episódios absolutamente incríveis. Por exemplo, Sua Excelência o Presidente do Conselho ter-se-ia abrigado, completamente aterrorizado, no Quartel do Carmo!... (Absurdo! Na verdade, ele ia até lá, de vez em quando, mas para ouvir os concertos da Banda Sinfónica da GNR, nada mais!)... E dir-se-ia que dali tinha saído, horas depois, sob a protecção de um carro blindado, um Chaimite... (Nada disso! Saiu, naturalmente, no seu Mercedes oficial, como manda o imutável protocolo)...

Também se pode imaginar, embora com dificuldade, o que teria acontecido, se os dois Presidentes, o da República e o do Conselho de Ministros, tivessem sido detidos e enviados, pouco tempo depois, para um cruel exílio, primeiro na ilha da Madeira, depois no Brasil.

E mais: como teria ficado desprotegido o país, se tivessem sido dissolvidos órgãos tão essenciais como a Assembleia Nacional e o Conselho de Estado, exonerados os Senhores Governadores Civis, extintas a Mocidade Portuguesa, a Legião, a Acção Nacional Popular – e, tragédia das tragédias, eliminada a gloriosa DGS, a quem sempre continuarei a chamar PIDE, que é um nome muito mais bonito!... Impensável!

Se as coisas tivessem acontecido como esses energúmenos tinham planeado, nas suas cavilosas e astuciosas maquinações, os militares teriam tomado conta do poder, partilhando-o depois com os temíveis partidos políticos, esses antros de conspiração contra os valores pátrios.

E o País cairia no descalabro e na tragédia!... O General Spínola era muito capaz de ser nomeado Presidente da República, o major Otelo seria promovido a general e, embora não fosse de Cavalaria, havia de ameaçar cavalgar o "cavalo do Poder", capaz disso era ele! E outros perigosos indivíduos, como o socialista Mário Soares e o comunista Álvaro Cunhal seriam chamados a lugares de responsabilidade (talvez ministros, sabe-se lá... até Presidentes, imaginem só a desgraça em que iríamos mergulhar!)...
 
Sim, todos estes acontecimentos – se realmente tivessem ocorrido – teriam feito com que a Pátria desse uma valente cambalhota! Mas, felizmente, nada disso aconteceu. Aleluia!


...e o que realmente aconteceu!
                    
Pois, na verdade, tudo isto, que cabia na imaginação fértil dos malvados revoltosos, não chegou a realizar-se. Felizmente, é o que eu digo e repito, de acordo com as informações, um pouco dispersas, que me foram chegando, a este local reservado onde decorre a minha existência actual...

- Felizmente! – repito. Qualquer patriota entenderá que o tal 25 de Abril mergulharia a nossa Querida Pátria na mais negra e trágica escuridão, eliminando assim, num só golpe (uso aqui a palavra golpe propositadamente, e até poderia usar antes o termo golpada) todo o bem de que tínhamos beneficiado até então, graças à preclara actuação, principalmente, de Sua Excelência o Senhor Professor Doutor António de Oliveira Salazar e, depois, dos seus inteligentes seguidores e continuadores! Menos inteligentes do que o Senhor Professor, é certo, mas, ainda assim, suficientemente bons para não desvirtuarem muito a sua tão virtuosa obra!...

Assim, na noite de 24 para 25 de Abril de 1974, como já se descreveu, o projectado golpe traiçoeiro abortou – mesmo sem que existisse, neste país de brandíssimos costumes, qualquer Lei do Aborto, uma indecente disposição legal que começava então a surgir, noutros países, mais atrasados que o nosso, pelo menos quanto aos valores morais e matrimoniais que devem presidir à vida de povos civilizados como o nosso.

O que aconteceu então?

Em primeiro lugar, era necessário e urgente anular os efeitos perversos da revolução que estivera em germinação. Para isso, era essencial esterilizar os mentores daqueles malvados planos revolucionários que estavam a ser congeminados, e os seus respectivos executores e pretensos protagonistas.

Para começar, e para baralhar os planos dos revoltosos, um dedicado patriota, locutor dos Emissores Associados de Lisboa, trocou os discos programados para a emissão dessa noite. Para desempenhar conscienciosamente essa patriótica sabotagem, tinha sido previamente "amanteigado" com uma generosa gratificação especial, representada por um envelope com umas discretas notas de quinhentos escudos e uma promessa de um emprego para um dos seus catorze filhos, num departamento do Estado... Assim, em vez da programada cantiguinha E depois do Adeus, os estimados ouvintes puderam deliciar-se, à hora combinada, com a interessantíssima interpretação de Alfredo Marceneiro em A Casa da Mariquinhas. E, mais tarde, à meia-noite e vinte e cinco, quem ligasse para a Rádio Renascença ouviria, não a tal cantiga grandolense dos pés a arrastar pelo chão, mas uma romântica canção de amor pela apreciada cançonetista Madalena Iglésias...

Claro que isto contribuiu para a confusão que se instalou nos pobres cérebros dos revolucionários. Sem as cantigas que lhes dariam o mote para levar a cabo a sua antipatriótica missão, ficaram completamente despassarados, tudo passou a decorrer fora dos planos previamente preparados, e eles puderam ser facilmente neutralizados pelas forças da Ordem.

Assim, todo o núcleo subversivo reunido no quartel da Pontinha pôde ser rapidamente dominado. Eram eles os cabecilhas do movimento e os que se preparavam para tomar conta do poder neste nosso amado país. Toda aquela tropa foi cercada pelos valorosos elementos da Legião Portuguesa, armados com pistolas de plástico rapidamente reunidas nos infantários frequentados pelos seus filhos e netos. As armas eram tão perfeitas que enganaram os revolucionários, aterrorizados com o volte-face dos acontecimentos e com os imponentes físicos dos seus antagonistas. Daí a poucas horas, estavam todos metidos em Chaimites, a caminho do avião que os iria conduzir à Colónia Balnear do Tarrafal, na ilha de Santiago, Cabo Verde.

Todos os outros implicados na tentativa de rebelião foram igualmente dominados e neutralizados, nos locais onde se preparavam para dar continuidade à revolução e para se apoderarem dos locais estratégicos mais importantes.

Daí a poucas horas, o incidente estava resolvido e a paz voltava às ruas e aos espíritos dos Portugueses.

É claro que, mesmo assim, a simples hipótese de se poder ter concretizado aquela terrível ameaça, e o caos que se abateria sobre a Nação, se por acaso não tivesse sido descoberta e anulada, deixava consequências visíveis. Sua Excelência o Presidente da República, o venerando Contra-Almirante Américo de Deus Rodrigues Thomaz teve então oportunidade para mostrar toda a sua fibra de valoroso combatente pela causa da Paz e da Ordem Pública, merecendo amplamente o apodo, que passaria a ser-lhe aplicado, de Grande Comandante. Assim que teve a certeza de que a situação estava mesmo controlada, logo na manhã seguinte, disse a sua esposa que saísse de baixo da cama, onde prudentemente se abrigara, e mandou chamar ao Palácio de Belém o Presidente do Conselho. Este compareceu, muito enfiado, ainda pálido do susto que apanhara, quando fora informado da intentona que se tinha preparado sem ele saber de nada. Não fazia ideia alguma do que lhe iria ser comunicado por Sua Excelência o Senhor Presidente, mas, pelo sim pelo não, ia munido com um discurso muito bem estudado, para tentar justificar o facto de ter sido colhido de surpresa por tão insólitos acontecimentos.

Tal como ele, alguns dos Senhores Ministros tinham apanhado um razoável susto, ao aperceberem-se do que se preparava. Alguns deles, mais inquietos com os destinos da Pátria, tinham feito rapidamente as malas, preparando-se para a hipótese de terem de abandonar urgentemente o país – não por temor, evidentemente! mas para assegurarem, mesmo no Estrangeiro, a continuidade da sua acção governativa, que se dispunham a manter, nem que fosse por telegrama.

Constou que um deles, mais nervoso, teve mesmo um pequeno problema intestinal, sendo obrigado a mudar rapidamente de cuecas, devido ao nervosismo causado pela preocupação de manter o funcionamento do seu Ministério num ritmo normal (e não, muito longe disso! por ter sofrido algum ataque daquilo a que popularmente se chama "cagaço", perdoem-me o termo popular)...

Ao chegar ao Palácio presidencial, Sua Excelência o Senhor Presidente do Conselho começou logo por estranhar a forma muito pouco cerimoniosa como foi recebido: o soldado da Guarda Republicana de sentinela à porta nem sequer se pôs em sentido quando ele chegou, e um simples ajudante de campo veio encaminhá-lo para o salão onde o Senhor Contra-Almirante o iria receber. Verificou, de imediato, que não havia mais ninguém presente, pelo que a conversa seria a dois. E que conversa!...

