27/05/2012

"O PORTUGUÊS PITORESCO" - Cap. 3 continuação

INCONTORNÁVEL

            Eis uma palavra que entrou definitivamente na moda, sendo usada em substituição de formas que seriam mais complicadas, como, por exemplo, que não se pode evitar, ou que tem realmente de se enfrentar, que devem ser postas de lado por terem muitas letras, o que é inconveniente numa época em que se deve poupar em tudo, até nisso, nas letras... Adivinha-se para um destes dias a descoberta, ou redescoberta, de sinónimos igualmente raros, como, por exemplo, inescapável ou inescusável, que também poderão dar muito prestígio a quem as use.


INVERDADE

            Ao contrário do que poderia supor-se, uma inverdade não é o mesmo que uma mentira. Isto porque uma mentira é um termo algo duro, violento, ofensivo. Quando exclamamos: – Você está a dizer uma mentira. – estamos a ser brutais, definitivos, não há como voltar atrás. Ao passo que, se dissermos, mais suavemente: – Isso é uma inverdade! – ainda tudo pode acontecer. O mentiroso não é bem um mentiroso... passa a ser alguém que, por distracção ou má interpretação dos factos, disse uma coisa não completamente certa... Há uma pequeníssima diferença, uma gradação subtil que torna o possível conflito muito mais macio. O uso da palavra tem as suas regras, fáceis de entender e de aplicar: para nós, o que afirma o nosso adversário é sempre uma vergonhosa mentira, ao passo que nós próprios, o mais que dizemos é uma pequena inverdade... 

IRREGULARIDADES PROCESSUAIS

            São fenómenos que acontecem, com bastante frequência, nos processos mais complexos, e aos quais se aplica este pomposo título, que é excelente para mascarar uma qualquer incompetência. Quer se trate de um prazo que não foi cumprido por esquecimento, de uma citação mal redigida, de uma prova perdida, de uma fuga de elementos confidenciais, tudo isso se explica e abafa sob o manto das irregularidades processuais – embora as pessoas simples, que nunca entenderão esta linguagem cifrada, se limitem a dizer, entre elas, que tudo não passou de lamentável nabice.  

MISERABILIDADE

            Há quem critique o uso desta expressão, para definir o estado de quem vive na miséria, alegando que poderia substituir-se por outra, mais simples: miserabilismo. Pois eu acho que fazem muito bem os senhores que usam tais palavras para nos explicar o estado do país, evitando simplificações enganosas e, até, confusões. É que miserabilismo, parecendo que significa a mesma coisa, tem uma subtil diferença: é palavra que se refere a uma tendência literária e artística, que chega a elogiar os aspectos mais baixos da vida humana, dando mesmo origem a obras de arte, como as óperas de Verdi em que as personagens vivem em ambientes sórdidos, se vestem mal e bebem vinho... Por isso, não confundir uma coisa com a outra – e viva a nossa miserabilidade!

PAINEL

            A palavra tem várias aplicações, mas aquela que interessa destacar é a que lhe dá o significado de congresso ou reunião de especialistas que se juntam para discutir um assunto específico. O termo painel até pode dar origem a confusões, mas isso não tem evitado que o seu uso se repita com muita frequência, em Congressos, Seminários e outras reuniões onde é preciso separar os participantes em grupos especializados, para ver se conseguem chegar a conclusões úteis – o que nem sempre acontece... Pessoalmente, acho a palavra desagradável, principalmente desde que ouvi, um dia, alguém fazer chacota com ela, alegando que não queria participar, para não ser apelidado de paineleiro...

PLANTEL

            Esta é uma palavra do vasto universo desportivo, utilizadíssima por jogadores, treinadores, árbitros, dirigentes e comentadores-de-sofá, particularmente os que dedicam a sua atenção ao Futebol. Aqui impõe-se uma pergunta, talvez retórica:  – Existe mesmo algum outro desporto, além do Futebol?... Adiante. A verdade é que não há uma referência a esse desporto que não inclua o termo plantel, o que só começou a acontecer recentemente: dantes, dizia-se a equipa ou o time (do Inglês team). Existe, no entanto, uma certa relutância, mas apenas por parte de algumas pessoas mais informadas, que frequentam Dicionários e descobriram a existência de uma definição menos elegante para plantel: "Grupo de animais de raça, de boa qualidade, especialmente bovinos e equinos, reservados para a reprodução"... Na verdade, não parece que os futebolistas, se lessem Dicionários, quisessem continuar a ser considerados parte de qualquer plantel –  mas isso é lá com eles...

PLURIEMPREGO

            A palavra refere-se a uma situação profissional que hoje se vai tornando progressivamente mais rara. Em tempos mais recuados, era habitual uma pessoa ter um emprego principal e, depois, para arredondar o ordenado, mais um ou dois empregozinhos secundários, os chamados biscates. Isto, naturalmente, ao nível das classes médias ou médias-baixas, porque, nas classes mais elevadas. os tais empregos secundários teriam, retribuições bem mais generosas, algumas com fáceis escapatórias ao Fisco... Nas condições da vida actual (e continuando a falar das classes menos elevadas) a sorte é ter um emprego qualquer, seja ele qual for... Quanto ao pluriemprego continua a ser, paradoxalmente, um exclusivo dos bem situados na vida, isto é, dos que menos precisam dele... 

POTENCIAR

            Significa dar força, dar potência. Em termos matemáticos, significa elevar um número a uma potência. Mas estes significados nada têm a ver com o sentido que lhe é dado em Economês, pois, nesse dialecto, a palavra refere-se a coisas tão práticas como aumentar o capital de uma empresa, ou algo semelhante. Mas, sendo a palavra tão sugestiva, pode levar o nosso pensamento para outras áreas que não as dos negócios...

PRECARIEDADE

            Define uma situação que se tornou muito frequente nos tempos de crise (isto é, em todos os tempos, porque sempre houve crise, em todos os tempos da nossa História), e que se caracteriza, na prática, pela existência de contratos de trabalho sem consistência nem garantia de continuidade. Este sistema de trabalho precário também se costuma designar por trabalho a recibos verdes.

PROJECTO ALTERNATIVO

            Mais uma expressão muito na moda, para designar um projecto que foi preparado para a eventualidade de chumbo do projecto inicial. Muito conveniente, dada a frequência com que os mais definitivos projectos se transformam em projectos adiados ou reformulados.

QUESTÕES ESTRUTURANTES / ou FRACTURANTES

            Expressão misteriosa, tão vaga que serve para tudo o que se queira colocar à sua sombra. Em princípio, uma questão estruturante é aquela que serve para estruturar alguma coisa. Mas, quando ouvimos discursos em que nos dizem que "a construção de um novo aeroporto é uma questão estruturante", ficamos na dúvida. Estruturante para quê? Para o sistema geral de transportes, ou só para o próprio aeroporto? Fazem falta Dicionários específicos para conceitos específicos como este... Com efeitos parecidos, está também na moda a expressão questão fracturante, que é igualmente muito bonita...

REALIZAR

            Antigamente, a palavra realizar significava transformar em realidade, concretizar, efectivar. Mais recentemente, passou a ter um sentido muito mais moderno. Numa telenovela ouvi há dias uma belíssima menina confidenciar a uma amiga: – Só agora realizei que ele gosta mesmo de mim!... Fiquei comovido, em parte, porque só um tontinho seria capaz de desprezar uma lindeza daquelas – mas não foi essa a questão principal: é que só então compreendi que realizar significa agora, frequentemente, compreender. Também aconteceu a um Político dizer, numa entrevista, que só agora tinha realizado como é difícil governar... Da mesma forma que a mocinha da telenovela realizou como vai ser feliz até ao último capítulo, eu realizei que o tempo dá outros sentidos novos a palavras velhas. Será que isso tem algo de mal? Nem pensar. Só que a gente tem de estar com atenção, para não perder o sentido das realidades e realizar o que se passa à nossa volta.

