11/10/2012

E SE O 25 DE ABRIL TIVESSE FALHADO? - (2)


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DESTE IMPRESSIONANTE TESTEMUNHO
DE UM MISTERIOSO "PATRIOTA ANÓNIMO"...


24 de Abril de 1974 – um dia que decorreu em perfeita normalidade, sem incidentes de maior a registar. A rigorosa pontualidade de Sua Excelência o Senhor Presidente da República.

No dia 24 de Abril de 1974, Sua Excelência o Senhor Presidente da República de Portugal, o venerando Contra-Almirante Américo de Deus Rodrigues Thomaz, tinha programada uma visita ao interessante Salão de Antiguidades, que se realizava na Feira Internacional de Lisboa, a FIL, como ainda hoje é popularmente conhecida.

Sua Excelência tinha uma qualidade que, infelizmente, não era (como ainda hoje não é, e como nunca foi) partilhada pela grande maioria dos seus compatriotas: refiro-me à sua impecável pontualidade. Sua Excelência fazia questão de cumprir com absoluto rigor os horários das importantes cerimónias a que se dignava presidir, como frequentemente acontecia. Quer a inauguração de uma grandiosa obra do Estado Novo (uma nova barragem, um monumento, um Palácio de Justiça), quer a simples abertura da torneira de um chafariz de aldeia, mereciam a sua veneranda presença, a qual se pautava pelo respeito mais rigoroso em relação aos horários previamente estabelecidos. Assim, a sua visita ao Salão, na Junqueira, estava marcada para as dez da noite desse dia 24 – e, às dez da noite, nem um minuto antes, nem um minuto depois, garantidamente, Sua Excelência estaria na entrada do pavilhão, saindo do seu carro oficial, para iniciar a visita... Às dez em ponto. Podia acertar-se o relógio por ele...

Aliás, até se contava uma história – talvez inventada, quem sabe? a ilustrar essa preocupação do Senhor Presidente com os horários e com a permanente responsabilidade, que Sua Excelência assumia, de os observar rigorosamente. Dizia-se que, certo dia, ao dirigir-se para a inauguração de uma outra exposição, marcada para as quatro da tarde, igualmente na FIL, vindo de Cascais, onde estava num período de merecidas férias, descansando das importantes e ingentes tarefas da sua trabalhosa Presidência, o automóvel oficial tivera uma inesperada avaria, por alturas de Carcavelos. O motorista, atrapalhado e nervoso, tentou resolver o problema mecânico, mas tal não conseguiu... Que fazer? Então, Sua Excelência o Senhor Presidente, num gesto de grande dignidade e, simultaneamente, de grande civismo, ordenou-lhe que se pusesse à beira da estrada, de polegar erguido, a pedir boleia aos carros que passavam...

É capaz de ser mesmo história inventada, mas isso pouco importa: o que conta é o simbolismo dessa preocupação com a pontualidade, bem como a capacidade de desenrascanço assim manifestada pela mais alta entidade da Nação... Pois teria sido assim, tripulando um carrito modesto de um nervoso e espantado cidadão, um automobilista anónimo, mas muito honrado por transportar tão importante passageiro, que o Senhor Presidente teria chegado à inauguração, no rigoroso cumprimento do horário – isto é, às quatro em ponto...

Repudio com veemência a piada de mau gosto que alguns espíritos malévolos tinham espalhado pelos cafés, esses antros de calúnia e de má-lingua venenosa, segundo a qual, ao inaugurar, naquele dia, o Salão de Antiguidades, Sua Excelência não era mais que uma antiguidade entre outras antiguidades... Que falta de respeito por tão Alta Figura – a quem alguns energúmenos até se atreviam a apelidar, desrespeitosamente, de Cabeça-de-Abóbora, vá-se lá saber porquê!...