- Bom dia, senhor Presidente – cumprimentou, com a delicadeza que lhe era habitual. Porém, para sua surpresa, o Presidente nem sequer respondeu ao cumprimento. Resmungou qualquer coisa, com o seu costumeiro ar, que alguns classificavam de "trombudo", mas que não era mais que a máscara severa adequada às circunstâncias. Nem sequer o mandou sentar. Olhando sempre fixamente para o enorme e valioso tapete que forrava o chão do imenso salão, tratou de lhe explicar a razão por que o chamara – e que não seria difícil de adivinhar qual era.

- Senhor Professor Doutor Marcello José das Neves Alves Caetano, tenho a comunicar a Vossa Excelência que...

- Já sei o que Vossa Excelência vai dizer, senhor Presidente – interrompeu o Presidente do Conselho – A revolução que estava a preparar-se foi liquidada, graças ao génio estratégico de Vossa Excelência!

- Escusa de me estar para aí a dar graxa, que não ganha nada com isso! – respondeu com firmeza, na sua linguagem simples de homem do mar, o Grande Comandante. – O que tenho a dizer-lhe é muito simples: Vossa Excelência, como político, revelou-se um nabo! E, nestas circunstâncias, informo-o de que... está despedido!

- O quê?! – exclamou aquele que, a partir daquele preciso momento, passava automaticamente a ser, apenas, o "ex-Presidente do Conselho". – Mas eu... eu não tenho culpa alguma do que aconteceu!

- Ah, isso é que tem! Se, em vez de se pôr para aí com as suas conversas em família, tivesse apertado os calos a esses patifórios do reviralho, esta ameaça que pairou sobre a nossa Pátria não se teria verificado! Eu bem me fartei de lhe recomendar: porrada prà frente! É cascar nesses comunistas, nesses opositores do nosso admirável regime, que não queriam outra coisa senão correr connosco dos nosso poleiros, apoderarem-se dos nossos tachos e governarem este país, governando-se a eles ao mesmo tempo! Mas Vossa Excelência... ou melhor, você... sempre com as suas falinhas mansas, até quis mudar o calendário, inventando essa tal "Primavera marcelista"! Um verdadeiro disparate, que só podia trazer chatices à vida nacional, habitualmente tão calma e tranquila, desde que assim foi estabelecida, no tempo do antecessor de Vossa... de você, ou seja, no tempo do saudoso Senhor Professor Doutor António de Oliveira Salazar, perante cuja memória me curvo respeitosamente.

- Eu também me curvo respeitosamente... – disse, fazendo uma vénia, o Senhor Professor Doutor... isto é, disse o Marcello.

- Não curva nada, que eu bem o conheço! Sempre fingiu que se curvava, mas, lá no íntimo, estava desejando que ele batesse as botas!

- Essa referência às botas parece-me um pouco infeliz...

E aquele diálogo difícil continuou, no mesmo tom azedo, durante alguns minutos. Até que o Doutor... isto é, até que o Marcello resolveu perguntar:
                                                                                                      
- Já que Vossa Excelência insiste em me demitir, e se me permite, gostaria de saber quem vai ser o próximo Presidente do Conselho...

- Nem faz ideia de quem vai ser! – disse o Senhor Presidente, com um sorrisinho maroto. – Dê lá um palpite, vá!...

- Sei lá... Talvez o senhor General Kaúlza... o senhor almirante Tenreiro... o senhor General Santos Costa...

- Frio, frio!

- Vá lá, senhor Presidente! Diga quem será o meu sucessor!

Continua na próxima quinta-feira.

Quem irá substituir o Presidente do Conselho de Ministros? A grande surpresa! Uma solução genial e completamente inesperada!

25/10/2012

E SE O 25 DE ABRIL TIVESSE FALHADO? (6)


Tudo ao contrário...A projectada revolução transforma-se (felizmente!) num grandessíssimo falhanço, para grande desespero e frustração dos inimigos da Pátria.
Glória à PIDE, que descobriu tudo e anulou a catástrofe!

Confesso que, a partir deste momento histórico, o meu cérebro começa a baralhar um pouco os acontecimentos. O que é natural, nas condições em que me encontro actualmente, com escassa informação e um pouco afastado da realidade... Por isso, vou tentar manter um relato coerente do que se passou nesta data e nos tempos que se lhe seguiram – ou, pelo menos, um relato daquilo que penso que se passou.

Estava previsto que, por volta das 3 da madrugada, seriam ocupados o Rádio Clube Português, a RTP, a Emissora Nacional, o Aeroporto de Lisboa, o Comando da Região Militar, o Quartel Mestre General a a Rádio Marconi...

Pois bem: nada disso aconteceu!

Todos estes pontos estratégicos tinham sido previamente ocupados por forças leais ao Regime, mobilizadas por Sua Excelência o Chefe de Estado, o venerando Contra-Almirante Américo de Deus Rodrigues Thomaz – a quem, a partir desse momento, muitos dos seus admiradores passaram a designar, simplificadamente, por O Grande Comandante.  Revelando uma capacidade estratégica fora do comum (e, valha a verdade, algo inesperada...), foi ele quem pôs em movimento as tropas e as forças de segurança necessárias para defender esses locais essenciais para a manutenção da ordem pública e da segurança do povo. Mas... tivera uma excelente ajuda, nessa patriótica tarefa. Como se sabe, nestas ocasiões de crise, prenunciadoras de guerras ou revoluções, é absolutamente essencial a existência de um bom Serviço de Informação e Espionagem – e esse estava muito bem organizado na PIDE, agora chamada, mais modernamente, DGS – "Direcção Geral de Segurança", que tinha olhos e orelhas por toda a parte e se apercebera das malandrices que andavam a ser preparadas, aí pela surra... Mas também esta não estivera sozinha nessa patriótica tarefa. Um auxílio precioso para a sua acção fora assegurado através de respeitável Esposa do venerando Chefe do Estado, Dona Gertrudes, assessorada por uma equipa constituída pelas mais espertas entre as criadas do Palácio Presidencial, incluindo mesmo as mulheres-a-dias. A esse compacto grupo de especialistas em Espionagem Doméstica não fora difícil canalizar os seus talentos inatos para a Espionagem Política. Assim, através das informações recolhidas nos mercados abastecedores, nos hipers e, porque não? nas mercearias de bairro, nos cabeleireiros e noutros locais igualmente estratégicos, fora possível estar a par dos movimentos subversivos que se preparavam, dando assim tempo para se organizar a contra-revolução, que haveria de anular as intenções dos revoltosos!

Na maioria dos locais previamente designados foram colocados elementos da Legião Portuguesa. Estes, ao verem avançar, no escuro da noite, os grupos de amotinados, colocaram-se estrategicamente, de forma a ocuparem as respectivas entradas. Nem precisavam de fazer fosse o que fosse. Sendo, como eram, quase todos, bastante barrigudos, bastavam dois elementos, colocados lado a lado, para barrar completamente cada entrada, fazendo com que os assaltantes, sem qualquer possibilidade de ultrapassar aquelas barreiras bojudas, tivessem de desistir da invasão, retirando-se vencidos e de orelha murcha... Aconteceu assim na maioria dos pontos que estariam para ser tomados pelas tropas revoltosas. No caso do Aeroporto, com acessos mais largos e, portanto, mais difíceis de serem tapados, foi colocada uma pequena força da mesma Legião, com capacetes, cada um de sua cor, e espadas de lata desembainhadas. Aí a táctica foi outra. Ao verem aqueles valorosos defensores, dispostos a tudo para preservarem os valores patrimoniais à sua guarda, os assaltantes foram alvo de um enorme ataque de riso, sendo obrigados a retirar, por não poderem conter a galhofa... Mas, o que é certo é que retiraram!

Um local de grande importância era a Televisão (e é de lembrar que, nesse tempo, apenas existia uma emissora oficial, a RTP). Pois aí bastou colocar à porta, à vista de quem ousasse aproximar-se, a filha do Grande Comandante. Ao avistarem, de longe, a famosa Natalinha, os militares deram meia volta e debandaram em grande confusão, aterrorizados com aquela visão que os desmobilizara irremediavelmente!

Noutros locais, que estava previsto serem igualmente ocupados, bastou fechar e trancar os grossos portões e deitar as chaves fora. Atrapalhados com a insólita dificuldade, os revoltosos ainda tentaram telefonar para a Fábrica de Chaves do Areeiro e outras firmas congéneres, mas, àquela hora, estava tudo fechado e nada conseguiram. 

Assim, a pouco e pouco, os insurrectos foram desistindo de ocupar os locais que tinham sido previamente assinalados, e que eram valorosamente defendidos pelas forças fiéis ao nosso bem amado Regime.

Na Presidência do Conselho de Ministros, o Senhor Professor Marcello José das Neves Alves Caetano ficara, calmamente, a redigir o texto da sua próxima "Conversa em Família". Os militares entraram, de rompante, armas na mão, ameaçadores. O Senhor Professor perguntou: – Isto é o quê? Uma revolução?... Perante a anuência dos invasores, o Senhor Professor Marcello disse então, calmamente: – Já que aqui estão, vejam se gostam do texto da minha Conversa!... E começou a ler… Cinco minutos depois, os militares bateram em retirada, comentando uns para os outros: – A gente até percebe o que ele diz, só não percebe o que ele quer... É o contrário do outro... A gente não percebia o que ele dizia, mas sabia muito bem o que ele queria! Vamos embora, que ninguém aguenta isto!