SEMINOVO

            Aqui está um neologismo muito interessante, aplicado com notável frequência a automóveis e apartamentos. O andar está bem conservado mas, sim, já foi habitado antes, no entanto está impecável, isto é, está seminovo. O carro tem trinta mil quilómetros, nunca bateu, funciona sem problemas, também está seminovo... Aceito sem grande relutância. Chega a ter alguma piada o conceito. Só gostaria de saber se a mesma classificação poderá ser aplicada a uma pessoa. Um cavalheiro de mais idade, bem apessoado, sem barriga nem falta de cabelo, poderá ser considerado seminovo? E uma divorciada jovem, sem filhos, alegando que o ex-marido nunca lhe bateu, será uma seminova? Aguardo esclarecimentos.

SUSTENTABILIDADE

            Existe uma grande preocupação, da parte dos responsáveis por grandes planos e grandes iniciativas, quanto à possibilidade de tudo isso poder concretizar-se sem problemas de maior. Parece que é a isso que se chama sustentabilidade. Não se trata de nenhuma novidade. Isto é, a palavra sim. Embora exista há muito tempo, não era utilizada tantas vezes como acontece nos últimos tempos. Mas a sustentabilidade propriamente dita é coisa vulgar, que preocupa toda a gente, desde os ministros das Finanças, que têm de a garantir em relação às contas do Estado, até às donas de casa, que têm de aguentar o lar com o ordenado (frequentemente mínimo) de que dispõem para o governar. Trata-se, portanto, de um conceito antigo, agora designado de forma aparentemente moderna.

TIRAR

            É um dos verbos mais curiosos da nossa Língua. Tem as mais interessantes aplicações, como veremos. Podemos começar por tirar fotografias ou tirar fotocópias... É assim que se diz e se escreve, habitualmente: – Tira-me aqui uma fotografia. Ou: – Estas são as fotografias que tirei nas férias... Ah, vou ver se não me esqueço de ir tirar umas fotocópias!... Porquê tirar? Tirar o quê? Parecia mais lógico reservar o verbo para descrever acções como eliminar, subtrair, suprimir, retirar, ou mesmo, mais dramaticamente, arrebatar ou roubar. Mas uma fotografia, ou uma fotocópia, é coisa que se tire? Parece mais coisa que se faça... - Vou fazer uma fotografia e, de caminho, faço três fotocópias... Bem, o hábito está tão enraizado, que não deve ser fácil mudar. Nem isso tem muita importância, no fim de contas. Mas há uma outra versão do verbo tirar a que acho muita graça. É quando alguém pergunta a outro alguém:Quanto é que tu tiras por mês?... Raramente se pergunta: – Quanto ganhas por mês? – mas sim:Quanto tiras?". E toda a gente acha bem. Curioso, este nosso subconsciente...  

VERTENTE

            Declive, encosta, inclinação, são os significados mais vulgares para vertente. Mas, felizmente, há quem não queira ser vulgar, na escrita e na fala. Por isso, passou a ser moda usar a palavra vertente com o sentido de capítulo, tendência, aspecto, como em – Estive a ler o projecto do governo, na sua vertente cultural... É bonito, embora sirva, principalmente, para estabelecer confusão.

                                                                                                                                         CONTINUA







23/05/2012

"O PORTUGUÊS PITORESCO" - Cap. 3

3. PALAVRAS QUE ESTÃO NA MODA
Há palavras que repousam descansadamente na poeira dos alfarrábios durante anos seguidos – e que, de repente, saltam cá para fora, surgem inesperadamente num discurso, num comunicado ou num artigo de jornal, e ei-las aproveitadas logo de seguida, noutro discurso, noutro comunicado ou noutro artigo de jornal – porque são engraçadas, porque são insólitas, porque parecem originais. Daí para a frente, são como um vírus: pegam-se, espalham-se, invadem a fala e a escrita de toda a gente, passam para o vocabulário corrente, mesmo quando, muitas vezes, nem se sabe ao certo o seu significado preciso...
           
Outras são mesmo novas, e o seu aparecimento pode ser causado por adaptações ou más traduções de palavras estrangeiras; ou, mais simplesmente, por modas rapidamente adoptadas por toda a gente, simplesmente por se achar que se trata de "palavras bonitas".

            São alguns desses exemplos que apresento em seguida, com os respectivos comentários – não propriamente sobre as origens, mas sobre os usos (e, às vezes, os abusos) dessas expressões.


ALAVANCAR

            Foi Arquimedes quem disse a frase famosa: "Dêem-me uma alavanca e um ponto de apoio e moverei o mundo"... Se vivesse entre nós, hoje, e escutasse como falam os Portugueses modernos, poderia ter sido mais objectivo, dizendo: - Se eles não alavancam o país, muito menos alavancam o mundo... Pois é este o verbo fácil que entrou na moda e serve para exprimir a ideia de activar, animar, estimular, empurrar, impelir, facilitar, impulsar, impulsionar, incitar, instigar – palavras que poderiam descrever uma acção positiva, mas cuja utilização pareceria mal, nos tempos modernos, existindo esse outro verbo que nos remete para tempos antigos, para essa Grécia em que se usava a Física, a Matemática e a Retórica para alavancar ideias importantes.

ANIMAL POLÍTICO

            Um animal político não é bicho que encontre classificação dentro dos limites da Zoologia. Mais facilmente se define dentro do universo político, como alguém que domina, morde, arranha, ataca e reage, de forma quase animalesca, aos fenómenos históricos da sua época. Em Portugal, podem apontar-se vários exemplos, classificáveis nesta categoria, como o Marquês de Pombal, D. Miguel, Fontes Pereira de Melo, António José de Almeida, Salazar. Álvaro Cunhal, Mário Soares... Todos diferentes, todos iguais numa coisa: a Política, para eles, era e é a Vida, a Selva na qual, como animais políticos, se sentem bem. 

ARRUADA

            Nome aplicado a uma acção que se passa numa rua (também pode ser num largo, ou numa praça), por vezes com mobilização de um grande ajuntamento de pessoas, habitualmente berrando contra, ou a favor, de alguém ou alguma coisa. Mais habitualmente contra... A arruada é particularmente querida pelos Políticos, que assim têm a ilusão de contactar com o "povo", dele recebendo aplausos, palmadas nas costas e outras manifestações – as quais, embora praticamente sem qualquer significado, costumam ser levadas muito a sério.

ATEMPADAMENTE

Advérbio muito pomposo, inventado para significar que determinado acontecimento se passou na altura própria. Nem antes nem depois. Poderia ser substituído por a tempo, no devido tempo, ou dentro do prazo, por exemplo... mas essas expressões corriqueiras estariam longe de provocar o fascínio que suscita uma palavra tão magnífica como esta, no meio de um discurso.

ATITUDE AUTISTA

            Utiliza-se, em geral, para definir uma tomada de posição contrária aos interesses de quem fala. O adjectivo não é, evidentemente, aplicado com o seu significado científico exacto, mas em sentido metafórico. Na verdade, um autista é alguém que perdeu a relação com o mundo circundante. Ora, quando, por exemplo, alguém acusa um adversário de ter uma atitude autista, não está, normalmente, a acusá-lo de não viver neste mundo – mas sim de ele ter uma opinião oposta à sua, sobre um assunto qualquer em discussão. A acusação não tem nada a ver com questões psico-fisiológicas – apenas pode dar belas manchetes nos jornais. No entanto, em resultado de muitas reclamações sobre o trauma que o seu uso pode causar a quem tem de lidar com o verdadeiro autismo, o termo começou a ser evitado, para evitar melindres.

CONJUNTURA

Ora aqui está um substantivo que vem sempre acompanhado do adjectivo grave. ou outro com sentido semelhante. Não há conjunturas simples, são todas conjunturas graves, no discurso Politiquês (v, capítulo 7 – "Calões Profissionais").  A toda a hora se fala da grave conjuntura económica, da delicada conjuntura política ou da gravíssima conjuntura social, que fazem parte do vocabulário comum dos dirigentes de qualquer país, servindo para enfeitar discursos, sem que alguém explique do que realmente estão a falar e, mais importante que isso, o que estarão a pensar fazer para deixarem de falar de tais horrores.