Pois bem: a essa hora (dez da noite do dia 24 de Abril de 1974), já muita gente se movimentava, em Lisboa e noutras localidades do país, preparando-se para aquilo que, no caso de ter tido êxito, teria sido a grande revolução que iria virar Portugal do avesso, acabando com um regime que tão generosamente privilegiava os Portugueses, lhes dava Felicidade e Paz, protegia este País há tantos anos – e que eu, e comigo a maioria, tanto admirávamos, como, ainda hoje, continuamos a admirar!


Alguns antecedentes preocupantes: por exemplo, o dia 16 de Março e o abortado (felizmente!) "Golpe das Caldas".

As movimentações subversivas já duravam há algum tempo. Poucos dias antes do tal 24 de Abril, precisamente a 16 de Março, tinha havido o que se podia classificar como um "ensaio geral" para a revolução. Nesse dia saíra das Caldas da Rainha uma Companhia de Infantaria 5, em direcção a Lisboa. Parece que estava vagamente combinado que se lhe juntariam outras forças militares, envolvidas num golpe traiçoeiro, que vinha a ser preparado clandestinamente, por alguns antipatriotas, com a finalidade de tomarem os lugares chave da capital e assim iniciarem uma revolução, que seria o princípio do fim do nosso admirável Regime político!... Grandes marotos!

Ora, é conhecida a tradicional despreocupação nacional em tudo o que tem a ver com a organização de eventos, sejam eles quais forem. Sabe-se que a simples preparação de uma coisa (aparentemente) tão comezinha como, por exemplo, uma patuscada, um jantar de amigos, fica, muitas vezes, prejudicada pela falta de organização: ou alguém se esqueceu de avisar os convidados, ou todos batem com os narizes na porta do restaurante, porque ninguém se lembrou de que era o dia do fecho para descanso do pessoal...

Neste caso, nesta tentativa de golpe militar, também tinha havido falhas, contactos incompletos, deficiências de comunicação – e o resultado foi fatal. Esses mal-intencionados revoltosos descobriram, já às portas de Lisboa, que estavam sozinhos naquela aventura... Ainda bem! As valorosas tropas fiéis ao nosso abençoado regime não tiveram dificuldade em lhes travar o passo, obrigando-os a regressar ao local de partida, de orelha murcha – e tendo ainda de aguentar piadas popularescas, do género: – Voltem lá para as Caldas... e tenham cuidado para não partirem a loiça!...

Foram presos para cima de duzentos destes perigosos contestatários – e foi muito bem feito, para não virem armar-se em salvadores da Pátria, que afinal não precisava mesmo nada de ser salva!

Já agora, refiro um outro chiste, que também correu por essa altura... Dizia-se, dias depois, que Lisboa se tinha conservado uma cidade virgem... porque nem os da Caldas tinham conseguido penetrá-la... Confesso, na minha simples ingenuidade, que não consigo perceber onde está a piada desta anedota... Mas aqui a deixo, pois pode acontecer que algum leitor, mais perspicaz do que eu, lhe encontre a graça que eu não vislumbro.

Ora bem, o que é certo é que esta ameaça revolucionária não deixou de alertar o nosso competente Governo e as autoridades dominantes. Alto lá! A Oposição, o chamado "reviralho", estava a levantar a crista! Era preciso que as Forças do Bem se mantivessem alerta...

  
Outras ameaças, muito variadas e muito assustadoras, contra a integridade do nosso amado Estado Novo, e o que foi feito para anulá-las.

Ameaças de contestação e de insubordinação já vinham de trás e desde há muito tempo. É claro que sempre houvera opositores, mas, até então, os resultados da sua refilice contra o regime instalado desde os anos trinta – quando o Senhor Professor Doutor António de Oliveira Salazar redigira a nossa excelente Constituição e, a partir daí, instituíra o Estado Novo – não tinham passado disso mesmo: de ameaças, sem resultados práticos. Uma ou outra greve logo severamente reprimida, como se impunha, um ou outro golpe militar, logo anulado, eram episódios que não chegavam para incomodar quem estava no poder e lá se mantinha muito confortavelmente instalado.