Quanto ao Palácio Presidencial, a ocupação também não resultou. Quando lá chegaram, a veneranda figura do Grande Comandante veio recebê-los à porta, em camisa de dormir, chinelos e barretinho de lã, por causa do relento. E começou a falar, na sua voz pausada – Esta é a primeira vez que o Chefe de Estado é incomodado por uma revolução que não foi previamente autorizada... Ainda por cima, a estas horas da noite. Recolham aos vossos quartéis e considerem-se em detenção, que eu amanhã trato dos vossos casos. Agora são horas de dormir. Ó Gertrudes, vamos para cima!

Os militares, impressionados com aquela atitude corajosa, baixaram as armas e foram-se embora.

Noutros locais da capital, as coisas não corriam melhor para os revoltosos. No Posto de Comando, Garcia dos Santos tentava, a todo o custo, restabelecer as comunicações: – Tá lá? É do Rádio Clube? Já tomaram conta da estação? Está na hora de emitir o primeiro comunicado!... Mas, do outro lado, ouvia coisas inesperadas: – Programa Quando o Telefone Toca... Boa noite, posso pedir um disco?... E posso dizer o meu nome?... Aqui é a Lélé, e quero dedicar este disco ao meu namorado Quicas... Quanto a comunicados, nicles. 

Nas ruas da Baixa, avançavam os tanques de Salgueiro Maia, vindos de Santarém. Tudo parecia correr bem, até que o tanque da frente parou subitamente, fazendo com que toda a coluna se detivesse. – Que se passa aí à frente? gritou o capitão. A resposta foi imediata: – É o semáforo, meu capitão! Está no vermelho!... Um berro vigoroso atroou os ares, na escuridão da madrugada: – Vermelho vai ser a cor mais vista cá no país! Avança!

A coluna retomou a marcha... mas parou novamente, segundos depois. – O que é agora?... Era evidente que só podia haver uma explicação: – É o polícia de trânsito, meu capitão? Diz ele que furámos um sinal vermelho, por isso vamos ficar sem as cartas de condução, e os veículos vão ser apreendidos!

Claro que, perante tantos contratempos, a revolução começava a descambar para o fracasso, com grande desespero do major Otelo, que berrava: – Isto é que é uma chatice, pá! Estive eu, pá, com tanto trabalho, pá, a elaborar o plano, e agora, pá, fica tudo em águas-de-fiel-amigo?!

No Posto de Comando, as comunicações, tão minuciosamente organizadas e preparadas por Garcia dos Santos, começavam a falhar. Ouviam-se sons esquisitos, o contacto era difícil, as mensagens eram imperceptíveis. Os revoltosos começavam a duvidar do êxito da operação, que estava muito longe de correr como tinha sido previsto. Havia demasiados contratempos e todas as acções programadas iam falhando sucessivamente. Alguns desmobilizavam e voltavam sorrateiramente para suas casas – de onde, aliás, nunca deviam ter saído! Era o desastre!

Assim parecia, na verdade. Aquela data, que tinha sido sonhada para entrar no calendário como uma das mais importantes da vida nacional, estava a acumular uma data... de fiascos!

Isto para os revoltosos, naturalmente... porque, para os verdadeiros Patriotas, os incondicionais apoiantes do Regime, os admiradores do Estado Novo, os saudosistas incondicionais do Senhor Professor Doutor António de Oliveira Salazar, e agora seguidores fiéis do Grande Comandante, o venerando Chefe do Estado, Contra-Almirante Américo de Deus Rodrigues Thomaz, vivia-se, naquela data, uma grande vitória!

Mas... e agora, pá? – como diria o tal revolucionário, já bastas vezes citado. Sim, e agora? Que iria acontecer a toda aquela gente que se envolvera na tentativa de golpada?

É o que vamos ver, mais adiante.

CONTINUA, NA PRÓXIMA QUINTA-FEIRA

23/10/2012

E SE O 25 DE ABRIL TIVESSE FALHADO? (5)

Excepcionalmente à terça-feira

Chega o mês de Abril, com o Sol, o bom tempo, os passarinhos e alguns passarões...

Este mês de Abril de 1974 havia de ficar, para sempre, indelevelmente assinalado na nossa História, pelas melhores e pelas piores razões...

Os contestatários, coitaditos, lá continuavam com as suas manobras subterrâneas, com as suas conspirações e com as suas combinações. Entre os dias 21 e 22 aprovaram o tal "Plano Geral das Operações" e inventaram uma sigla... A sigla era MFA – "Movimento das Forças Armadas" – pois era assim que eles chamavam ao conjunto das tropas envolvidas na barafunda que pretendiam implantar no país. Isto embora alguns patriotas, entre os raros que iam sabendo do que se tramava, preferissem traduzir a sigla por "Malandrecos Fazendo Agitação", um trocadilho que tinha, sem dúvida, muita laracha!...

Soube-se ainda, através dos espertíssimos espiões das nossas competentes forças de segurança, que o tal major Otelo tinha escolhido o Regimento de Engenharia nº 1, na Pontinha, para instalar o Posto de Comando dos revoltosos. Claro que ninguém levou aquilo a sério! Um Posto de Comando na Pontinha? Ora bem, era coisa para ser liquidada sem problemas – "na pontinha da unha", como diria, com muita graça, um militar patriota que fora informado do que se tramava.

Ainda por cima, eles previram uma senha, um código, que era perfeitamente ridículo! Nada mais nada menos que... uma cantiga do "Festival da Canção" da RTP! Coisa mais tosca seria impossível de imaginar... Para mais, a cantiga, cujo título era E depois do Adeus, tinha uma letra sem pés nem cabeça, que começava por: Quis saber quem sou, o que faço aqui, quem me abandonou, de quem me esqueci, perguntei por mim... e assim por diante, uma série de dúvidas e de perguntas, numa trapalhada muito grande... Pelos vistos o cançonetista Paulo de Carvalho estaria muito baralhado e sem saber o que havia de fazer da sua vida – ou melhor, a culpa não era dele, coitado, que o rapaz até tinha boa voz, a culpa era de um tal José Niza, o autor desta letra estapafúrdia, que não poderia, de maneira alguma, inspirar uma verdadeira revolução! Mas pronto, foi esta tontice cantada que eles resolveram usar como código para o início da sua tonta revoluçãozinha. Não admira que esta tivesse dado no que deu... 

E mais: para completar e reforçar o código dos revoltosos, a esta cantiga, que seria transmitida nos Emissores Associados de Lisboa, às 22.55 do dia 24, ainda se seguiria uma outra, transmitida às 00.20 do dia 25, no programa Limite da Rádio Renascença. Era uma coisa sem graça nenhuma, chamada Grândola vila morena, de um tal Zeca Afonso, em que se ouviam as pessoas a marchar, parece que com botas cardadas, nalguma estrada alentejana de macadame, e a cantar uns disparates do género... "em cada esquina um amigo", que eu, e todos os patriotas como eu, achamos que não havia razões para cantar, como se nós precisássemos de reivindicar amizades – nós que temos um amigo em qualquer ministério, em qualquer repartição pública onde seja necessário meter uma "cunha"! Enfim, coisas de amadores sem categoria para fazer revoluções, aliás injustificadas num país calmo, próspero e tranquilo, como tem sido, felizmente, o nosso!

Enfim, se era assim que eles pretendiam revolucionar o país, mais valia terem ficado quietinhos, encostados às esquinas de Grândola e de todas as outras terras do país...     



Entre o dia 24 e o dia 25 de Abril: o que aconteceu e o que podia ter acontecido.

 Fixemo-nos então no dia 24 de Abril de 74, quando tudo se preparava para destruir a patriótica obra do Estado Novo, elaborada ao longo de várias décadas de trabalho árduo, de enorme sacrifício e de total dedicação à Pátria, principalmente, por parte de Sua Excelência o Senhor Professor Doutor António de Oliveira Salazar e, depois, pelo seu continuador, ainda que mais modesto, Professor Doutor Marcello José das Neves Alves Caetano, sob o beneplácito carinhoso de Sua Excelência o Presidente da República, o venerando Contra-Almirante Américo de Deus Rodrigues Thomaz.

Pois, nesse dia, preparava-se aquilo que os seus mentores previam que viesse a ser chamada a "Revolução dos Cravos". O jornal República, que sempre se pusera maldosamente ao lado de quem contestava a valiosa obra do Estado Novo, chamava a atenção para o programa Limite dessa noite, na Rádio Renascença. Lá por volta das dez da noite, em vez de ficarem pacatamente em casa, a ver os interessantes programas da RTP, começava a reunir-se, no Regimento de Engenharia nº 1, na Pontinha, um grupo de perigosos revolucionários, entre os quais se contavam os tenentes-coronéis Garcia dos Santos e Lopes Pires, os majores Otelo Saraiva de Carvalho, Sanches Osório e Hugo dos Santos, o capitão-tenente Vítor Crespo e o capitão Luís Macedo. E não seria para passarem o serão a jogar à bisca, isso era mais que certo!...