 

CONSENSUALIZAR


            Outra expressão típica do dialecto Politiquês, que exige palavras complicadas como esta para designar coisas simples, como obter acordos ou concordar. Nem toda a gente tem coragem para utilizar palavrões tão majestosos como este – mas quem os usa fica muito bem visto por quem os escuta – esta é uma ideia para a qual é fácil consensualizar toda a gente.
           
CONTINGENCIAR

            Tecnicamente, trata-se do nome dado a uma intervenção para estabelecer limites à produção, importação ou exportação de um produto qualquer. Isto é, quando se estabelecem contingentes (seria mais simples chamar-lhes limites), por exemplo, para a produção de batatas e para a venda das mesmas para o estrangeiro, bem como para a compra de batatas de outros países. Até aqui, menos mal. O pior é quando se emprega o mesmo conceito para outros fins, como acontece quando um patrão informa os empregados de que "existe um contingenciamento da verba disponível para ajustes salariais", o que só um especialista conseguirá traduzir desta forma popular: "Ó malta, o que o patrão tá a dizer é que não há cacau para aumentos de ordenados!". Aí, toda a gente percebe – e segue-se a greve.

             

CRESCIMENTO NEGATIVO

            Todos aprendemos, na nossa infância, que estamos a crescer para nos transformarmos em gente adulta... Ora, na nossa ingenuidade infantil, pensamos então que crescer significa aumentar de altura, de peso e de importância, que é o que nos diz o dicionário. Todavia, a certa altura das nossas vidas, vêm uns senhores que sabem mais do que nós e nos explicam, em cerrado Economês  (v. capítulo 7 "Calões Profissionais"), que estamos em pleno crescimento negativo. As nossa mentes simples têm dificuldade em apreender o conceito. Como se pode crescer para baixo? Parece coisa esquisita, improvável e inexplicável. E é mesmo – para todos, menos para os Economistas e os Políticos, que têm explicações para tudo, embora elas não estejam ao alcance das inteligências comuns. Com alguma dificuldade, vamos então interiorizando essa nova dimensão da nossa vida, em que existem coisas que crescem... diminuindo.

CRISE

            Esta não se pode considerar, de forma alguma, uma palavra nova. Pelo contrário. Em todas as épocas da nossa História, a palavra crise está presente, associada a factos e factores diversos, que vão da política à pesca do atum. Historicamente, recordo a crise de 1383/1385, relacionada com a sucessão ao trono real. Mas há outras, mais recentes, como a crise provocada pelo ultimatum inglês, no tempo do Rei D. Carlos, ou a crise financeira que levou um certo professor de Coimbra a livrar-nos de todas as crises durante cerca de quarenta anos... Há crises mundiais, que sempre serviram para justificar as crises nacionais. Há crises no Teatro, no Cinema, nas Artes em geral. Há crises no Ensino, na Cultura e na produção de rolhas de cortiça. Daí a minha teoria, que subscrevo com toda a convicção: se apenas houvesse crise para alguns, a crise seria uma coisa gravíssima; mas, havendo crise para todos, estamos todos nivelados e, consequentemente, não há crise para ninguém!

DESENVOLVIMENTO SUSTENTADO

Toda a gente percebe, mais ou menos, o que significa desenvolvimento. Já é mais complicado entender o que significa desenvolvimento sustentado (ou sustentável), uma coisa algo misteriosa de que muito se fala nos discursos políticos e económicos, mas que ninguém explica o que é, em linguagem comum. O que parece não ser urgente, uma vez que, como nos estão sempre a dizer, parece não existir, actualmente, espécie alguma de desenvolvimento... Ora, sendo assim, não vale a pena andar à procura dos significados duma coisa que está, pelos vistos, suspensa, não se sabendo quando reaparecerá.

ELENCAR

            É um termo muito fino, que entrou há relativamente pouco tempo no vocabulário corrente, mas que subiu com rapidez a um patamar de prestígio. É claro que elencar podia ser muito apropriadamente substituído por listar, catalogar, enumerar e outras palavras simples. Mas uma pitadinha de presunção fica sempre bem em qualquer texto, não é verdade? 

EMPREENDEDORISMO

            A palavra não se encontra nos Dicionários normais, mas a gente entende que deve referir-se à qualidade de alguém que empreende, isto é, que realiza uma tarefa difícil e trabalhosa. Talvez não fosse difícil substituí-la por algo menos pernóstico, como iniciativa, ou desembaraço, ou diligência, mas isso não daria talvez a entender, às gentes mais vulgares, que há coisas que só estão ao alcance de mentes complexas. Também convém saber que a palavra antónima de empreendedor é, inesperadamente (confirmem no Dicionário, porque essa está lá), a palavra malandro,,,

EMPREGABILIDADE

            Sempre com a louvável intenção de facilitar a busca de cargos bem remunerados apenas para os mais capacitados, usa-se esta interessante palavra com o sentido de realçar a dificuldade que tal tarefa representa, para quem não domina as palavras mais complicadas da nossa Língua – e não deve, assim, tentar ascender aos cumes de uma alta empregabilidade, limitando-se a aspirar pela modéstia de um empregozito mal pago.

ESTUDO DE VIABILIDADE

            Designação para um relatório, normalmente muito bem remunerado, com o qual um especialista ou uma equipa técnica garantem que determinada iniciativa pode realizar-se sem problemas de maior – a não ser, naturalmente, as habituais derrapagens financeiras, os atrasos na concretização e outros pormenores miúdos que fazem parte dos episódios normais de qualquer iniciativa tecnicamente viabilizada.

FICCIONAR
           
Significa praticar um exercício de imaginação, através do qual se constrói uma imagem falsa, porém tão bem arquitectada que uma pessoa ingénua chega a aceitá-la como verdadeira. Muito usado em várias etapas da vida, desde a mais tenra infância (lugar-comum), em que se escutam histórinhas muito lindas, normalmente cheias de conceitos morais – até à idade adulta, em que se escutam outras histórias, igualmente inventadas, normalmente cheias de conceitos imorais. Entra as ficções infantis, conta-se, por exemplo, a edificante história do lobo que come a avozinha de uma menina que usa chapelinho vermelho, ao qual depois se abre a barriga com uma faca para tirar de lá a velhota, tudo isto à vista da criancinha, que fica assim preparada para assistir impávida às "séries de hospital" da televisão. Quanto às ficções para adultos, as mais conhecidas são aquelas em que os Políticos pedem a compreensão e o apoio do Povo para o tremendo sacrifício que é a sua vida, empoleirados nos seus altos cargos, que tanto trabalho lhes dão... Para qualquer destes exercícios é preciso saber ficcionar muito bem.

IMPLEMENTAR

            Um dos verbos mais populares no discurso político, utilizado com vantagem em vez de pôr em execução, pôr em prática, realizar, resolver e outros que dariam ao palavreado dos discursos oficiais um lamentável tom rasteiro e pouco categorizado. Felizmente, alguém se lembrou ou teve a sorte de achar, nas páginas menos frequentadas de algum Dicionário, esta bonita palavra implementar, que tanto lustro dá aos textos e às falas de quem

                                                                                                                                     CONTINUA

19/05/2012

"O PORTUGUÊS PITORESCO" - Cap. 2 continuação

"HÁDES"

            As formas hádes e hádem são indesculpáveis corruptelas das formas hás-de e hão-de, do verbo haver – às vezes por distracção, outras vezes por ignorância. Recomenda-se uma revisão regular da velha Gramática, para evitar calinadas deste tipo.
           
"HOUVERAM"

            O verbo haver, quando significa existir (exemplo: há muita gente na rua), ou quando indica tempo decorrido (exemplo: há uma hora que espero), é impessoal, por isso apenas se conjuga na primeira pessoa do singular: há, havia, houve, haveria, haverá, etc. Assim, formas como houveram... não .

ELES "INTERVIAM"

            O verbo intervir conjuga-se como o verbo vir. É fácil não errar, recordando esta regra. Por isso, não se diz eles interviam, mas sim eles intervinham – e também se diz ele interveio, os outros intervieram, etc.

