29/10/2012

E SE O 25 DE ABRIL TIVESSE FALHADO? (7)


O que podia ter acontecido, se o golpe das forças maléficas tivesse resultado e tivéssemos sofrido a prevista "Revolução dos Cravos"...

Imaginem, através de uma hipotética elaboração mental, como se teriam passado as coisas, se o golpe tivesse resultado... Ai, minha Nossa Senhora de Fátima, ai minha querida PIDE, só de pensar nisso fico todo a tremer!...

Mas, enfim, talvez valha a pena tentar imaginar como se teriam passado as coisas, se o 24 de Abril tivesse tido como consequência aquele "25 de Abril " com que os revoltosos sonhavam... Isto só como exercício intelectual, naturalmente...

Nessa noite, cantava-se, no São Carlos, a ópera La Traviata. Findo o espectáculo, os espectadores do costume (eram sempre os mesmos, os que iam ouvir música à Gulbenkian, ao Coliseu ou ao São Carlos, alguns dos quais, tanto lhes dava dormir numa sala como noutra), foram para suas casas, calmamente, criticando a voz da soprano e a afinação do coro.

Entretanto, era outra a música que se preparava para ser tocada, naquela madrugada que se aproximava...

 Assim, segundo o plano subversivo, as tropas teriam tomado conta, sem resistência que se visse, dos pontos estratégicos que lhes tinham sido assinalados. Às 3 horas da madrugada, seriam ocupados o Rádio Clube Português, a Televisão, a Emissora Nacional, o Aeroporto de Lisboa, o Comando da Região Militar, a Rádio Marconi – tudo isto e algo mais, por tropas do Batalhão de Caçadores 5 e da Escola de Administração Militar.

Pelas 4 e meia, toda a gente teria ficado muito espantada ao escutar o primeiro comunicado do Movimento das Forças Armadas, vindo do Posto de Comando, na Pontinha, mas transmitido pelo Rádio Clube Português.

Lá pelas 5 e meia, teriam chegado ao Terreiro do Paço os blindados da Escola Prática de Cavalaria, de Santarém, comandados pelo capitão Salgueiro Maia, começando assim a ocupação dos Ministérios.

Depois, às 7 e meia, novo comunicado do MFA teria enganado o povo, afirmando que o Movimento teria a intenção de o libertar do Regime que "há longo tempo o dominava"... Disparates!

E depois, sucessivamente, teria havido uma série de episódios absolutamente incríveis. Por exemplo, Sua Excelência o Presidente do Conselho ter-se-ia abrigado, completamente aterrorizado, no Quartel do Carmo!... (Absurdo! Na verdade, ele ia até lá, de vez em quando, mas para ouvir os concertos da Banda Sinfónica da GNR, nada mais!)... E dir-se-ia que dali tinha saído, horas depois, sob a protecção de um carro blindado, um Chaimite... (Nada disso! Saiu, naturalmente, no seu Mercedes oficial, como manda o imutável protocolo)...

Também se pode imaginar, embora com dificuldade, o que teria acontecido, se os dois Presidentes, o da República e o do Conselho de Ministros, tivessem sido detidos e enviados, pouco tempo depois, para um cruel exílio, primeiro na ilha da Madeira, depois no Brasil.

E mais: como teria ficado desprotegido o país, se tivessem sido dissolvidos órgãos tão essenciais como a Assembleia Nacional e o Conselho de Estado, exonerados os Senhores Governadores Civis, extintas a Mocidade Portuguesa, a Legião, a Acção Nacional Popular – e, tragédia das tragédias, eliminada a gloriosa DGS, a quem sempre continuarei a chamar PIDE, que é um nome muito mais bonito!... Impensável!

Se as coisas tivessem acontecido como esses energúmenos tinham planeado, nas suas cavilosas e astuciosas maquinações, os militares teriam tomado conta do poder, partilhando-o depois com os temíveis partidos políticos, esses antros de conspiração contra os valores pátrios.

E o País cairia no descalabro e na tragédia!... O General Spínola era muito capaz de ser nomeado Presidente da República, o major Otelo seria promovido a general e, embora não fosse de Cavalaria, havia de ameaçar cavalgar o "cavalo do Poder", capaz disso era ele! E outros perigosos indivíduos, como o socialista Mário Soares e o comunista Álvaro Cunhal seriam chamados a lugares de responsabilidade (talvez ministros, sabe-se lá... até Presidentes, imaginem só a desgraça em que iríamos mergulhar!)...
 
Sim, todos estes acontecimentos – se realmente tivessem ocorrido – teriam feito com que a Pátria desse uma valente cambalhota! Mas, felizmente, nada disso aconteceu. Aleluia!


...e o que realmente aconteceu!
                    
Pois, na verdade, tudo isto, que cabia na imaginação fértil dos malvados revoltosos, não chegou a realizar-se. Felizmente, é o que eu digo e repito, de acordo com as informações, um pouco dispersas, que me foram chegando, a este local reservado onde decorre a minha existência actual...