Uma hora antes, o major Otelo tinha feito chegar ao General Spínola um arrazoado que muita gente, entre a qual me conto, havia de considerar muito mal escrito, intitulado "Proclamação ao País do Movimento das Forças Armadas Portuguesas". 

Pois bem, nessa noite, lá pelas 22.55 horas, quem ligasse a telefonia para os Emissores Associados de Lisboa, não escutaria, afinal, essa tal anunciada e infeliz canção! Não, não estava a ser transmitida a cantiga intitulada E depois do Adeus... E mais tarde, às 00.25, a Rádio Renascença também não confirmaria o golpe, pois não transmitiria a prevista Grândola, vila morena...!

No entanto, acreditando que houvera um lapso qualquer na programação, as tropas revoltosas começaram, mesmo assim, a movimentar-se, de acordo com os seus maquiavélicos planos...

E é então que se dá a grande reviravolta!

CONTINUA NA PRÓXIMA QUINTA-FEIRA


18/10/2012

E SE O 25 DE ABRIL TIVESSE FALHADO? (4)

Voltando um pouco atrás, para falar da figura admirável que foi, e sempre continuará a ser, a referência incontornável do nosso passado, projectando-se no nosso presente e no nosso futuro!

Impõe-se aqui este parêntesis, para uma referência a alguns factos relacionados com uma figura muito importante – tão importante que viria a ganhar brilhantemente um interessante concurso de popularidade, na televisão, passados muitos anos sobre o seu infausto desaparecimento! E até ficou a grande distância de todas as outras figuras que estavam a concurso!

Falo, naturalmente do Senhor Professor Doutor António de Oliveira Salazar. Como já foi referido, este tinha morrido, em 27 de Julho de 1970... – Finalmente! – suspiraram, aliviados, alguns pobres idiotas, irresponsáveis e ingratos, sem se aperceberam da falta que aquele Génio lhes viria a fazer... Desde o dia 28 de Abril de 1889, quando ele nascera, no seio de uma família modesta, na aldeia de Vimieiro, ali para os lados de Santa-Comba-Dão, até ir estudar para a Universidade de Coimbra, em 1910, sempre fora um aluno exemplar. E assim continuou, durante os seus estudos de Direito, vivendo na "República dos Grelos", onde a criada para todo o serviço era uma tal Maria de Jesus – de quem ouviremos falar abundantemente, lá mais para diante, nesta história...

Aquele jovem tão prometedor fez o curso com 19 valores e todos o consideravam um génio em Ciência Económica. Depois da revolução de 28 de Maio de 1926, o General Gomes da Costa mandou-o chamar para lhe entregar o importante cargo de Ministro das Finanças. Mas ele, ao ver a colecção de alarves fardados que se preparavam para mandar nesta velha Nação, achou por bem dar meia volta e regressar a Coimbra... Várias outras tentativas para o aliciar foram sendo por ele recusadas, com grande dignidade. Até que, em 1928, quando já era Presidente da República Sua Excelência o Senhor General Óscar Fragoso Carmona, ele se instalou definitivamente no Ministério das Finanças – e, a partir daí, foi sempre subindo por aí acima, até ser Presidente do Conselho de Ministros e mandar praticamente em toda a gente e em todo o país! Que maravilhosa, admirável e bem sucedida carreira, não acham?

A Constituição de 1933, fruto do seu génio político, seria o esteio do chamado Estado Novo, baseado na trilogia Deus-Pátria-Família. Já então instalado no Palácio de São Bento, conservara como governanta a mesma Maria de Jesus, dos tempos de Coimbra, que o serviria fielmente até ao seu último momento.

Uma palavra especial para esta excelsa Senhora, que aprendera com o seu patrão e Mestre a arte de governar a vida – com os mesmos princípios com que se governa uma casa de família ou uma mercearia. Graças a ela (e este é apenas um exemplo da boa gestão que se praticava naquela casa), os jardins do Palácio foram enriquecidos com umas belas coelheiras, onde se criavam coelhos para os jantarinhos de Sua Excelência, e amplos galinheiros, de onde saíam as galinhas para as saborosas cabidelas, tão agradáveis ao Senhor Doutor, e muitas dúzias de ovos que eram vendidos no mercado, revertendo a receita respectiva para amortização das despesas da casa. Admirável gestão, na verdade! (Há quem não acredite nestes factos, alegando que são fantasiosos, mas posso assegurar que são autênticos, e que comprovam o génio económico-financeiro que dominava aquele modelo de lar!)

Os inimigos de Sua Excelência diziam, em surdina, aí pelos cafés, que, embora sendo certo que tão sábia gestão contribuíra para encher os cofres do Banco de Portugal com barras de ouro, mais valera que tivesse aplicado tal fortuna na educação do povo... Tretas! Um povo educado é um povo com muitas exigências, e era muito capaz de começar para aí a pedir coisas esquisitas, como eleições, liberdade de imprensa, o amor livre e outros disparates... 

Enfim, é bem conhecida a grandiosa obra de Sua Excelência o Senhor Professor Doutor António de Oliveira Salazar, durante os muitos anos em que mandou nesta Bem Amada Pátria, pelo que me dispenso de fazer a lista das coisas boas que foram feitas, durante esse longo período de tempo do seu sábio governo.

Até que, lamentavelmente, chegou o seu fim...

É preciso sublinhar, uma vez mais, que o seu sucessor, o Professor Doutor Marcello Caetano, inaugurara um estilo de governação muito diferente (como também já referi atrás), e que até foi, durante algum tempo, apelidado de primavera marcelista. Esta primaveril designação faria imaginar um tempo ameno e florido, em que os passarinhos cantariam durante as reuniões do Conselho de Ministros, e as rosas e os malmequeres enfeitariam as austeras bancadas da Assembleia Nacional, onde os Senhores Deputados discutiam gravemente os problemas do país, nos intervalos da leitura de O Século e do Diário da Manhã, além de umas retemperadoras sestas, na tepidez das tardes outonais... Mas rapidamente se viram dissipadas as expectativas que nele tinham posto algumas pessoas, entre as quais se destacava um grupo de jovens deputados, os quais haviam tentado modificar o Regime por dentro, entrando para a Assembleia Nacional, integrados numa chamada "ala liberal", contestatária e truculenta. Aí se destacara um tal Francisco Sá Carneiro, acompanhado por um tal Miller Guerra, um tal Francisco Pinto Balsemão, um tal João Bosco Mota Amaral, um tal Magalhães Mota e uns tais outros... Sempre era um começo de contestação, a que era necessário estar atento. Depois, houve uma série de outros pequenos incidentes, como já se contou atrás, além de mais alguns, que se hão-de contar à frente...

Situemo-nos, então, na época que me propus abordar (Março-Abril de 1974), para analisar os factos dramáticos e muito importantes que então ocorreram.

  
O mês de Março de 1974 – um mês complicado, com perigosas ameaças de revolução, logo depois de uma simpática ameaça de beija-mão.
  
Não há dúvida de que este foi um mês muito complicado...

Praticamente na véspera do golpe das Caldas da Rainha, já citado e explicado, e que configurava uma tentativa de revolução, houvera um outro, que poderia classificar-se como uma tentativa de "golpe de beija-mão" – isto em sentido figurado, entenda-se.

É que, no dia 14 desse mesmo mês de Março de 1974, um grupo de oficiais superiores dos três ramos das Forças Armadas resolvera ir manifestar a sua respeitosa obediência ao Senhor Presidente do Conselho, Professor Doutor Marcello José das Neves Alves Caetano. Desejavam assim demonstrar que nem todos os militares eram respingões, como esses tais que andavam por aí em movimentos, e que eles, pelo contrário, se sentiam muito bem como estavam, isto é, parados e devidamente governados (alguns gabavam-se disso mesmo, dizendo: – Eu, na tropa, até me governo muito bem!), desejando apenas duas coisas: uma vidinha sem chatices – e a tranquilidade da reforma.

Com intenções maldosas e com alguma crueldade, houve quem chamasse, a esse grupo, a Brigada do Reumático... Nada mais injusto! Aqueles venerandos militares foram ali, é certo, com as suas bengalas, alguns coxeando ligeiramente, amparados aos seus ajudantes-de-campo, por causa da gota, para manifestarem, patrioticamente, que estavam com a Autoridade Estabelecida e que não pretendiam embarcar em aventuras. Na verdade, não pretendiam de todo embarcar, nem em revoluções, nem para África... Foi só isso que eles foram manifestar – aqueles que puderam falar, porque a emoção e o catarro embargavam a voz à maioria. Mas deve sublinhar-se que foi uma cerimónia muitíssimo bonita e bastante comovente, segundo me contaram!