OS "JÚNIORES" E OS "SÉNIORES"

            No singular é uma coisa, no plural é outra... Essa é a regra – que ninguém segue... Quando se fala de um só júnior, a palavra tem o acento tónico na sílaba ; mas, quando eles são muitos, a sílaba tónica vai lá mais para diante, e deve escrever-se juniores e e dizer-se junióres. Isto porquê? Porque em Português as palavras têm acento tónico: 1) na última sílaba (oxítonas),  2) na penúltima sílaba (paroxítonas), ou  3) na antepenúltima sílaba (proparoxítonas, também chamadas esdrúxulas). Ora, se usássemos o acento tónico na sílaba , estaríamos a usar qualquer coisa como uma palavra "proproparoxítona" – coisa que não existe na nossa língua. Portanto, há que dizer junióres, embora se escreva juniores – mas nunca júniores.
As mesmas regras servem para a palavra seniores, que se pronuncia senióres, por ser uma proparoxítona (isto é, com acento tónico na antepenúltima sílaba).

"LESBOA"

            Pode dizer-se que é uma pronúncia muito... lesboeta. Toda a gente sabe como se escreve o nome da cidade, com i, mas muita gente, sabe-se lá porquê, tem o hábito de lhe chamar Lesboa. Não é grave – mas é estranho.

         A "MÉDIA" E A "MÍDIA"

            Pondo de lado as conotações matemáticas da palavra média, o significado de que se fala aqui é o que está ligado à sua utilização para definir os meios de comunicação. Quer isto dizer que, em Português, já existia a palavra média para designar, por exemplo, grandezas equidistantes dos extremos de outras grandezas (altura acima da média, temperatura dentro da média, etc.) – mas passou a usar-se a palavra mídia (do Inglês, língua na qual a palavra se escreve media, abreviatura de mass media), para designar os jornais, a tv, a rádio, os cartazes, os folhetos, o cinema, a internet, etc. A partir daí, a mídia (que os Brasileiros utilizam assim mesmo, com i) foi transformada em média, o que provoca por vezes confusão, exactamente porque a palavra já existia no Português, com o tal significado anterior. Assim, é hoje vulgar utilizar-se uma ou outra das designações – média ou mídia – quando se fala de suportes de difusão da informação. Quer se utilize, em Português, uma ou outra, o uso é correcto. Só um pormenor: se aparecer escrito media, sem acento, está a usar-se a palavra original em Inglês

O "MENISTRO"

Aqui está uma maneira de falar (não de escrever) que aparece com muita frequência em certas camadas de pessoas que, sendo geralmente educadas e cultas, usam linguagem sofisticada e artificiosa. A troca do i pelo e mudo também acontece em palavras como pijama (dizem pejama), limite (dizem lemite), etc. 

"MUNTO"
           
            A palavra muito é difícil de pronunciar para muita gente, que a substitui por esta forma munto mais fácil, munto mais popular e munto mais pitoresca... não deixando de estar munto mais errada...

A "PARTELEIRA"

Vamos por partes: uma parteleira não é, ao contrário do que poderia supor-se, um "conjunto de várias partes"... É a corruptela mais frequente da palavra prateleira, que não é mais do que uma placa horizontal, de madeira, de metal, etc., que se fixa na parede e pode servir para guardar pratos (daí a origem do nome), ou livros, ou outros objectos. Não serve, certamente, para guardar partos....  

A "PERCA" E A PERDA

Uma perca é um peixe de água doce, muito apreciado pelos amantes de peixes do rio. Quando alguém vai à pesca e não consegue apanhar uma perca, isso significa uma grande... perda. No entanto, é bastante comum dizer-se e escrever-se perca quando se fala de algo que se perdeu. Alguns dicionários admitem, com reservas, esta forma, que tem origem, provavelmente, na contaminação através da 1ª pessoa do singular do indicativo do verbo perder: "eu perco". Mas é mais correcto deixar a perca no rio e pôr a perda na fala e na escrita.

O "PERIÚDO"

Ora aqui está um fenómeno incómodo – e não só para as senhoras, mas para todos os indivíduos que, independentemente do sexo, sofrem regularmente da prática de um erro muito comum, que consiste em mudar a acentuação da palavra período. Em vez de acentuarem o i, acentuam o o, transformando o seu som em u... Resultado: um periúdo muito incomodativo para os nossos ouvidos...

OS "PIQUENOS"

Enquanto a pronúncia de certas palavras é adulterada mudando o som i para e mudo (caso do menistro, atrás citado), também acontece o inverso, na linguagem pretensamente fina de algumas pessoas, que acham elegante referir-se aos seus piquenos desta forma carinhosa mas um pouco ridícula.

O "PISA-PAPÉIS"

Aqui está uma expressão (pisa-papéis) que os Dicionários consideram errada, mas que me atrevo a classificar como, pelo menos, mais lógica do que aquela que é oficialmente aceite: pesa-papéis, designando desta forma um objecto que se coloca sobre um monte de papéis, para evitar que se extraviem. Parece-me mais correcta a forma pisa-papéis. Porquê? O verbo pisar significa calcar, dominar, enquanto o verbo pesar significa determinar o peso. Ora, quando se coloca um objecto sobre um monte de papéis, esse objecto não está a pesar os papéis, mas a pisá-los... Portanto, entro aqui em polémica com o que dizem os Dicionários, excluo a forma pesa-papéis, que me parece tonta, e apadrinho a forma pisa-papéis. Não imponho a minha opinião, limito-me a manifestá-la.

A "POISIA"

Quem diz poesia deve ter uma voz bem colocada e ser capaz de pronunciar correctamente todas as palavras. Ora uma das palavras mais importantes, quando se lé uma poesia... é a palavra poesia. Paradoxalmente, há quem a pronuncie desta forma estranha: poisia – como também hás quem diga puésía... Qualquer destas formas é muito pouco poética e muito pouco correcta. Os poetas agradecem que as suas obras não sejam mal ditas...

AS "PORPIEDADES"

Habitualmente, é por piedade que não corrigimos as pessoas que dizem "as minhas porpiedades" em vez de "as minhas propriedades". Há quem, tendo propriedades terrenas, não tem o privilégio de possuir outras, aquelas que são proporcionadas pela Educação e pela Cultura. Há, assim, muitos porpietários de bens valiosos que nunca tiveram a propriedade de um simples Dicionário... Tende piedade deles!

POR QUE SIM E "PORQUE" NÃO

A razão por que se escreve esta nota é porque este é um probleminha linguístico um pouco difícil de analisar. Quando se diz a razão por que, estamos a falar da razão pela qual (por a qual), daí ter que se usar as palavras por e que separadas, tendo o que função de pronome relativo. Exemplo: Sei a razão por que vieste (Sei a razão pela qual vieste)... Então, quando se deve usar o advérbio porque? Quando liga duas orações coordenadas, em que a segunda explica a asserção contida na outra. Exemplo: Não vim porque não pude. Complicado? Um pouco. Mas nada que não se resolva com um pouco de atenção.

A "PÚDICA" E O "PÚDICO"

São palavras que, à maioria das pessoas, dá mais jeito dizer assim, com esta pronúncia esdrúxula, ainda que muitos Linguistas afirmem que as formas correctas são pudica e pudico, com acento na penúltima sílaba. Outros, porém, defendem que as duas formas são aceitáveis, de maneira que podemos colocar o acento onde preferirmos, pois o significado será sempre o mesmo: ser púdica, ou pudica, é ser casta, ter pudor, ser recatada. No masculino, os significados são idênticos. E nos antónimos impúdica ou impudica, impúdico ou impudico, é tudo idêntico, evidentemente – isto é, são expressão de pouca-vergonha... 

"QUAISQUERES"

Palavra inventada para funcionar como uma espécie de plural de quaisquer... Só que esta, por sua vez, já é uma espécie de plural de qualquer. Assim, a fantasiosa palavra quaisqueres não tem qualquer razão de existir, e deve ser banida da nossa linguagem.