- Felizmente! – repito. Qualquer patriota entenderá que o tal 25 de Abril mergulharia a nossa Querida Pátria na mais negra e trágica escuridão, eliminando assim, num só golpe (uso aqui a palavra golpe propositadamente, e até poderia usar antes o termo golpada) todo o bem de que tínhamos beneficiado até então, graças à preclara actuação, principalmente, de Sua Excelência o Senhor Professor Doutor António de Oliveira Salazar e, depois, dos seus inteligentes seguidores e continuadores! Menos inteligentes do que o Senhor Professor, é certo, mas, ainda assim, suficientemente bons para não desvirtuarem muito a sua tão virtuosa obra!...

Assim, na noite de 24 para 25 de Abril de 1974, como já se descreveu, o projectado golpe traiçoeiro abortou – mesmo sem que existisse, neste país de brandíssimos costumes, qualquer Lei do Aborto, uma indecente disposição legal que começava então a surgir, noutros países, mais atrasados que o nosso, pelo menos quanto aos valores morais e matrimoniais que devem presidir à vida de povos civilizados como o nosso.

O que aconteceu então?

Em primeiro lugar, era necessário e urgente anular os efeitos perversos da revolução que estivera em germinação. Para isso, era essencial esterilizar os mentores daqueles malvados planos revolucionários que estavam a ser congeminados, e os seus respectivos executores e pretensos protagonistas.

Para começar, e para baralhar os planos dos revoltosos, um dedicado patriota, locutor dos Emissores Associados de Lisboa, trocou os discos programados para a emissão dessa noite. Para desempenhar conscienciosamente essa patriótica sabotagem, tinha sido previamente "amanteigado" com uma generosa gratificação especial, representada por um envelope com umas discretas notas de quinhentos escudos e uma promessa de um emprego para um dos seus catorze filhos, num departamento do Estado... Assim, em vez da programada cantiguinha E depois do Adeus, os estimados ouvintes puderam deliciar-se, à hora combinada, com a interessantíssima interpretação de Alfredo Marceneiro em A Casa da Mariquinhas. E, mais tarde, à meia-noite e vinte e cinco, quem ligasse para a Rádio Renascença ouviria, não a tal cantiga grandolense dos pés a arrastar pelo chão, mas uma romântica canção de amor pela apreciada cançonetista Madalena Iglésias...

Claro que isto contribuiu para a confusão que se instalou nos pobres cérebros dos revolucionários. Sem as cantigas que lhes dariam o mote para levar a cabo a sua antipatriótica missão, ficaram completamente despassarados, tudo passou a decorrer fora dos planos previamente preparados, e eles puderam ser facilmente neutralizados pelas forças da Ordem.

Assim, todo o núcleo subversivo reunido no quartel da Pontinha pôde ser rapidamente dominado. Eram eles os cabecilhas do movimento e os que se preparavam para tomar conta do poder neste nosso amado país. Toda aquela tropa foi cercada pelos valorosos elementos da Legião Portuguesa, armados com pistolas de plástico rapidamente reunidas nos infantários frequentados pelos seus filhos e netos. As armas eram tão perfeitas que enganaram os revolucionários, aterrorizados com o volte-face dos acontecimentos e com os imponentes físicos dos seus antagonistas. Daí a poucas horas, estavam todos metidos em Chaimites, a caminho do avião que os iria conduzir à Colónia Balnear do Tarrafal, na ilha de Santiago, Cabo Verde.

Todos os outros implicados na tentativa de rebelião foram igualmente dominados e neutralizados, nos locais onde se preparavam para dar continuidade à revolução e para se apoderarem dos locais estratégicos mais importantes.

Daí a poucas horas, o incidente estava resolvido e a paz voltava às ruas e aos espíritos dos Portugueses.

É claro que, mesmo assim, a simples hipótese de se poder ter concretizado aquela terrível ameaça, e o caos que se abateria sobre a Nação, se por acaso não tivesse sido descoberta e anulada, deixava consequências visíveis. Sua Excelência o Presidente da República, o venerando Contra-Almirante Américo de Deus Rodrigues Thomaz teve então oportunidade para mostrar toda a sua fibra de valoroso combatente pela causa da Paz e da Ordem Pública, merecendo amplamente o apodo, que passaria a ser-lhe aplicado, de Grande Comandante. Assim que teve a certeza de que a situação estava mesmo controlada, logo na manhã seguinte, disse a sua esposa que saísse de baixo da cama, onde prudentemente se abrigara, e mandou chamar ao Palácio de Belém o Presidente do Conselho. Este compareceu, muito enfiado, ainda pálido do susto que apanhara, quando fora informado da intentona que se tinha preparado sem ele saber de nada. Não fazia ideia alguma do que lhe iria ser comunicado por Sua Excelência o Senhor Presidente, mas, pelo sim pelo não, ia munido com um discurso muito bem estudado, para tentar justificar o facto de ter sido colhido de surpresa por tão insólitos acontecimentos.

