19/05/2012

"O PORTUGUÊS PITORESCO" - Cap. 2 continuação

"HÁDES"

            As formas hádes e hádem são indesculpáveis corruptelas das formas hás-de e hão-de, do verbo haver – às vezes por distracção, outras vezes por ignorância. Recomenda-se uma revisão regular da velha Gramática, para evitar calinadas deste tipo.
           
"HOUVERAM"

            O verbo haver, quando significa existir (exemplo: há muita gente na rua), ou quando indica tempo decorrido (exemplo: há uma hora que espero), é impessoal, por isso apenas se conjuga na primeira pessoa do singular: há, havia, houve, haveria, haverá, etc. Assim, formas como houveram... não .

ELES "INTERVIAM"

            O verbo intervir conjuga-se como o verbo vir. É fácil não errar, recordando esta regra. Por isso, não se diz eles interviam, mas sim eles intervinham – e também se diz ele interveio, os outros intervieram, etc.

OS "JÚNIORES" E OS "SÉNIORES"

            No singular é uma coisa, no plural é outra... Essa é a regra – que ninguém segue... Quando se fala de um só júnior, a palavra tem o acento tónico na sílaba ; mas, quando eles são muitos, a sílaba tónica vai lá mais para diante, e deve escrever-se juniores e e dizer-se junióres. Isto porquê? Porque em Português as palavras têm acento tónico: 1) na última sílaba (oxítonas),  2) na penúltima sílaba (paroxítonas), ou  3) na antepenúltima sílaba (proparoxítonas, também chamadas esdrúxulas). Ora, se usássemos o acento tónico na sílaba , estaríamos a usar qualquer coisa como uma palavra "proproparoxítona" – coisa que não existe na nossa língua. Portanto, há que dizer junióres, embora se escreva juniores – mas nunca júniores.
As mesmas regras servem para a palavra seniores, que se pronuncia senióres, por ser uma proparoxítona (isto é, com acento tónico na antepenúltima sílaba).

"LESBOA"

            Pode dizer-se que é uma pronúncia muito... lesboeta. Toda a gente sabe como se escreve o nome da cidade, com i, mas muita gente, sabe-se lá porquê, tem o hábito de lhe chamar Lesboa. Não é grave – mas é estranho.

         A "MÉDIA" E A "MÍDIA"

            Pondo de lado as conotações matemáticas da palavra média, o significado de que se fala aqui é o que está ligado à sua utilização para definir os meios de comunicação. Quer isto dizer que, em Português, já existia a palavra média para designar, por exemplo, grandezas equidistantes dos extremos de outras grandezas (altura acima da média, temperatura dentro da média, etc.) – mas passou a usar-se a palavra mídia (do Inglês, língua na qual a palavra se escreve media, abreviatura de mass media), para designar os jornais, a tv, a rádio, os cartazes, os folhetos, o cinema, a internet, etc. A partir daí, a mídia (que os Brasileiros utilizam assim mesmo, com i) foi transformada em média, o que provoca por vezes confusão, exactamente porque a palavra já existia no Português, com o tal significado anterior. Assim, é hoje vulgar utilizar-se uma ou outra das designações – média ou mídia – quando se fala de suportes de difusão da informação. Quer se utilize, em Português, uma ou outra, o uso é correcto. Só um pormenor: se aparecer escrito media, sem acento, está a usar-se a palavra original em Inglês

O "MENISTRO"

Aqui está uma maneira de falar (não de escrever) que aparece com muita frequência em certas camadas de pessoas que, sendo geralmente educadas e cultas, usam linguagem sofisticada e artificiosa. A troca do i pelo e mudo também acontece em palavras como pijama (dizem pejama), limite (dizem lemite), etc. 

"MUNTO"
           
            A palavra muito é difícil de pronunciar para muita gente, que a substitui por esta forma munto mais fácil, munto mais popular e munto mais pitoresca... não deixando de estar munto mais errada...

A "PARTELEIRA"

Vamos por partes: uma parteleira não é, ao contrário do que poderia supor-se, um "conjunto de várias partes"... É a corruptela mais frequente da palavra prateleira, que não é mais do que uma placa horizontal, de madeira, de metal, etc., que se fixa na parede e pode servir para guardar pratos (daí a origem do nome), ou livros, ou outros objectos. Não serve, certamente, para guardar partos....  

A "PERCA" E A PERDA

Uma perca é um peixe de água doce, muito apreciado pelos amantes de peixes do rio. Quando alguém vai à pesca e não consegue apanhar uma perca, isso significa uma grande... perda. No entanto, é bastante comum dizer-se e escrever-se perca quando se fala de algo que se perdeu. Alguns dicionários admitem, com reservas, esta forma, que tem origem, provavelmente, na contaminação através da 1ª pessoa do singular do indicativo do verbo perder: "eu perco". Mas é mais correcto deixar a perca no rio e pôr a perda na fala e na escrita.

