25/10/2012

E SE O 25 DE ABRIL TIVESSE FALHADO? (6)


Tudo ao contrário...A projectada revolução transforma-se (felizmente!) num grandessíssimo falhanço, para grande desespero e frustração dos inimigos da Pátria.
Glória à PIDE, que descobriu tudo e anulou a catástrofe!

Confesso que, a partir deste momento histórico, o meu cérebro começa a baralhar um pouco os acontecimentos. O que é natural, nas condições em que me encontro actualmente, com escassa informação e um pouco afastado da realidade... Por isso, vou tentar manter um relato coerente do que se passou nesta data e nos tempos que se lhe seguiram – ou, pelo menos, um relato daquilo que penso que se passou.

Estava previsto que, por volta das 3 da madrugada, seriam ocupados o Rádio Clube Português, a RTP, a Emissora Nacional, o Aeroporto de Lisboa, o Comando da Região Militar, o Quartel Mestre General a a Rádio Marconi...

Pois bem: nada disso aconteceu!

Todos estes pontos estratégicos tinham sido previamente ocupados por forças leais ao Regime, mobilizadas por Sua Excelência o Chefe de Estado, o venerando Contra-Almirante Américo de Deus Rodrigues Thomaz – a quem, a partir desse momento, muitos dos seus admiradores passaram a designar, simplificadamente, por O Grande Comandante.  Revelando uma capacidade estratégica fora do comum (e, valha a verdade, algo inesperada...), foi ele quem pôs em movimento as tropas e as forças de segurança necessárias para defender esses locais essenciais para a manutenção da ordem pública e da segurança do povo. Mas... tivera uma excelente ajuda, nessa patriótica tarefa. Como se sabe, nestas ocasiões de crise, prenunciadoras de guerras ou revoluções, é absolutamente essencial a existência de um bom Serviço de Informação e Espionagem – e esse estava muito bem organizado na PIDE, agora chamada, mais modernamente, DGS – "Direcção Geral de Segurança", que tinha olhos e orelhas por toda a parte e se apercebera das malandrices que andavam a ser preparadas, aí pela surra... Mas também esta não estivera sozinha nessa patriótica tarefa. Um auxílio precioso para a sua acção fora assegurado através de respeitável Esposa do venerando Chefe do Estado, Dona Gertrudes, assessorada por uma equipa constituída pelas mais espertas entre as criadas do Palácio Presidencial, incluindo mesmo as mulheres-a-dias. A esse compacto grupo de especialistas em Espionagem Doméstica não fora difícil canalizar os seus talentos inatos para a Espionagem Política. Assim, através das informações recolhidas nos mercados abastecedores, nos hipers e, porque não? nas mercearias de bairro, nos cabeleireiros e noutros locais igualmente estratégicos, fora possível estar a par dos movimentos subversivos que se preparavam, dando assim tempo para se organizar a contra-revolução, que haveria de anular as intenções dos revoltosos!

Na maioria dos locais previamente designados foram colocados elementos da Legião Portuguesa. Estes, ao verem avançar, no escuro da noite, os grupos de amotinados, colocaram-se estrategicamente, de forma a ocuparem as respectivas entradas. Nem precisavam de fazer fosse o que fosse. Sendo, como eram, quase todos, bastante barrigudos, bastavam dois elementos, colocados lado a lado, para barrar completamente cada entrada, fazendo com que os assaltantes, sem qualquer possibilidade de ultrapassar aquelas barreiras bojudas, tivessem de desistir da invasão, retirando-se vencidos e de orelha murcha... Aconteceu assim na maioria dos pontos que estariam para ser tomados pelas tropas revoltosas. No caso do Aeroporto, com acessos mais largos e, portanto, mais difíceis de serem tapados, foi colocada uma pequena força da mesma Legião, com capacetes, cada um de sua cor, e espadas de lata desembainhadas. Aí a táctica foi outra. Ao verem aqueles valorosos defensores, dispostos a tudo para preservarem os valores patrimoniais à sua guarda, os assaltantes foram alvo de um enorme ataque de riso, sendo obrigados a retirar, por não poderem conter a galhofa... Mas, o que é certo é que retiraram!

Um local de grande importância era a Televisão (e é de lembrar que, nesse tempo, apenas existia uma emissora oficial, a RTP). Pois aí bastou colocar à porta, à vista de quem ousasse aproximar-se, a filha do Grande Comandante. Ao avistarem, de longe, a famosa Natalinha, os militares deram meia volta e debandaram em grande confusão, aterrorizados com aquela visão que os desmobilizara irremediavelmente!

Noutros locais, que estava previsto serem igualmente ocupados, bastou fechar e trancar os grossos portões e deitar as chaves fora. Atrapalhados com a insólita dificuldade, os revoltosos ainda tentaram telefonar para a Fábrica de Chaves do Areeiro e outras firmas congéneres, mas, àquela hora, estava tudo fechado e nada conseguiram. 