O QUE EU "RETI" E O QUE NÃO RETIVE

 Seria mais fácil e mais rápido dizer eu reti, mas a forma correcta é eu retive, porque o verbo reter, com o significado de guardar, conservar, conjuga-se à semelhança do verbo ter. Ora não se usa eu ti, mas sim eu tive.

A "RÚBRICA"

Seja qual for o sentido em que a palavra é utilizada (e há muitos, desde assinatura abreviada, título de capítulo de livro, letra ou linha inicial de capítulo, nota à margem, indicação de actuação e, até, almagre ou argila avermelhada) a forma correcta é rubrica, com acento tónico na penúltima sílaba, e não rúbrica, com acento na antepenúltima, como tantas vezes se lê e ouve.

A "RUNIÃO"

Aqui está outro exemplo de um som que é "comido" na pronúncia. Uma reunião passa a chamar-se runião – e a frequência com que o pretexto das reuniões serve para "despachar" um visitante ou um interlocutor incómodo faz com que esta palavrinha seja utilizada muitas e muitas vezes, diariamente, para preservar a tranquilidade dos Senhores Importantes, que estão sempre (ou querem que se pense que estão) em sucessivas e importantes runiões...

"SEDEAR"

Palavra utilizada frequentemente para referir um local que serve de sede, mas que, na verdade, tem o significado de limpar com escova de seda (por exemplo, objectos de ouro ou de prata). A palavra que define uma sede é sediar (O clube está sediado num grande edif'icio). 

A "SOCIEDADE" E A "SACIEDADE"

Lá por serem muito parecidas, não se pode concluir que tenham significados iguais, nem sequer parecidos. A sociedade define-se como um agrupamento de seres que vivem em estado gregário e em colaboração mútua. A sociedade pode ser normal, mas também pode ser alta sociedade, alta-roda. Quanto à saciedade, designa o estado da pessoa que está completamente saciada, satisfeita, cheia, empanturrada. É muito raro uma pessoa sentir saciedade em relação à sociedade. E é muito comum o erro tipográfico que cai sobre o texto de um escritor ou jornalista que escreve prova-se à saciedade (prova-se plenamente), e que o tipógrafo sabichão "emenda" para prova-se a sociedade (o que não prova nada, a não ser que não conhece a palavra)...

O QUE EU "SUBE"

Ao contrário do que pode parecer à primeira vista, não se trata aqui de uma forma do verbo subir, mas sim de uma forma do verbo saber. Toda a gente sabe, e eu também sei, que há coisas que se sabem, há locais por onde se sobe – mas, quando eu quero falar de uma coisa qualquer que sobe ao meu conhecimento, devo dizer que eu soube dessa coisa, e não que eu sube da mesma...

O "TEFONE"

A palavra telefone é frequentemente pronunciada com a supressão de uma sílaba (le), e o resultado é tefone. Esta corruptela faz parte da linguagem habitual de certas classes sociais supostamente mais evoluídas, que têm uma curiosa tendência para falar de forma afectada e snobe. São as que começam muitas vezes as frases com Então é assim... e as terminam com Então vá!... É considerado muito chique...

            "TÓCHICO"

            Um produto tóxico é aquele que produz efeitos nefastos no organismo. Um produto tóchico é aquele que produz efeitos nefastos na linguagem... É que a pronúncia correcta é tócsico e não tóchico. No entanto, deve guardar-se uma certa condescendência perante este erro, pois o som do x, na Língua Portuguesa, é bastante variável, podendo ser pronunciada como ch (como em xadrez), cs (como em fixo), ou z (como em exame).

"TREUZE"

            Curiosa forma de pronunciar a palavra treze, que é muito característica dos naturais de certos bairros populares da capital. Os supersticiosos poderão argumentar que é um truque para não pronunciarem esse número, que consideram fatal – e, assim, evitarem os seus possíveis efeitos maléficos...

A "VÉSTORIA"

            Quando termina a construção de uma casa ou de um apartamento, e antes de ser emitida a respectiva licença de habitação, os serviços que superintendem tais casos (normalmente, as Câmaras Municipais) têm de autorizar a utilização do espaço, depois de uma operação a que a maioria das pessoas envolvidas chama véstoria... Está visto que se trata de uma corruptela da palavra vistoria, que descreve um exame, uma inspecção, para verificar se tudo está conforme as exigências das leis respectivas. No entanto, a véstoria tornou-se uma palavra tão repetida que a ouvimos, não apenas a simples serventes de pedreiro ou modestos empreiteiros, mas também a engenheiros diplomados e a arquitectos.   
           
O "VEZINHO"  

Cá está outra palavra que sofre do mesmo mal apontado anteriormente às palavras ministro, limite, pijama (que se pronunciam, muitas vezes, menistro, lemite, pejama) e mesmo nomes próprios como Filipe (Felipe). O mais importante, todavia, é ter bons vizinhos... ou mesmo vezinhos!
          
                                                                                                                               CONTINUA

15/05/2012

"O PORTUGUÊS PITORESCO" - Cap. 2

2. PALAVRAS (MAL)DITAS

São muito variados os fenómenos que levam à criação de hábitos estranhos, na pronúncia ou na escrita de algumas palavras. Nem sempre a ignorância é a causa principal dos erros. Frequentemente, a juntar à falta de conhecimento, ou à simples burrice, existe um hábito, uma influência, uma má interpretação ou, até, uma moda, que transforma essas palavras, fazendo com que elas sejam repetidamente pronunciadas, ou escritas, sob formas que estão evidentemente erradas, mas que se generalizaram ao ponto de, às vezes, até haver quem ache estranho ver essas palavras escritas, ou ouvi-las pronunciar, correctamente.

A preguiça de consultar frequentemente um Dicionário, acto que evitaria muitas asneiras, também não ajuda mesmo nada...

 Eis alguns casos, escolhidos entre os mais frequentes e mais curiosos.


NÃO "À" TEMPO...

Não, realmente não (não existe, não dispomos de) tempo para perder com este erro tão repetido e tão fácil de evitar, se as pessoas se lembrarem de que não têm (não há) possibilidade de dispor do tempo necessário para... Outro erro semelhante, mas de sentido contrário, acontece quando se escreve "ele foi cidade" (forma correcta: "ele foi à cidade"), em que a palavra à exprime sentido de movimento, não tendo nada a ver com o verbo haver.

"À CERCA"

É uma expressão um pouco complicada, por causa das suas diferentes aplicações. Há quem escreva, por exemplo: Eu já estive aqui à cerca de um ano. Errado! Neste caso, deve escrever-se há cerca de um ano... Quando surge numa só palavra, sem acento (acerca), significa a respeito de. Exemplo: Ele falou acerca de futebol... Com as duas palavras separadas e sem acento na primeira (a cerca) significam tempo ou distância aproximada. Exemplos: (Ele está a cerca de uma hora de casa, ou Ele vive a cerca de cem metros do emprego)... A forma à cerca só está correcta quando a palavra cerca é um substantivo. Exemplo. Ele está encostado à cerca do jardim... Finalmente, cerca pode ser uma forma do verbo cercar, com o sentido de circundar, rodear. Exemplo: O exército cerca o inimigo...Enfim, tudo isto para dizer que é preciso ter cuidado com as palavras – pois, como alguém disse um dia, a Língua Portuguesa é muito traiçoeira... Além de estar cercada de "ratoeiras gramaticais"...

OS "ACÓRDOS"

Talvez por analogia com o plural de porco (pronunciado pórcos) ou de povo (póvos), muita gente pronuncia acórdos em vez de acôrdos. O caso é polémico, como tantos outros da nossa rica Língua. Todavia, a maioria dos especialistas consultados opina que a forma mais correcta é acôrdos, com o o fechado. Não é dos casos mais graves.