Fortalecido por tão expressivo apoio, o Governo, logo no dia seguinte, demitia os generais Costa Gomes e Spínola. Bem feito, para não se armarem em contestatários! E sempre eram uns dinheiros que se poupavam, dos respectivos soldos...

Como se pode verificar, esse mês de Março estava a ser bastante animado, talvez pela proximidade da época de Carnaval... Assim, no dia 24, os inteligentíssimos e perspicazes agentes da PIDE souberam que se realizara, na casa de um dos capitães envolvidos na conspiração, mais uma reunião clandestina, em que se decidira que a golpada militar iria realizar-se numa data entre 22 e 29 de Abril. Também se descobriu que o major Otelo Saraiva de Carvalho ficara responsável pelo "Plano Geral das Operações".

No entanto, para demonstrar a perfeita e absoluta tranquilidade em que o país vivia, Sua Excelência o Presidente do Conselho proporcionou-nos, no dia 28 de Março, mais uma das suas apreciadas "Conversas em Família" – ou seja, uma daquelas interessantes palestras televisivas que faziam reunir, nos seus lares, todas as famílias portuguesas, para escutarem as palavras sábias de Sua Excelência o Professor Doutor Marcello José das Neves Alves Caetano. Como já comentei, havia quem afirmasse, com espírito malévolo, que, sim senhor, essas palestras serviam para reunir todos os elementos das famílias – mas para todos dormirem tranquilamente diante dos televisores... Claro que se tratava de pura aleivosia, pois aqueles discursos eram, na verdade, escutados com toda a atenção, pelo menos pelos jornalistas que, no dia seguinte, tinham de os transcrever fielmente nos seus jornais. Portanto...

CONTINUA, NA PRÓXIMA SEGUNDA-FEIRA



15/10/2012

E SE O 25 DE ABRIL TIVESSE FALHADO? (3)

Contestações avulsas à valiosa e patriótica obra do nosso Governo, e o que foi feito para acabar com esses disparates.

Talvez os primeiros sinais, com algum significado, do que se preparava para esse Abril de 1974, tivessem surgido em princípios do ano anterior, com umas tímidas manifestações anti-coloniais em Lisboa... Mas nada que assustasse a tranquilidade governativa. Ouvi dizer que se prenderam, então, dois ou três manifestantes, que terão levado umas oportunas palmadas, uns leves sopapos –"uns abanões a tempo", como sabiamente diria, com graça, o Senhor Professor Doutor Salazar – e tudo voltou à calma habitual.

Depois, em meados do mesmo ano de 73, os melhores e mais esclarecidos elementos das nossas gloriosas Forças Armadas manifestaram o desejo de apoiar o Governo, por ocasião do "Congresso dos Combatentes do Ultramar", a realizar em começos de Junho. Um grupo de militares mais jovens, parvos e certamente mal esclarecidos, atreveu-se a contestar o Congresso e esse patriótico apoio que ele pretendia concretizar, alegando que o Governo não devia ser apoiado, pois estava a mandar demasiados militares para as Colónias (perdão, para as Províncias Ultramarinas)... Disparates! Estou convencido de que a esmagadora maioria daqueles que eram enviados para essas missões partiam plenos de saudável alegria, não só por irem conhecer terras novas, onda abundava o camarão e a cerveja fresca, como por ser essa uma excelente oportunidade de fazerem turismo, que então não era coisa acessível a toda a gente...

No Congress o, que se realizou no Porto, de 1 a 3 de Junho, começou a falar-se, discretamente, de um denominado "Movimento dos Capitães", que estava contra tudo o que ali fosse discutido e deliberado. E o que é que ia ser discutido e deliberado? Ora bem, isso ficou visível quando foram publicados, daí a dias, uns Decretos-Leis, muito bem feitos, como era habitual em todos os Decretos-Leis do nosso eficiente Governo, segundo os quais os oficiais do Quadro Permanente podiam ser ultrapassados, nas suas promoções, pelos oficiais milicianos, desde que estes fizessem um curso especial, na Academia Militar. Aconteceu que os chamados "oficiais lateiros", isto é, aqueles oficiais que tinham subido na hierarquia pelo sistema tradicional, ficaram muito aborrecidos com estas disposições e desataram a reclamar, dizendo que estavam a ser prejudicados...

O primeiro desses Decretos-Lei, com o nº 353/73, foi publicado a 13 de Julho. Seria depois rectificado pelo Decreto-Lei nº409/73, de 20 de Agosto, que afinal não fazia mais do que confirmar a tal possibilidade de os oficiais milicianos ultrapassarem os oficiais do Quadro Permanente, em casos especiais. Com isto, as reclamações subiram de tom.

Eu confesso honestamente que não percebi grande coisa dessa polémica, porque nunca fui à tropa e, sendo esta uma questão mais política que outra coisa, tenho a declarar solenemente que a minha política é o trabalho, e não me tenho dado mal com isso! Por outras palavras, não sei quem é que estava certo – mas, em princípio, o nosso Governo tem sempre razão! Sempre – mesmo que faça uma ou outra asneirita sem importância!...

O que é certo é que constou, por essa altura, que os capitães contestatários já andavam a fazer reuniões clandestinas, como aconteceu em Bissau, em Agosto de 1973, vejam lá o descaramento! E, logo a seguir, descobriu-se que tinham nomeado uma comissão do chamado "Movimento dos Capitães", constituída pelos capitães Almeida Coimbra, Matos Gomes, Duran Clemente e António Caetano... Estes senhores não teriam coisas mais importantes para fazer, lá nos seus quartéis?...

Depois, em Setembro, ainda fizeram mais uma reunião clandestina (que grandes marotos!) num monte, em Alcáçovas, que é terra de chocalhos, como se sabe, do que se depreende que pretenderiam chocalhar o país, provocando a mais nefasta das agitações e pondo toda a gente em choque!...

Para ajudar à confusão, a nossa Colónia (ai, perdão, a nossa Província Ultramarina) da Guiné lembrou-se de proclamar unilateralmente a sua independência, e os idiotas dos senhores da ONU haviam de reconhecer essa independência lá para Outubro, sem sequer nos perguntarem a nossa opinião, vejam o desplante dessa gente!

Nesse mesmo mês, os espertíssimos agentes da PIDE (bem, já não se chamava assim: agora era a DGS, "Direcção-Geral de Segurança", mas sempre conservei um carinho muito especial pela antiga designação...) pois, como ia dizendo, os patrióticos agentes da Patriótica Organização descobriram que o tal Movimento antipatriótico não estava parado (o que até era lógico, pois sendo "movimento" tinha de movimentar-se...) e tinha realizado mais uma porção de reuniões: por exemplo, em Odivelas, localidade pacata e com uma população ordeira e cumpridora das leis, que não merecia ser assim incomodada por acções subversivas e maléficas. 

            Para evitar chatices maiores, o senhor Ministro do Exército e da Defesa Nacional resolveu, prudentemente, suspender os Decretos-Leis que tantos engulhos estavam a provocar nos tais oficiais... Pois imagine-se que nem mesmo assim esses ingratos senhores capitães deixaram de contestar! A coisa foi tão grave que esse eminente militar teria que se demitir em Novembro, incomodadíssimo com tal ambiente de refilice, a que não estava habituado!

            Em Outubro do mesmo ano de 1973, houve eleições para a Assembleia Nacional, mas a Oposição não se candidatou, alegando, imagine-se! que não havia "garantias mínimas de seriedade"... Que disparate! A seriedade dos nossos governantes sempre foi uma característica muito visível, a ponto de o povo já então dizer, certamente por brincadeira, que eles andavam sempre "com cara de   pau"...

Quanto à liberdade de voto e outras tolices, é evidente que ela sempre existiu! Desde que se votasse na União Nacional (agora baptizada de "Acção Nacional Popular"), a liberdade de ir às urnas sempre foi total! Portanto...

            Pois, mesmo assim, em Novembro, numa reunião plenária (ilegal, é claro!) dos tais capitães, na Parede, o tenente-coronel Banazol atreveu-se a sugerir que se fizesse um golpe militar! Para quê, senhores, para quê?... Um golpe é uma coisa com que as pessoas sempre correm o risco de se aleijarem...

            Pois, em contrabalanço desse desejado golpe de esquerda, eis que o major Carlos Fabião alertava, em, Dezembro, para outro golpe, este de direita, a ser preparado pelo general Kaúlza de Arriaga! Tantos golpes a retalhar a nossa bem amada Pátria, senhores! 

            Ainda em Dezembro de 1973, em Óbidos, em vez de se entreterem a provar a excelente ginjinha que se produz e vende naquela histórica localidade, eis que, numa reunião plenária, um grande grupo de oficiais resolveu avançar com uma rebelião militar para deitar abaixo o Governo! Inventou uma Comissão Coordenadora do chamado "Movimento dos Capitães" e nomeou os generais Costa Gomes e Spínola para servirem de ligação.