Assim, a pouco e pouco, os insurrectos foram desistindo de ocupar os locais que tinham sido previamente assinalados, e que eram valorosamente defendidos pelas forças fiéis ao nosso bem amado Regime.

Na Presidência do Conselho de Ministros, o Senhor Professor Marcello José das Neves Alves Caetano ficara, calmamente, a redigir o texto da sua próxima "Conversa em Família". Os militares entraram, de rompante, armas na mão, ameaçadores. O Senhor Professor perguntou: – Isto é o quê? Uma revolução?... Perante a anuência dos invasores, o Senhor Professor Marcello disse então, calmamente: – Já que aqui estão, vejam se gostam do texto da minha Conversa!... E começou a ler… Cinco minutos depois, os militares bateram em retirada, comentando uns para os outros: – A gente até percebe o que ele diz, só não percebe o que ele quer... É o contrário do outro... A gente não percebia o que ele dizia, mas sabia muito bem o que ele queria! Vamos embora, que ninguém aguenta isto!

Quanto ao Palácio Presidencial, a ocupação também não resultou. Quando lá chegaram, a veneranda figura do Grande Comandante veio recebê-los à porta, em camisa de dormir, chinelos e barretinho de lã, por causa do relento. E começou a falar, na sua voz pausada – Esta é a primeira vez que o Chefe de Estado é incomodado por uma revolução que não foi previamente autorizada... Ainda por cima, a estas horas da noite. Recolham aos vossos quartéis e considerem-se em detenção, que eu amanhã trato dos vossos casos. Agora são horas de dormir. Ó Gertrudes, vamos para cima!

Os militares, impressionados com aquela atitude corajosa, baixaram as armas e foram-se embora.

Noutros locais da capital, as coisas não corriam melhor para os revoltosos. No Posto de Comando, Garcia dos Santos tentava, a todo o custo, restabelecer as comunicações: – Tá lá? É do Rádio Clube? Já tomaram conta da estação? Está na hora de emitir o primeiro comunicado!... Mas, do outro lado, ouvia coisas inesperadas: – Programa Quando o Telefone Toca... Boa noite, posso pedir um disco?... E posso dizer o meu nome?... Aqui é a Lélé, e quero dedicar este disco ao meu namorado Quicas... Quanto a comunicados, nicles. 

Nas ruas da Baixa, avançavam os tanques de Salgueiro Maia, vindos de Santarém. Tudo parecia correr bem, até que o tanque da frente parou subitamente, fazendo com que toda a coluna se detivesse. – Que se passa aí à frente? gritou o capitão. A resposta foi imediata: – É o semáforo, meu capitão! Está no vermelho!... Um berro vigoroso atroou os ares, na escuridão da madrugada: – Vermelho vai ser a cor mais vista cá no país! Avança!

A coluna retomou a marcha... mas parou novamente, segundos depois. – O que é agora?... Era evidente que só podia haver uma explicação: – É o polícia de trânsito, meu capitão? Diz ele que furámos um sinal vermelho, por isso vamos ficar sem as cartas de condução, e os veículos vão ser apreendidos!

Claro que, perante tantos contratempos, a revolução começava a descambar para o fracasso, com grande desespero do major Otelo, que berrava: – Isto é que é uma chatice, pá! Estive eu, pá, com tanto trabalho, pá, a elaborar o plano, e agora, pá, fica tudo em águas-de-fiel-amigo?!

No Posto de Comando, as comunicações, tão minuciosamente organizadas e preparadas por Garcia dos Santos, começavam a falhar. Ouviam-se sons esquisitos, o contacto era difícil, as mensagens eram imperceptíveis. Os revoltosos começavam a duvidar do êxito da operação, que estava muito longe de correr como tinha sido previsto. Havia demasiados contratempos e todas as acções programadas iam falhando sucessivamente. Alguns desmobilizavam e voltavam sorrateiramente para suas casas – de onde, aliás, nunca deviam ter saído! Era o desastre!

Assim parecia, na verdade. Aquela data, que tinha sido sonhada para entrar no calendário como uma das mais importantes da vida nacional, estava a acumular uma data... de fiascos!

Isto para os revoltosos, naturalmente... porque, para os verdadeiros Patriotas, os incondicionais apoiantes do Regime, os admiradores do Estado Novo, os saudosistas incondicionais do Senhor Professor Doutor António de Oliveira Salazar, e agora seguidores fiéis do Grande Comandante, o venerando Chefe do Estado, Contra-Almirante Américo de Deus Rodrigues Thomaz, vivia-se, naquela data, uma grande vitória!

Mas... e agora, pá? – como diria o tal revolucionário, já bastas vezes citado. Sim, e agora? Que iria acontecer a toda aquela gente que se envolvera na tentativa de golpada?

É o que vamos ver, mais adiante.

CONTINUA, NA PRÓXIMA QUINTA-FEIRA

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