O "AIROPORTO"

Sim, este é pior. A palavra aeroporto até nem seria muito difícil de pronunciar, se nos lembrássemos de que é composta por duas partes: aero (que vem do Grego aer e se refere ao ar, à atmosfera), mais porto (que vem do Latim portus e significa porta, local de passagem). Mas quem é que está com essas preocupações, quando se trata de dizer aeroporto? Muitos locutores de Rádio e Televisão adquiriram esse "vício" estranho de pronunciar airoporto – e ficam sinceramente admirados quando alguém lhes diz que não estão a pronunciar correctamente a palavra. Enfim, estarão com a cabeça no aero...

"AONDE" E "ADONDE"

A proposição a  indica direcção, pelo que é asneira perguntar Aonde estás?, mas já é correcto perguntar Aonde vais?, ou Aonde vai aquele comboio? A confusão com onde é natural, mas o que é certo é que as duas palavras têm usos diferentes. Certos escritores clássicos utilizavam aonde com a mesma função de onde, em linguagem informal, mas isso acontecia, exactamente, para sublinhar que estavam a usar uma forma de expressão popular. Falando em linguagem popular, assinale-se a existência de uma forma muito pitoresca, que é a palavra adonde.

O BOLETIM "METRIOLÓGICO"

Esta é das asneiras mais repetidas e, segundo parece, das mais difíceis de emendar. Pois bem, a palavra seria bem fácil de pronunciar correctamente, se as pessoas parassem por momentos para pensar nas suas componentes – que são meteoro (que vem do Grego e se refere ao que vem do alto, aos fenómenos celestes, como a chuva, o vento, etc.), e lógico (que também vem do Grego logós, linguagem, explicação, razão). Todavia, por razões de facilidade, muita gente diz meteriológico, ou metriológico, e esta barbaridade repete-se vezes sem conta, até mesmo, curiosamente... entre os Meteorologistas! – mas, sobretudo, entre os locutores de rádio e de televisão, que nem dão pelo erro, de tal forma este se vulgarizou na fala corrente, ao ponto de algumas pessoas se espantarem e franzirem o sobrolho quando escutam alguém que diz meteororológico, com todas as sílabas bem pronunciadas...  

OS "CANÓNES"

Talvez por influência da pronúncia de outras palavras como, por exemplo, canónico, há quem pronuncie canónes, em vez de nones, ao referir-se às normas ou regras, particularmente as que tratam da prática religiosa. Na verdade, chamam-se cânones os livros considerados pela igreja como sagrados e de inspiração divina. Noutro sentido, um cânone é uma peça de canto coral em que as várias partes repetem a parte inicial, em tempos diferentes. O vocábulo também serve para definir caracteres tipográficos.(pequeno cânone, carácter de 28 a 32 pontos Didot; grande cânone, carácter de 44 a 48 pontos Didot), Seja qual for o sentido em que é aplicada, a palavra é esdrúxula.

OS "CARÁCTERES"

            No singular, carácter, tanto no significado de sinal gráfico, letra, número, etc., como no sentido de feitio moral, conjunto de traços distintivos de uma pessoa ou coisa, pronuncia-se e escreve-se com acento tónico na penúltima sílaba. Mas, ao passar para o plural, esse acento tónico mantém-se na penúltima sílaba e, por isso, a pronúncia correcta é com acento no e, dizendo-se, portanto, caractéres e não carácteres.
 .
            "CARDEAL" E "CARDIAL"

            A palavra cardeal  tem o sentido de principal, importante. Um cardeal é um alto dignitário eclesiástico, que tem voto na eleição do Papa. Mas a mesma palavra, escrita da mesma forma, pode designar uma ave que se encontra principalmente na América do Sul. Ou um peixe teleósteo. Ou pode ser aplicada na designação de um ponto cardeal. Quanto à palavra cardial, está ligada a cárdia, cardíaco, Uma pequena diferença na escrita, mas uma diferença grande nos significados.

O "CHÂNCELER"

            Um Chanceler, ou Guarda-.selos, é um alto funcionário, encarregado, nas monarquias, de zelar pelo selo real. Noutros regimes, pode ser chefe do governo ou primeiro-ministro. Enfim, é alguém muito importante. Na Grã-Bretanha, tem o título de Lord Chancellor, o que equivale a ministro da Justiça, ou das Finanças. Talvez por influência da pronúncia inglesa, há quem diga este nome como se fosse esdrúxulo, chânceler, o que está errado. Mantenham o respeitinho pela pessoa e pelo cargo, mas tratem-na e chamem-na como deve ser: chancelér.

         "CÍSTER"

          

          Cisterciense é o nome de um membro da ordem religiosa fundada na Borgonha, no século XI, e cuja designação é Ordem de Cister (Cistér). Também se designa como cirterciense um estilo de arte, especialmente de arquitectura, aplicado pelos monges de Cister em catedrais e mosteiros. Não é correcto pronunciar a palavra com o acento tónico na sílaba Cis (Císter), como às vezes se ouve, o que até pode provocar confusão com a palavra inglesa sister (irmã), que não seria para aqui chamada, a não ser por graça...


"CÔCHES"

            Deve ser por contágio de palavras semelhantes, como coxos, mochos e outras, que muita gente fala do "Museu Nacional dos Côches", em vez de falar do "Museu Nacional dos Cóches", com o ó aberto. A palavra viajou do Checo kotxie, do Alemão Kutsche ou do Húngaro koksi, até vir parar a Lisboa, a um dos museus mais interessantes e que bem merece ser, como é, um dos mais visitados da capital.

O "CÔNJUGUE"
           
Concordemos num ponto: a palavra não é lá muito fácil de pronunciar. Por isso, muita gente simplifica, dizendo cônjugue em vez de cônjuge, com aqueles dois sons seguidos, je-je, que fazem enrolar a língua e complicam a dicção. Ora, se aturar o cônjuge, por vezes, já não é simples, designá-lo por este nome esquisito não é, afinal, menos complicado...

A "DESCRIÇÃO" E A "DISCRIÇÃO"

            Uma descrição é a representação oral ou escrita de qualquer coisa, uma enumeração pormenorizada, um relatório, um inventário. Quanto à discrição, é a qualidade de ser discreto, reservado, comedido. Esta é uma das esquisitices da nossa Língua, pois pareceria mais lógico usar o termo discreção para definir a qualidade daquilo ou daquele que é discreto. Mas... não é assim – os Gramáticos lá saberão porquê. Curiosamente, na expressão à discrição, já o sentido é muito diferente: em certos restaurantes, pode comer-se assim, à discrição, o que significa que se pode encher a barriga com tudo aquilo que conseguirmos meter lá para dentro, nada discretamente...

         A "DESCRIMINAÇÃO" E A "DISCRIMINAÇÃO"

            Eis dois homófonos que são frequentemente confundidos. A descriminação é o acto de isentar de crime. Assim, descrimina-se uma pessoa que tinha sido acusada de um crime qualquer, por se ter provado que não o cometeu. Quanto à discriminação, refere-se ao acto de separar, de segregar, de pôr à parte. O racismo é uma discriminação. Quer isto dizer que se trata de um conceito praticamente oposto ao da descriminação, e é preciso ter cuidado na utilização destas duas palavras, porque uma se refere a uma atitude, e a outra à atitude contrária.

O "DIFÍCEL"... E O "FÁCEL"

            Aqui, o problema é de pronúncia. Em certos meios sociais, criaram-se tiques da fala muito curiosos, que fazem substituir o som i por e. E o mais curioso é que isso tanto acontece nas classes com baixo nível de educação como nas pessoas chamadas "finas". Em ambas, é vulgar escutar palavras como estas: difícel, fácel, em vez de difícil, fácil. Eliminar estes hábitos é difícel – perdão, queria eu dizer que não é fácel...
           
O "EMIGRANTE" E O "IMIGRANTE"

            As duas palavras são tão parecidas que é fácil confundir a sua pronúncia. No entanto, designam coisas (ou melhor, pessoas) completamente diferentes. Um emigrante é precisamente o inverso de um imigrante. Este último, o imigrante, é o que entra num país que não é o seu, ao passo que o outro, o emigrante, é o que sai da sua pátria para ir viver noutro país. Às vezes, cruzam-se na fronteira...