            Este último, que usava monóculo e, por isso, devia ter a mania que via mais que os outros, iria publicar, em Fevereiro de 1974, um livro intitulado Portugal e o Futuro, onde escreveu uns disparates muito grandes, afirmando que a guerra do Ultramar não se resolvia à tareia, mas sim com conversas... Que enormíssima falta de visão, apesar do monóculo!... Toda a gente sabe que, com paleio, não se vai a lado nenhum, ao passo que umas valentes traulitadas resolvem de vez as mais delicadas situações!

            O tal "Movimento dos Capitães", entretanto, reunira-se outra vez, agora na Costa da Caparica, onde, entre dois mergulhos nas ondas (penso eu) eles ficaram com as cabecinhas frescas para eleger um executivo, composto pelos majores Otelo Saraiva de Carvalho e Vítor Alves, mais o capitão Vasco Lourenço. Outro major, um tal Melo Antunes, que parece que sabia escrever, ficou de redigir o Programa. O atrevimento desta gente, senhores! Simples capitães e majores a quererem saber mais do que os venerandos Generais que, amparados no Governo, ainda que alguns atacados pelo reumático, sabiam orientar muito superiormente os interesses da Nação! Enfim...

            O que é certo é que as reuniões se foram sucedendo sucessivamente sem cessar... Em Março, em Cascais, eram mais de duzentos oficiais dos três ramos das forças armadas. Foi criada uma "Comissão Militar", com Otelo, Casanova e Monge; uma "Comissão Política", com Melo Antunes, Vítor Alves e Vasco Lourenço; e previa-se, para depois da prevista vitória do Movimento (não queriam mais nada!) uma "Comissão Coordenadora do Programa do MFA", presidida por um frenético militar chamado Vasco Gonçalves. Enfim, ali estiveram todos aqueles malandrecos reunidos, para combinarem deitar abaixo o Governo, acabar com a guerra em África e instalar um regime a que eles chamavam "democrático". Como se isso fosse possível!

            Claro que a conspiração foi descoberta e, para mostrar quem mandava nesta nossa Bem Amada Pátria, alguns dos revoltosos foram transferidos ou engaiolados, para não andarem por aí a levantar problemas. Só para dar um exemplo, o tal Vasco-pá-Lourenço, como seria conhecido mais tarde, foi para a Trafaria; e não foi a banhos, posso garanti-lo...

            Entretanto, num gesto pleno de dignidade, Sua Excelência o Senhor Presidente do Conselho de Ministros, Professor Doutor Marcello José das Neves Alves Caetano (o qual, como já foi dito, substituíra nesse cargo o Senhor Professor Doutor António de Oliveira Salazar, em consequência do lamentável acidente da cadeira) apresentou, a Sua Excelência o Senhor Presidente da República, o sempre venerando Contra-Almirante Américo de Deus Rodrigues Thomaz, o seu pedido de demissão. Porquê? Porque se sentia responsável pela agitação causada pela publicação do livro Portugal e o Futuro, do general António de Spínola, já atrás citado, e que provocara um certo abanão na vida nacional... Claro que Sua Excelência o Senhor Chefe do Estado, Contra-Almirante Américo de Deus Rodrigues Thomaz, reconhecendo embora a nobreza do gesto de Sua Excelência o Senhor Presidente do Conselho de Ministros, Professor Doutor Marcello José das Neves Alves Caetano, não aceitou o seu pedido de demissão e ter-lhe-ia dito qualquer coisa como isto: – Faz Vossa Excelência muito bem em me apresentar o seu pedido de demissão, e eu fico tentado em aceitá-lo, porque acho que Vossa Excelência está muito longe de ter as qualidades que eu tanto admirava no seu antecessor, Sua Excelência o Senhor Professor Doutor António de Oliveira Salazar... No entanto, acho que Vossa Excelência, já que fez a asneira de autorizar a publicação desse malfadado livro, deve agora arcar com as respectivas consequências! Portanto... fique e aguente.

                E, assim, Sua Excelência o Senhor Professor Doutor Marcello José das Neves Alves Caetano continuou a exercer as importantes funções de Presidente do Conselho de Ministros.

            Aqui, neste local um pouco afastado do mundo onde me encontro em repouso, reflecti bastante nesta solução, que não achei lá muito coerente... Mas... quem sou eu para discutir tão altos assuntos, estando como estou cá em baixo, na modéstia da minha posição de simples cidadão anónimo, afastado dos altos meandros da Grande Política?... Por isso, aceitei e calei o bico, como sempre fiz e como devem fazer todos os patriotas como eu.


A SEGUIR:  CONTINUAÇÃO DESTE PATRIÓTICO TEXTO
- ÀS SEGUNDAS E QUINTAS-FEIRAS...
COMO ACABARÁ TÃO EMOCIONANTE RELATO? NÃO PERCA...


11/10/2012

E SE O 25 DE ABRIL TIVESSE FALHADO? - (2)


CONTINUA  A PUBLICAÇÃO
DESTE IMPRESSIONANTE TESTEMUNHO
DE UM MISTERIOSO "PATRIOTA ANÓNIMO"...


24 de Abril de 1974 – um dia que decorreu em perfeita normalidade, sem incidentes de maior a registar. A rigorosa pontualidade de Sua Excelência o Senhor Presidente da República.

No dia 24 de Abril de 1974, Sua Excelência o Senhor Presidente da República de Portugal, o venerando Contra-Almirante Américo de Deus Rodrigues Thomaz, tinha programada uma visita ao interessante Salão de Antiguidades, que se realizava na Feira Internacional de Lisboa, a FIL, como ainda hoje é popularmente conhecida.

Sua Excelência tinha uma qualidade que, infelizmente, não era (como ainda hoje não é, e como nunca foi) partilhada pela grande maioria dos seus compatriotas: refiro-me à sua impecável pontualidade. Sua Excelência fazia questão de cumprir com absoluto rigor os horários das importantes cerimónias a que se dignava presidir, como frequentemente acontecia. Quer a inauguração de uma grandiosa obra do Estado Novo (uma nova barragem, um monumento, um Palácio de Justiça), quer a simples abertura da torneira de um chafariz de aldeia, mereciam a sua veneranda presença, a qual se pautava pelo respeito mais rigoroso em relação aos horários previamente estabelecidos. Assim, a sua visita ao Salão, na Junqueira, estava marcada para as dez da noite desse dia 24 – e, às dez da noite, nem um minuto antes, nem um minuto depois, garantidamente, Sua Excelência estaria na entrada do pavilhão, saindo do seu carro oficial, para iniciar a visita... Às dez em ponto. Podia acertar-se o relógio por ele...

Aliás, até se contava uma história – talvez inventada, quem sabe? a ilustrar essa preocupação do Senhor Presidente com os horários e com a permanente responsabilidade, que Sua Excelência assumia, de os observar rigorosamente. Dizia-se que, certo dia, ao dirigir-se para a inauguração de uma outra exposição, marcada para as quatro da tarde, igualmente na FIL, vindo de Cascais, onde estava num período de merecidas férias, descansando das importantes e ingentes tarefas da sua trabalhosa Presidência, o automóvel oficial tivera uma inesperada avaria, por alturas de Carcavelos. O motorista, atrapalhado e nervoso, tentou resolver o problema mecânico, mas tal não conseguiu... Que fazer? Então, Sua Excelência o Senhor Presidente, num gesto de grande dignidade e, simultaneamente, de grande civismo, ordenou-lhe que se pusesse à beira da estrada, de polegar erguido, a pedir boleia aos carros que passavam...

É capaz de ser mesmo história inventada, mas isso pouco importa: o que conta é o simbolismo dessa preocupação com a pontualidade, bem como a capacidade de desenrascanço assim manifestada pela mais alta entidade da Nação... Pois teria sido assim, tripulando um carrito modesto de um nervoso e espantado cidadão, um automobilista anónimo, mas muito honrado por transportar tão importante passageiro, que o Senhor Presidente teria chegado à inauguração, no rigoroso cumprimento do horário – isto é, às quatro em ponto...

Repudio com veemência a piada de mau gosto que alguns espíritos malévolos tinham espalhado pelos cafés, esses antros de calúnia e de má-lingua venenosa, segundo a qual, ao inaugurar, naquele dia, o Salão de Antiguidades, Sua Excelência não era mais que uma antiguidade entre outras antiguidades... Que falta de respeito por tão Alta Figura – a quem alguns energúmenos até se atreviam a apelidar, desrespeitosamente, de Cabeça-de-Abóbora, vá-se lá saber porquê!...

Pois bem: a essa hora (dez da noite do dia 24 de Abril de 1974), já muita gente se movimentava, em Lisboa e noutras localidades do país, preparando-se para aquilo que, no caso de ter tido êxito, teria sido a grande revolução que iria virar Portugal do avesso, acabando com um regime que tão generosamente privilegiava os Portugueses, lhes dava Felicidade e Paz, protegia este País há tantos anos – e que eu, e comigo a maioria, tanto admirávamos, como, ainda hoje, continuamos a admirar!