Os tais movimentos do apelidado "reviralho" tinham começado, na verdade, a sua nefasta actuação, logo desde o primeiro momento da governação de Sua Excelência, numa contestação irresponsável e demonstrando uma falta de reconhecimento revoltante em relação à formidável obra que o Senhor Professor vinha a construir, pacientemente, durante muitos e muitos anos. Aliás, esse era um dos argumentos mais usados pelos seus opositores: o de que ele se mantinha no poder há demasiado tempo... Pobres ignorantes! Como se fosse possível doutra maneira! Como se fosse possível erguer, em poucos anos, uma obra tão grandiosa como era o colossal edifício do Estado Novo, que enchera o país de progresso, representado por centenas de obras importantes: tribunais, cadeias, hospitais, estradas (algumas com buracos, é certo, mas também era preciso dar trabalho aos cantoneiros...), além de imensos fontanários, urinóis públicos e outros benefícios indispensáveis num país evoluído.

Reclamavam, esses insatisfeitos permanentes, contra a pobreza e o analfabetismo do povo, sem repararem que essas condições tinham sido cientificamente estudadas para evitar os malefícios da Civilização e da chamada Vida Moderna!

Reflictamos, por um momento, nestes temas. As pessoas que ganham pouco dinheiro e vivem modestamente terão razões para protestar?... Claro que não têm! Quanto menos dinheiro possuam, mais aprendem a viver com sobriedade, evitando gastos em luxos desnecessários e em comidas caras, causadoras de gorduras supérfluas e da indesejável obesidade, que é um dos malefícios da vida moderna...

E quanto ao analfabetismo? Também aí se esfumam as razões dos protestos. Na verdade, quanto menos as pessoas leiam, mais felizes serão, beneficiando da ignorância pura e completa sobre as maldades que se praticam nos chamados "países civilizados", que são, como se sabe, verdadeiros antros de crimes, pecados e infelicidades.  

Ora, o nosso admirável Regime criara, em contrapartida, organizações utilíssimas, das quais citarei apenas algumas.

Criou, por exemplo, a "Mocidade Portuguesa", que serviu para os meninos aprenderem a marchar, a fazer campismo e outras actividades à base de barracas. E a "Legião Portuguesa", que nunca serviu para nada em concreto, mas recebeu a missão de manter entretidos, em actividades paramilitares, homens que, doutra forma, se perderiam aí pelas tabernas, a beber copos de bagaço e de vinho tinto.
Criou a "Censura", para evitar que o nosso bom povo fosse infectado por ideias esquisitas e por insólitas modernices, ou pelos micróbios subversivos da contra-informação, vindos lá de fora ou criados cá dentro, atacando os cérebros nacionais com ideias deletérias que não fossem previamente desinfectadas.

 Sem esquecer a "PIDE", essa imprescindível Polícia de Investigação e Defesa do Estado, que passaria a vigiar tudo, atentamente, em colaboração com outras Polícias encarregadas de verificar coisas tão importantes como as licenças de uso e porte de arma caçadeira e as licenças de uso e porte de isqueiro – tudo, portanto, o que tem a ver com armamento perigoso... A PIDE, aliás, foi criada, muito especificamente, para controlar as manobras subversivas dos perigosos e malvados comunistas (os quais, afinal, a verdade seja dita, e ao contrário do que se chegou a afirmar frequentemente, está provado que não comiam criancinhas ao pequeno-almoço – parece que era só ao jantar...),       