"EMINENTE" E "IMINENTE"

            Mais um caso de palavras homófonas, com significados completamente diferentes, mas não opostos (como acontece, por exemplo, com as palavras emigrante e imigrante). Na verdade, o que uma delas designa não tem nada a ver com o que designa a outra. Eminente refere-se a alguém ou alguma coisa elevada, superior, que está acima dos demais (dai o título de Sua Eminência aplicado aos cardeais da igreja católica). Quanto a iminente, significa algo que está prestes a acontecer, ou que está mesmo a aproximar-se. A mistura dos dois conceitos só pode acontecer em casos muito raros e pouco prováveis. Por exemplo, se um bispo está prestes a ser designado cardeal, pode dizer-se que é um eminente iminente...

ELES "ENTRETIAM-SE"

O verbo entreter é um pouco difícil para muita gente, constituindo uma "rasteira" para quem pretende falar bom Português. Para quem tenha dúvidas a respeito das suas conjugações, o melhor é seguir as regras usadas para o verbo ter. Assim se evitarão asneiras como a da frase "os miúdos entretiam-se a jogar à bola", que deve ser corrigida para "os miúdos entretinham-se a jogar à bola".

           "ENVIUSADO"

É uma daquelas palavras cujo uso se explica (mal) pela dificuldade em pronunciar a palavra certa, que é enviesado, significando que está de viés, isto é, que está colocado em posição oblíqua. De um estrábico se diz que tem os olhos enviesados.

            A "ESTADA" E A "ESTADIA"

         A diferença está no tempo. Entende-se que uma estada é uma situação de permanência, em algum lugar, por tempo bastante prolongado, ao passo que a estadia será uma estada por tempo limitado. Assim, quem mora habitualmente em determinado local fará nesse local a sua estada; quem o visitar durante uns breves dias fará ali uma simples estadia.

         "EU SOU DOS QUE ACREDITO..."

            Como é que está correcto? Eu sou um dos que acredito ou Eu sou um dos que acreditam?... A forma correcta é a segunda, porque o verbo deve concordar com o sujeito, que neste caso é os, em substituição de aqueles. Portanto, Eu sou um daqueles que acreditam. É mais fácil de perceber: se virarem a frase do avesso e a escreverem com todos os elementos que completam a ideia: Entre aqueles que acreditam estou eu, que sou um deles, os que acreditam. No entanto, este erro é frequentíssimo, ouvindo-se e lendo-se e toda a hora frases como Ele faz parte dos que concorda com isto, quando deveria ouvir-se e ler-se Ele faz parte dos que concordam com isto.

"FÁÇAMOS", "PÓSSAMOS" E SIMILARES

A conjugação no conjuntivo atrapalha muita gente, em particular nos plurais. No verbo fazer, é fácil conjugar no singular: eu faça, tu faças, ele ou ela faça – mas as coisas complicam-se ao chegar ao nós façamos, que parece mais fácil pronunciar nós fáçamos. O mesmo para outros verbos, como poder:  eu possa, tu possas, ele possa, nós possamos... que às vezes sai nós póssamos. É preciso ter atenção a estas formas irregulares, e pensar um pouco antes de as usar, para que possamos falar bem, isto é, para que não fáçamos asneira...  

"FIZESTES"

No verbo fazer, aqui usado como exemplo, é frequente a confusão entre a segunda pessoa do singular e a segunda pessoas do plural. Deve dizer-se, respectivamente, tu fizeste e vós fizestes – mas ouve-se muito tu fizestes, tal como tu abristes, tu entrastes, tu comestes e por aí fora. Burrice ou falta de atenção? Seja qual for a explicação, é preciso usar as formas correctas: tu abriste, tu entraste, tu comeste, etc. De contrário, fizestes disparate...
                                                                                                                             CONTINUA

08/05/2012

NOVO LIVRO - "O PORTUGUÊS PITORESCO" - INÍCIO


O  PORTUGUÊS  PITORESCO

LUGARES-COMUNS  &  OUTRAS ESQUISITICES

DA  LÍNGUA  PORTUGUESA

 

PALAVRAS (MAL) DITAS

ONDE PONHO A VÍRGULA?

MANEIRAS DE FALAR

"BENGALAS" OU "BORDÕES"

LUGARES-COMUNS

CALÕES PROFISSIONAIS

LINGUAGEM INFORMÁTICA E SMS
TAUTOLOGIAS
PALÍNDROMOS
PROVÉRBIOS
& outras curiosidades da nossa curiosa Língua

                                      

Sumário

-         1.  Abertura
o       Com a Língua de fora...
o       Comunicação e suas variantes
o       A "verdadeira" Língua Portuguesa

-         2.  Palavras (mal) ditas

-         3.  Palavras que estão na moda

-         4.  Maneiras de falar
o       Algumas expressões pitorescas

-         5.  Bengalas ou Bordões

-         6.  Lugares-comuns
o       na Literatura, na Imprensa e na linguagem corrente

-         7.  Calões profissionais

-         8.  Linguagem Informática e SMS

-         9.  Regionalismos, Estrangeirismos, Neologismos

-         10.  Tautologias

-         11.  Palíndromos

-         12.  Onde ponho a vírgula?

-         13.  Curiosidades

-         14.  Trava-línguas

-         15.  Lengalengas

-         16.  Nomes esquisitos
o       Nomes de terras e nomes de gente
           
-         17.  Provérbios


1.  COM A LÍNGUA DE FORA...

Começo por explicar como está organizado este livro, para evitar expectativas exageradas e interpretações erróneas quanto à sua finalidade e à sua utilidade – e, antes de mais, para esclarecer as razões que me levaram a escrevê-lo.

Até posso começar por aqui: pelas razões.

Sempre tive curiosidade e interesse pela nossa riquíssima Língua. Sou praticante diário da consulta de Dicionários e Prontuários, espiolhando e analisando alguns fenómenos curiosos do uso do Português e descobrindo palavras e expressões pitorescas, algumas pouco conhecidas, outras conhecidas de mais – como, por exemplo, os lugares-comuns. Foi, aliás, a partir destes, e animado pela graça que encontro em muitos deles, que me deu para começar a seleccionar os temas que acabaram por formar o livro.

Não é uma Gramática, nem um Tratado, nem um estudo exaustivo, com análises minuciosas sobre fenómenos da Língua Portuguesa. Nada disso!... Não é uma obra profunda; é um simples apanhado de curiosidades com as quais costumo divertir-me (porque a Língua Portuguesa dá para a gente se divertir, sobretudo quando é mal usada). Aliás, os aspectos cómicos da sua utilização até são os que preenchem mais páginas do livro, como poderão verificar. Daí que não vale a pena procurarem nele explicações e definições eruditas. Não sou um Gramático, nem um Linguista, nem um Filólogo. Sou um Curioso que gosta da nossa Língua – e que se diverte com alguns dos seus aspectos mais divertidos.

Outra das facetas da obra, que vale a pena realçar, é que não se trata de uma simples listagem de frases curiosas, de provérbios, de anexins, de conceitos populares e coisas semelhantes. Disso já há bastantes exemplos, aí pelas prateleiras das livrarias e dos alfarrabistas. Neste livro, faço comentários em relação a slguns exemplos apresentados, tentando explicar, segundo o meu ponto de vista, as suas origens e os seus significados. Esse foi o ponto de partida, o motivo e o interesse do livro – para mim, que o fiz, e espero que também para si, que o lê.

Esclareço ainda que todo o texto foi escrito segundo as regras que aprendi nas Escolas que frequentei, e que são anteriores ao tão discutido Acordo Ortográfico que anda por aí a ser defendido por muitos e contestado por outros tantos. 

Mas, repito, a obra foi feita sem intenções didácticas ou professorais. Apenas com algum Humor.

Portanto, estamos entendidos: neste livro, e no que respeita a características científicas e técnicas – deixo a Língua de fora...    