Tal como ele, alguns dos Senhores Ministros tinham apanhado um razoável susto, ao aperceberem-se do que se preparava. Alguns deles, mais inquietos com os destinos da Pátria, tinham feito rapidamente as malas, preparando-se para a hipótese de terem de abandonar urgentemente o país – não por temor, evidentemente! mas para assegurarem, mesmo no Estrangeiro, a continuidade da sua acção governativa, que se dispunham a manter, nem que fosse por telegrama.

Constou que um deles, mais nervoso, teve mesmo um pequeno problema intestinal, sendo obrigado a mudar rapidamente de cuecas, devido ao nervosismo causado pela preocupação de manter o funcionamento do seu Ministério num ritmo normal (e não, muito longe disso! por ter sofrido algum ataque daquilo a que popularmente se chama "cagaço", perdoem-me o termo popular)...

Ao chegar ao Palácio presidencial, Sua Excelência o Senhor Presidente do Conselho começou logo por estranhar a forma muito pouco cerimoniosa como foi recebido: o soldado da Guarda Republicana de sentinela à porta nem sequer se pôs em sentido quando ele chegou, e um simples ajudante de campo veio encaminhá-lo para o salão onde o Senhor Contra-Almirante o iria receber. Verificou, de imediato, que não havia mais ninguém presente, pelo que a conversa seria a dois. E que conversa!...

- Bom dia, senhor Presidente – cumprimentou, com a delicadeza que lhe era habitual. Porém, para sua surpresa, o Presidente nem sequer respondeu ao cumprimento. Resmungou qualquer coisa, com o seu costumeiro ar, que alguns classificavam de "trombudo", mas que não era mais que a máscara severa adequada às circunstâncias. Nem sequer o mandou sentar. Olhando sempre fixamente para o enorme e valioso tapete que forrava o chão do imenso salão, tratou de lhe explicar a razão por que o chamara – e que não seria difícil de adivinhar qual era.

- Senhor Professor Doutor Marcello José das Neves Alves Caetano, tenho a comunicar a Vossa Excelência que...

- Já sei o que Vossa Excelência vai dizer, senhor Presidente – interrompeu o Presidente do Conselho – A revolução que estava a preparar-se foi liquidada, graças ao génio estratégico de Vossa Excelência!

- Escusa de me estar para aí a dar graxa, que não ganha nada com isso! – respondeu com firmeza, na sua linguagem simples de homem do mar, o Grande Comandante. – O que tenho a dizer-lhe é muito simples: Vossa Excelência, como político, revelou-se um nabo! E, nestas circunstâncias, informo-o de que... está despedido!

- O quê?! – exclamou aquele que, a partir daquele preciso momento, passava automaticamente a ser, apenas, o "ex-Presidente do Conselho". – Mas eu... eu não tenho culpa alguma do que aconteceu!

- Ah, isso é que tem! Se, em vez de se pôr para aí com as suas conversas em família, tivesse apertado os calos a esses patifórios do reviralho, esta ameaça que pairou sobre a nossa Pátria não se teria verificado! Eu bem me fartei de lhe recomendar: porrada prà frente! É cascar nesses comunistas, nesses opositores do nosso admirável regime, que não queriam outra coisa senão correr connosco dos nosso poleiros, apoderarem-se dos nossos tachos e governarem este país, governando-se a eles ao mesmo tempo! Mas Vossa Excelência... ou melhor, você... sempre com as suas falinhas mansas, até quis mudar o calendário, inventando essa tal "Primavera marcelista"! Um verdadeiro disparate, que só podia trazer chatices à vida nacional, habitualmente tão calma e tranquila, desde que assim foi estabelecida, no tempo do antecessor de Vossa... de você, ou seja, no tempo do saudoso Senhor Professor Doutor António de Oliveira Salazar, perante cuja memória me curvo respeitosamente.

- Eu também me curvo respeitosamente... – disse, fazendo uma vénia, o Senhor Professor Doutor... isto é, disse o Marcello.

- Não curva nada, que eu bem o conheço! Sempre fingiu que se curvava, mas, lá no íntimo, estava desejando que ele batesse as botas!

- Essa referência às botas parece-me um pouco infeliz...

E aquele diálogo difícil continuou, no mesmo tom azedo, durante alguns minutos. Até que o Doutor... isto é, até que o Marcello resolveu perguntar:
                                                                                                      
- Já que Vossa Excelência insiste em me demitir, e se me permite, gostaria de saber quem vai ser o próximo Presidente do Conselho...

- Nem faz ideia de quem vai ser! – disse o Senhor Presidente, com um sorrisinho maroto. – Dê lá um palpite, vá!...

- Sei lá... Talvez o senhor General Kaúlza... o senhor almirante Tenreiro... o senhor General Santos Costa...

- Frio, frio!

- Vá lá, senhor Presidente! Diga quem será o meu sucessor!

Continua na próxima quinta-feira.

Quem irá substituir o Presidente do Conselho de Ministros? A grande surpresa! Uma solução genial e completamente inesperada!

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