Mas, agora, ao fim de tantos anos dedicados a beneficiar o povo e a Nação, Sua Excelência tinha-nos abandonado, deixando a Pátria completa e desesperadamente órfã... Em 1969, o Senhor Professor Doutor António de Oliveira Salazar sofreu um trágico acidente, no terraço do Forte onde passava as suas merecidas férias. Ao tentar encaixar o seu importante rabo numa frágil cadeira, onde tencionava descansar por momentos do seu esforço para manter a Pátria na Paz e no Sossego, a salvo dos perigos que a ameaçavam, caíra para trás e batera com a sua genial cabeça no chão, ficando com as ideias todas baralhadas, lá dentro do seu privilegiado crânio! Começaram por lhe dar umas aspirinas, pensando que aquilo seria passageiro, mas, dias depois, foi mesmo necessário fazer-lhe uma delicada operação... Enfim, parece que tudo foi feito para tentar salvar e perpetuar a sua vida – mas em vão. Até que foi anunciado o seu lamentável falecimento, tempos depois. Dispenso-me de entrar em mais pormenores sobre este dramático acontecimento, que sempre faz tremeluzir nos meus olhos as lágrimas da mais sentida emoção, e que foi amplamente divulgado por outros cultores, bem mais talentosos do que eu, de relatos sobre estes episódios históricos importantes. Aliás, tal divulgação só aconteceu algum tempo depois, tendo-se mantido em segredo os pormenores do lamentável bate-cu e das suas sequências, durante um período que se pensava suficiente para que Sua Excelência talvez recuperasse a sua importante saúde, o que, desgraçadamente, não chegou a acontecer.

Mesmo assim, durante algum tempo, foi armada uma piedosa e interessante encenação à volta do Senhor Professor, a quem nunca disseram que já não era Presidente do Conselho de Ministros. Ninguém tinha coragem para lhe dar tal notícia, e ele, infelizmente já meio gagá, parece que nunca se apercebeu de nada e continuou a receber ministros e entidades oficiais que lhe iam fazer vénias, como se ele continuasse a mandar na nossa querida terra, o que, lamentavelmente, já não era verdade.

O que é certo é que, encorajados pela sua ausência e pensando, talvez, que as forças da ordem andariam agora mais permissivas e mais distraídas, os malandros dos opositores ao nosso Bem Amado Regime começaram a tornar-se mais atrevidos...

Para isso contribuiu bastante o facto de Sua Excelência o venerando Chefe do Estado ter nomeado, como substituto do génio, agora tragicamente ausente, o Senhor Professor Doutor Marcello José das Neves Alves Caetano, que parecia ser o sucessor mais habilitado para tão importante cargo.

Mas... não era, como rapidamente se pôde constatar! A sua governação começou logo por apresentar lamentáveis sinais de tibieza e alguns sintomas de abertura – que até contrariavam a "Evolução na Continuidade", que foi por ele tão ligeiramente anunciada, logo após a sua posse. Dir-se-ia que ia assistir-se apenas ao irresponsável aumento da perigosa Evolução, em vez da manutenção de uma prudente Continuidade... No entanto, ele lá foi exercendo o seu cargo, mais ou menos normalmente... Gostava muito de ir à Televisão, entreter-se com umas "Conversas em Família", em que explicava, com muitos pormenores, o que o Governo fazia ou tencionava fazer... Asneira, é claro! Um verdadeiro governante, um governante como deve ser (como tinha sido o Senhor Professor Salazar) não tem nada que dar satisfações ao povo, era o que faltava! Mas, enfim, este lá tinha essas ideias, e gostava de fazer de conta que estava ali a passar o serão em conversa com os portugueses... Havia quem dissesse, no entanto, que os portugueses aproveitavam essas noites para pôr o sono em dia...

Isto até ao dia, em 1970, em que se verificou afinal o desenlace, trágico mas já esperado, do preclaro e admirado Senhor Professor Doutor António de Oliveira Salazar, para grande desgosto da Nação.

Toda a gente o chorou: aqueles que patrioticamente o admiravam, e à sua governação, e até aqueles que, não o admirando (raríssimos!) aproveitavam a situação para se governarem o melhor que podiam e sabiam. E foi entre estes últimos que começou a surgir, subterraneamente, um clima de rebelião mais ou menos encapotada.

Vejamos, em seguida, alguns sinais de contestação, que o faro apuradíssimo das nossas forças de segurança, com essa gloriosa PIDE à cabeça, vinham a detectar, há algum tempo.

A SEGUIR: CONTINUA A PUBLICAÇÃO (ÀS SEGUNDAS E QUINTAS-FEIRAS) DESTE IMPRESSIONANTE TESTEMUNHO DE "UM PATRIOTA ANÓNIMO"




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