COMUNICAÇÃO E SUAS VARIANTES

...E, no entanto, aqui vai um bocadinho de erudição – mas muito simplificada, nada de matéria complexa, apenas a que é essencial para se perceberem alguns dos fenómenos citados.

Dispomos, actualmente, de meios de Comunicação cada vez mais avançados e sofisticados – o que, paradoxalmente, não significa que as pessoas comuniquem melhor...
           
A Comunicação é um campo vastíssimo, do qual me limitarei a referir alguns casos que têm a ver (há quem diga "que têm a haver"...) com a Comunicação Verbal, com a Comunicação Escrita e, em particular, com a Comunicação por Internet

Além destas, como sabem, existem outras variantes, como, por exemplo, a Comunicação Não Verbal, que se pratica através das atitudes, dos gestos, das expressões faciais, das posições do corpo, etc. É, aliás, um capítulo fascinante, que costuma dar origem a situações muito curiosas, pela contradição que, às vezes, existe entre aquilo que se diz e aquilo que realmente se quer dizer...

Por exemplo: um rapaz, na força da sua viril adolescência, pede um beijo (ou algo mais atrevido...) a uma rapariga. Ela fica um pouco embaraçada (embora, actualmente, este tipo de reacção seja cada vez menos frequente), baixa os olhos e diz: – Nem pensar... Se o rapaz for ingénuo, pode concluir que se trata de uma resposta negativa. No entanto, a postura da rapariga poderá contrariar por completo as suas palavras. Estas dizem: – Não – ao passo que toda ela, na atitude e na expressão corporal, poderá estar a dizer: – Avança e beija, de que estás à espera?...

 Outro exemplo: um Político discute com outro Político, de cujas ideias discorda completamente. No entanto, o protocolo e as "boas maneiras" obrigam-no a tratar o seu interlocutor com urbanidade e, por isso, dir-lhe-á coisas como esta:Vossa Excelência tem uma evidente lacuna cultural e está a proferir uma inverdade!... Ora, em linguagem comum, diria, mais simplesmente:Você está a mentir, seu burro!...

Estes casos de Comunicação Não Verbal, ou, quanto ao segundo exemplo, de Comunicação Verbal Mascarada, são muito curiosos, mas não é este o tema central desta obra, e só os mencionei para efeitos de comparação com outros, sem esquecer que, em qualquer tipo de Comunicação, a Mensagem que se pretende transmitir passa por diversas fases, desde o Emissor (Eu) até ao Receptor (o Outro). Essas fases podem sintetizar-se da seguinte forma:





1. - A MENSAGEM (aquilo que Eu pretendo transmitir)

2. - O QUE SE DIZ OU ESCREVE (a forma como Eu digo ou escrevo a Mensagem que pretendo transmitir)
3. - O QUE SE RECEBE (aquilo que o Outro ouve ou lê, da Mensagem que Eu disse ou escrevi)

4. -  O QUE SE COMPREENDE (aquilo que o Outro entende, da Mensagem que Eu disse ou escrevi)

5. - O QUE SE GUARDA (aquilo que o Outro retém, na sua memória, da Mensagem que Eu disse ou escrevi).

Se analisarem com atenção a sequência destes fenómenos por que passa uma Mensagem, hão-de verificar que se trata de algo muito mais complicado do que parece à primeira vista!

Mesmo uma ideia muito simples, se não for transformada numa Mensagem (oral ou escrita) que seja fácil de elaborar e, depois, de entender, pode acabar por ser compreendida de forma completamente errada pelo Outro, o tal que a recebe, mas, se calhar, não a compreende, e muito menos a guarda na sua memória.

É por estas e por outras (aqui está um lugar-comum, ou melhor, uma frase feita...) que a Comunicação dá origem a tantos equívocos – por não ser bem tratada, por ser confusa, ou por ser elaborada por quem não domina a Língua e se serve constantemente de bengalas ou bordões da fala, de frases feitas, de lugares-comuns, de calões profissionais, etc.,






A "VERDADEIRA" LÍNGUA PORTUGUESA

Afinal, qual é a verdadeira Língua Portuguesa, original e puríssima, aquela que deve servir de paradigma e de modelo? A que se falava em Coimbra, no século XIX? (Dizia-se então que em Coimbra se falava o Português mais correcto, por influência da Universidade). Outra língua, mais antiga, do tempo de Camões? Ou ainda outra, mais lá de trás, do tempo de D. Dinis? Ou seria preciso recuar até à fundação da nacionalidade, e falar como D. Afonso Henriques?... Talvez, mas é difícil saber como ele falava, na realidade. Talvez um dialecto galego, quem sabe, misturado com termos franceses, por influência paterna... Levando a pesquisa até onde é possível, teríamos de aceitar que a Língua Portuguesa se baseou na variante Latina que os Romanos aqui usaram, bem misturada com o Árabe e com termos provenientes de uma grande variedade de dialectos, utilizados pelos sucessivos invasores e ocupantes antigos destas terras... Quer isto dizer que uma Língua Portuguesa puríssima, original, única, que sirva de padrão e de base à nossa actual Gramática, à Sintaxe, ao Vocabulário que usamos todos os dias – é coisa que não existe! Século após século, influência sobre influência, a Língua foi-se moldando aos tempos e às circunstâncias. E nunca parou de mudar. Muda ainda hoje, todos os dias, à medida que novas palavras, novas expressões, neologismos, estrangeirismos, modas, até mesmo novas gírias e novos calões profissionais, vão entrando nela.

A Língua não se mantém estática. Se fosse possível, humana e tecnicamente, fazer num único dia de trabalho, um Dicionário perfeitamente actualizado da Língua Portuguesa – esse trabalho iria para o lixo logo na manhã seguinte, porque, durante a noite, já teriam aparecido novos termos e novas expressões, que causariam a sua imediata desactualização!

Óbvia é a constatação de a nossa Língua ter sido invadida, nos últimos tempos, por uma variada colecção de palavras e expressões provenientes da Informática, sublinhando assim a importância que as novas tecnologias vão tendo na nossa vida. Os velhos Gramáticos, os Puristas, sempre irritados com a substituição do Português antigo por "modernices" que os escandalizam, refilam contra esta invasão – tal como, noutras épocas, já refilaram contra a moda dos francesismos, dos inglesismos e outras incursões estranhas na sacrossanta Língua Pátria. Alguns escritores, hoje considerados clássicos, fartaram-se de ser atacados por causa dessas "traições contra a pureza da Língua". Quem hoje se delicia com a prosa de Eça de Queiroz, frequentemente recheada com saborosos termos afrancesados, mal imagina os ataques que ele suportou, na sua época, por causa desses atrevimentos que chocavam os Académicos de então.

Devo dizer que não vejo nenhum inconveniente na inclusão de palavras, vindas de fora, na Língua Portuguesa. Penso que isso apenas a enriquece. Por outro lado, a luta contra essa invasão é uma luta perdida – porque, por mais que os Puristas reclamem e esbracejem contra esse ataque à desejada pureza do Português, não há nenhum decreto, nem ninguém, que consiga travar tal fenómeno. A atitude mais sensata é aceitá-lo como coisa natural – e conviver calmamente com ele.


Pronto (ou prontos!, como preferirem e tão frequentemente se usa), termino aqui este intróito, preenchido com uma abordagem muito sumária à teoria básica da Comunicação e com considerações muito genéricas, avançando para a frente (tautologia) com os temas que compõem esta obra, com algum destaque para os lugares-comuns

Por vezes, estes, os lugares-comuns confundem-se com outras expressões mais ou menos pitorescas, como os provérbios ou ditados populares. Irão encontrá-los num capítulo separado.

Noutros capítulos, haverá uma abordagem à linguagem Informática, aos palíndromos, aos calões profissionais e a outras esquisitices várias da nossa esquisita Língua. 





                                  

Se fosse possível, humana e tecnicamente, fazer num único dia de trabalho, um Dicionário perfeitamente actualizado da Língua Portuguesa – esse trabalho iria para o lixo logo na manhã seguinte, porque, durante a noite, já teriam aparecido novos termos e novas expressões que causariam a sua imediata desactualização!