Alguns antecedentes preocupantes: por exemplo, o dia 16 de Março e o abortado (felizmente!) "Golpe das Caldas".

As movimentações subversivas já duravam há algum tempo. Poucos dias antes do tal 24 de Abril, precisamente a 16 de Março, tinha havido o que se podia classificar como um "ensaio geral" para a revolução. Nesse dia saíra das Caldas da Rainha uma Companhia de Infantaria 5, em direcção a Lisboa. Parece que estava vagamente combinado que se lhe juntariam outras forças militares, envolvidas num golpe traiçoeiro, que vinha a ser preparado clandestinamente, por alguns antipatriotas, com a finalidade de tomarem os lugares chave da capital e assim iniciarem uma revolução, que seria o princípio do fim do nosso admirável Regime político!... Grandes marotos!

Ora, é conhecida a tradicional despreocupação nacional em tudo o que tem a ver com a organização de eventos, sejam eles quais forem. Sabe-se que a simples preparação de uma coisa (aparentemente) tão comezinha como, por exemplo, uma patuscada, um jantar de amigos, fica, muitas vezes, prejudicada pela falta de organização: ou alguém se esqueceu de avisar os convidados, ou todos batem com os narizes na porta do restaurante, porque ninguém se lembrou de que era o dia do fecho para descanso do pessoal...

Neste caso, nesta tentativa de golpe militar, também tinha havido falhas, contactos incompletos, deficiências de comunicação – e o resultado foi fatal. Esses mal-intencionados revoltosos descobriram, já às portas de Lisboa, que estavam sozinhos naquela aventura... Ainda bem! As valorosas tropas fiéis ao nosso abençoado regime não tiveram dificuldade em lhes travar o passo, obrigando-os a regressar ao local de partida, de orelha murcha – e tendo ainda de aguentar piadas popularescas, do género: – Voltem lá para as Caldas... e tenham cuidado para não partirem a loiça!...

Foram presos para cima de duzentos destes perigosos contestatários – e foi muito bem feito, para não virem armar-se em salvadores da Pátria, que afinal não precisava mesmo nada de ser salva!

Já agora, refiro um outro chiste, que também correu por essa altura... Dizia-se, dias depois, que Lisboa se tinha conservado uma cidade virgem... porque nem os da Caldas tinham conseguido penetrá-la... Confesso, na minha simples ingenuidade, que não consigo perceber onde está a piada desta anedota... Mas aqui a deixo, pois pode acontecer que algum leitor, mais perspicaz do que eu, lhe encontre a graça que eu não vislumbro.

Ora bem, o que é certo é que esta ameaça revolucionária não deixou de alertar o nosso competente Governo e as autoridades dominantes. Alto lá! A Oposição, o chamado "reviralho", estava a levantar a crista! Era preciso que as Forças do Bem se mantivessem alerta...

  
Outras ameaças, muito variadas e muito assustadoras, contra a integridade do nosso amado Estado Novo, e o que foi feito para anulá-las.

Ameaças de contestação e de insubordinação já vinham de trás e desde há muito tempo. É claro que sempre houvera opositores, mas, até então, os resultados da sua refilice contra o regime instalado desde os anos trinta – quando o Senhor Professor Doutor António de Oliveira Salazar redigira a nossa excelente Constituição e, a partir daí, instituíra o Estado Novo – não tinham passado disso mesmo: de ameaças, sem resultados práticos. Uma ou outra greve logo severamente reprimida, como se impunha, um ou outro golpe militar, logo anulado, eram episódios que não chegavam para incomodar quem estava no poder e lá se mantinha muito confortavelmente instalado.

Os tais movimentos do apelidado "reviralho" tinham começado, na verdade, a sua nefasta actuação, logo desde o primeiro momento da governação de Sua Excelência, numa contestação irresponsável e demonstrando uma falta de reconhecimento revoltante em relação à formidável obra que o Senhor Professor vinha a construir, pacientemente, durante muitos e muitos anos. Aliás, esse era um dos argumentos mais usados pelos seus opositores: o de que ele se mantinha no poder há demasiado tempo... Pobres ignorantes! Como se fosse possível doutra maneira! Como se fosse possível erguer, em poucos anos, uma obra tão grandiosa como era o colossal edifício do Estado Novo, que enchera o país de progresso, representado por centenas de obras importantes: tribunais, cadeias, hospitais, estradas (algumas com buracos, é certo, mas também era preciso dar trabalho aos cantoneiros...), além de imensos fontanários, urinóis públicos e outros benefícios indispensáveis num país evoluído.

Reclamavam, esses insatisfeitos permanentes, contra a pobreza e o analfabetismo do povo, sem repararem que essas condições tinham sido cientificamente estudadas para evitar os malefícios da Civilização e da chamada Vida Moderna!

Reflictamos, por um momento, nestes temas. As pessoas que ganham pouco dinheiro e vivem modestamente terão razões para protestar?... Claro que não têm! Quanto menos dinheiro possuam, mais aprendem a viver com sobriedade, evitando gastos em luxos desnecessários e em comidas caras, causadoras de gorduras supérfluas e da indesejável obesidade, que é um dos malefícios da vida moderna...

E quanto ao analfabetismo? Também aí se esfumam as razões dos protestos. Na verdade, quanto menos as pessoas leiam, mais felizes serão, beneficiando da ignorância pura e completa sobre as maldades que se praticam nos chamados "países civilizados", que são, como se sabe, verdadeiros antros de crimes, pecados e infelicidades.  

Ora, o nosso admirável Regime criara, em contrapartida, organizações utilíssimas, das quais citarei apenas algumas.

Criou, por exemplo, a "Mocidade Portuguesa", que serviu para os meninos aprenderem a marchar, a fazer campismo e outras actividades à base de barracas. E a "Legião Portuguesa", que nunca serviu para nada em concreto, mas recebeu a missão de manter entretidos, em actividades paramilitares, homens que, doutra forma, se perderiam aí pelas tabernas, a beber copos de bagaço e de vinho tinto.
Criou a "Censura", para evitar que o nosso bom povo fosse infectado por ideias esquisitas e por insólitas modernices, ou pelos micróbios subversivos da contra-informação, vindos lá de fora ou criados cá dentro, atacando os cérebros nacionais com ideias deletérias que não fossem previamente desinfectadas.

 Sem esquecer a "PIDE", essa imprescindível Polícia de Investigação e Defesa do Estado, que passaria a vigiar tudo, atentamente, em colaboração com outras Polícias encarregadas de verificar coisas tão importantes como as licenças de uso e porte de arma caçadeira e as licenças de uso e porte de isqueiro – tudo, portanto, o que tem a ver com armamento perigoso... A PIDE, aliás, foi criada, muito especificamente, para controlar as manobras subversivas dos perigosos e malvados comunistas (os quais, afinal, a verdade seja dita, e ao contrário do que se chegou a afirmar frequentemente, está provado que não comiam criancinhas ao pequeno-almoço – parece que era só ao jantar...),       

Mas, agora, ao fim de tantos anos dedicados a beneficiar o povo e a Nação, Sua Excelência tinha-nos abandonado, deixando a Pátria completa e desesperadamente órfã... Em 1969, o Senhor Professor Doutor António de Oliveira Salazar sofreu um trágico acidente, no terraço do Forte onde passava as suas merecidas férias. Ao tentar encaixar o seu importante rabo numa frágil cadeira, onde tencionava descansar por momentos do seu esforço para manter a Pátria na Paz e no Sossego, a salvo dos perigos que a ameaçavam, caíra para trás e batera com a sua genial cabeça no chão, ficando com as ideias todas baralhadas, lá dentro do seu privilegiado crânio! Começaram por lhe dar umas aspirinas, pensando que aquilo seria passageiro, mas, dias depois, foi mesmo necessário fazer-lhe uma delicada operação... Enfim, parece que tudo foi feito para tentar salvar e perpetuar a sua vida – mas em vão. Até que foi anunciado o seu lamentável falecimento, tempos depois. Dispenso-me de entrar em mais pormenores sobre este dramático acontecimento, que sempre faz tremeluzir nos meus olhos as lágrimas da mais sentida emoção, e que foi amplamente divulgado por outros cultores, bem mais talentosos do que eu, de relatos sobre estes episódios históricos importantes. Aliás, tal divulgação só aconteceu algum tempo depois, tendo-se mantido em segredo os pormenores do lamentável bate-cu e das suas sequências, durante um período que se pensava suficiente para que Sua Excelência talvez recuperasse a sua importante saúde, o que, desgraçadamente, não chegou a acontecer.

Mesmo assim, durante algum tempo, foi armada uma piedosa e interessante encenação à volta do Senhor Professor, a quem nunca disseram que já não era Presidente do Conselho de Ministros. Ninguém tinha coragem para lhe dar tal notícia, e ele, infelizmente já meio gagá, parece que nunca se apercebeu de nada e continuou a receber ministros e entidades oficiais que lhe iam fazer vénias, como se ele continuasse a mandar na nossa querida terra, o que, lamentavelmente, já não era verdade.

O que é certo é que, encorajados pela sua ausência e pensando, talvez, que as forças da ordem andariam agora mais permissivas e mais distraídas, os malandros dos opositores ao nosso Bem Amado Regime começaram a tornar-se mais atrevidos...

Para isso contribuiu bastante o facto de Sua Excelência o venerando Chefe do Estado ter nomeado, como substituto do génio, agora tragicamente ausente, o Senhor Professor Doutor Marcello José das Neves Alves Caetano, que parecia ser o sucessor mais habilitado para tão importante cargo.

Mas... não era, como rapidamente se pôde constatar! A sua governação começou logo por apresentar lamentáveis sinais de tibieza e alguns sintomas de abertura – que até contrariavam a "Evolução na Continuidade", que foi por ele tão ligeiramente anunciada, logo após a sua posse. Dir-se-ia que ia assistir-se apenas ao irresponsável aumento da perigosa Evolução, em vez da manutenção de uma prudente Continuidade... No entanto, ele lá foi exercendo o seu cargo, mais ou menos normalmente... Gostava muito de ir à Televisão, entreter-se com umas "Conversas em Família", em que explicava, com muitos pormenores, o que o Governo fazia ou tencionava fazer... Asneira, é claro! Um verdadeiro governante, um governante como deve ser (como tinha sido o Senhor Professor Salazar) não tem nada que dar satisfações ao povo, era o que faltava! Mas, enfim, este lá tinha essas ideias, e gostava de fazer de conta que estava ali a passar o serão em conversa com os portugueses... Havia quem dissesse, no entanto, que os portugueses aproveitavam essas noites para pôr o sono em dia...

Isto até ao dia, em 1970, em que se verificou afinal o desenlace, trágico mas já esperado, do preclaro e admirado Senhor Professor Doutor António de Oliveira Salazar, para grande desgosto da Nação.

Toda a gente o chorou: aqueles que patrioticamente o admiravam, e à sua governação, e até aqueles que, não o admirando (raríssimos!) aproveitavam a situação para se governarem o melhor que podiam e sabiam. E foi entre estes últimos que começou a surgir, subterraneamente, um clima de rebelião mais ou menos encapotada.

Vejamos, em seguida, alguns sinais de contestação, que o faro apuradíssimo das nossas forças de segurança, com essa gloriosa PIDE à cabeça, vinham a detectar, há algum tempo.

A SEGUIR: CONTINUA A PUBLICAÇÃO (ÀS SEGUNDAS E QUINTAS-FEIRAS) DESTE IMPRESSIONANTE TESTEMUNHO DE "UM PATRIOTA ANÓNIMO"




08/10/2012

E SE O 25 DE ABRIL TIVESSE FALHADO? (1)


Começo hoje a publicar um texto que me veio parar às mãos, em circunstâncias que não posso revelar, devido ao melindre da situação em que ficaria o seu Autor (que tem toda a conveniência em manter o anonimato, por razões que compreendarão, lendo o polémico texto que ele escreveu, e que reproduzirei na íntegra). Essas razões são mais ou menos abordadas, logo no prólogo. Não acrescentei nem tirei uma vírgula ao seu trabalho, e quero com isto dizer que as opiniões e os conceitos apresentados nesta obra são da exclusiva responsabilidade do seu anónimo Autor - e podem ou não coincidir com as minhas próprias opiniões. Leiam e tirem as vossas conclusões. Uma coisa é certa: as ideias apresentadas pelo alegado "Patriota Anónimo" são muito originais e merecem toda a atenção de todos os outros Patriotas - anónimos ou não.

ANTÓNIO GOMES DALMEIDA


E se o 25 de Abril

tivesse falhado?




PRÓLOGO (OBRIGATÓRIO!)
  
Ó MEUS CAROS LEITORES, eu sei muito bem que ninguém Prólogos, oiu Prefácios, que são normalmente chatos e sem qualquer interesse. Costuma até dizer-se, por graça, que um Prólogo é uma coisa que se escreve no fim do livro, se coloca no princípio – e que ninguém lê, nem no princípio nem no fim... Mas, olhem lá, este Prólogo é mesmo importante – e, se Vocês não o lerem, não vão perceber nada da história. Portanto, moderem a vossa impaciência! Contenham o desejo natural de mergulharem imediatamente na suculenta prosa que se segue, e que tive o esforçado trabalho de elaborar – e leiam-no mesmo. São só dois minutos, vão ver que não custa nada...

Mandam as regras da boa educação, que muito prezo e sempre observo em todos os actos da minha vida (a qual, posso afirmá-lo, tem sido sempre muitíssimo séria e absolutamente impoluta), que comece por me apresentar.

Todavia, ao contrário do que seria talvez normal, não vos direi o meu nome... Nem nome, nem apelido, nem a minha morada actual. Não, não os direi... Por razões de modéstia – mas, também, confesso, por precaução!

Por um lado, aflige-me uma suspeita: a de que me possam atribuir o propósito (completamente infundado!) de pretender retirar, desta minha obra, algum proveito pessoal, ou imerecidas benesses materiais. As minhas intenções são meramente patrióticas e, também, culturais, como poderão verificar depois de lerem este meu trabalho, destinado a repor aquilo que, pelo menos na minha imaginação, é a verdade histórica sobre alguns acontecimentos que estiveram para se dar, e outros que realmente se deram, na nossa Bem Amada Pátria...

Outra razão para a minha não identificação baseia-se – tenho de o reconhecer, ainda que me custe – no receio de que alguns malandros que, infelizmente, ainda se encontram por aí, no nosso Querido País, conspirando clandestinamente contra a ordem estabelecida, me apanhem nalguma rua escura e (permitam-me a expressão um pouco rude) me dêem cabo do canastro...

É certo que o local, bastante discreto e reservado, onde me encontro actualmente, e onde escrevo este relato, me protege dos inconvenientes de uma exposição pública mais evidente... Também não vos revelarei onde fica esse local – sempre pelas mesmas razões combinadas, de modéstia natural e de precaução existencial. Lá para o fim da obra, talvez descubram…

Para ficarem a saber, ainda assim, algo a meu respeito, basta que vos diga que me considero – e que sou mesmo, sempre fui! – um Patriota e um adepto apaixonado do bendito e nunca por demais louvado regime que Sua Excelência o Senhor Professor Doutor António de Oliveira Salazar bondosamente instalou neste nosso lindo país, regime esse tão louvado por taxistas e donas-de-casa de meia idade, e que, felizmente, e apenas com ligeiras e naturais actualizações, se mantém até hoje, mesmo decorridos tantos anos sobre o infausto desaparecimento do seu mentor, e após tantos eventos infelizes, através dos quais as forças do Mal tentaram destruí-lo – o que nunca conseguiram, graças à Divina Providência, à Senhora de Fátima, e, principalmente, à benemérita PIDE, entre as Altas Entidades que continuam a proteger-nos!

Vários factores, como a minha provecta idade, a minha razoável memória e a minha comprovada rijeza – tudo isto mantido à custa de uma boa dieta, física e mental, com rejeição vigorosa, tanto dessas odiosas comidas que são as repelentes pizzas e os horrorosos hamburgers, como das ideias subversivas, vindas lá dessas terras a que o nosso Bom Povo chama candidamente o Estrangeiro-de-Fora – permitem-me recordar, deste longo período histórico, que se inicia entre a segunda e a terceira década do século Vinte, toda a evolução dos acontecimentos e dos factos políticos, sociais e outros, a que assisti, até à actualidade.

Informo, porém, desde já, que vou fixar particularmente a minha atenção, bem como a dos meus amáveis Leitores, numa fase crucial da nossa História e num acontecimento marcante da vida deste País, acontecimento esse que, por pouco, ia transformando a nossa maneira de estar no Mundo, abalando profundamente a tradição de tranquilidade e paz iniciada pelo saudoso Senhor Professor Doutor Oliveira Salazar. Refiro-me à frustrada Revolução do 25 de Abril, que ameaçou subverter os sagrados princípios do Salazarismo e virar o país de pernas para o ar. Ainda bem que isso não aconteceu, dado que essa Revolução, felizmente, falhou! Mas lá que foi um episódio muito perigoso e assustador, isso foi!
  
Vou, portanto, recordar, para as gerações mais novas, os acontecimentos a que assisti, nesses dias que poderiam ter sido fatais – especialmente nos dias 24 e 25 de Abril de 1974, mas, também, para melhor compreensão, nos tempos imediatamente antes e imediatamente depois, relacionados com essas datas.

Isto para quê? Para que todos possamos reflectir nos perigos que então nos ameaçaram e que poderiam ter transformado completamente as nossas vidas, caso essa malfadada Revolução tivesse vingado! 

A Bem da Nação.
                                                                        Um Patriota Anónimo

(CONTINUA, EM PUBLICAÇÕES REGULARES,
ÀS SEGUNDAS E QUINTAS-FEIRAS)