O "PERIÚDO"

Ora aqui está um fenómeno incómodo – e não só para as senhoras, mas para todos os indivíduos que, independentemente do sexo, sofrem regularmente da prática de um erro muito comum, que consiste em mudar a acentuação da palavra período. Em vez de acentuarem o i, acentuam o o, transformando o seu som em u... Resultado: um periúdo muito incomodativo para os nossos ouvidos...

OS "PIQUENOS"

Enquanto a pronúncia de certas palavras é adulterada mudando o som i para e mudo (caso do menistro, atrás citado), também acontece o inverso, na linguagem pretensamente fina de algumas pessoas, que acham elegante referir-se aos seus piquenos desta forma carinhosa mas um pouco ridícula.

O "PISA-PAPÉIS"

Aqui está uma expressão (pisa-papéis) que os Dicionários consideram errada, mas que me atrevo a classificar como, pelo menos, mais lógica do que aquela que é oficialmente aceite: pesa-papéis, designando desta forma um objecto que se coloca sobre um monte de papéis, para evitar que se extraviem. Parece-me mais correcta a forma pisa-papéis. Porquê? O verbo pisar significa calcar, dominar, enquanto o verbo pesar significa determinar o peso. Ora, quando se coloca um objecto sobre um monte de papéis, esse objecto não está a pesar os papéis, mas a pisá-los... Portanto, entro aqui em polémica com o que dizem os Dicionários, excluo a forma pesa-papéis, que me parece tonta, e apadrinho a forma pisa-papéis. Não imponho a minha opinião, limito-me a manifestá-la.

A "POISIA"

Quem diz poesia deve ter uma voz bem colocada e ser capaz de pronunciar correctamente todas as palavras. Ora uma das palavras mais importantes, quando se lé uma poesia... é a palavra poesia. Paradoxalmente, há quem a pronuncie desta forma estranha: poisia – como também hás quem diga puésía... Qualquer destas formas é muito pouco poética e muito pouco correcta. Os poetas agradecem que as suas obras não sejam mal ditas...

AS "PORPIEDADES"

Habitualmente, é por piedade que não corrigimos as pessoas que dizem "as minhas porpiedades" em vez de "as minhas propriedades". Há quem, tendo propriedades terrenas, não tem o privilégio de possuir outras, aquelas que são proporcionadas pela Educação e pela Cultura. Há, assim, muitos porpietários de bens valiosos que nunca tiveram a propriedade de um simples Dicionário... Tende piedade deles!

POR QUE SIM E "PORQUE" NÃO

A razão por que se escreve esta nota é porque este é um probleminha linguístico um pouco difícil de analisar. Quando se diz a razão por que, estamos a falar da razão pela qual (por a qual), daí ter que se usar as palavras por e que separadas, tendo o que função de pronome relativo. Exemplo: Sei a razão por que vieste (Sei a razão pela qual vieste)... Então, quando se deve usar o advérbio porque? Quando liga duas orações coordenadas, em que a segunda explica a asserção contida na outra. Exemplo: Não vim porque não pude. Complicado? Um pouco. Mas nada que não se resolva com um pouco de atenção.

A "PÚDICA" E O "PÚDICO"

São palavras que, à maioria das pessoas, dá mais jeito dizer assim, com esta pronúncia esdrúxula, ainda que muitos Linguistas afirmem que as formas correctas são pudica e pudico, com acento na penúltima sílaba. Outros, porém, defendem que as duas formas são aceitáveis, de maneira que podemos colocar o acento onde preferirmos, pois o significado será sempre o mesmo: ser púdica, ou pudica, é ser casta, ter pudor, ser recatada. No masculino, os significados são idênticos. E nos antónimos impúdica ou impudica, impúdico ou impudico, é tudo idêntico, evidentemente – isto é, são expressão de pouca-vergonha... 

"QUAISQUERES"

Palavra inventada para funcionar como uma espécie de plural de quaisquer... Só que esta, por sua vez, já é uma espécie de plural de qualquer. Assim, a fantasiosa palavra quaisqueres não tem qualquer razão de existir, e deve ser banida da nossa linguagem.

O QUE EU "RETI" E O QUE NÃO RETIVE

 Seria mais fácil e mais rápido dizer eu reti, mas a forma correcta é eu retive, porque o verbo reter, com o significado de guardar, conservar, conjuga-se à semelhança do verbo ter. Ora não se usa eu ti, mas sim eu tive.

A "RÚBRICA"

Seja qual for o sentido em que a palavra é utilizada (e há muitos, desde assinatura abreviada, título de capítulo de livro, letra ou linha inicial de capítulo, nota à margem, indicação de actuação e, até, almagre ou argila avermelhada) a forma correcta é rubrica, com acento tónico na penúltima sílaba, e não rúbrica, com acento na antepenúltima, como tantas vezes se lê e ouve.

A "RUNIÃO"

Aqui está outro exemplo de um som que é "comido" na pronúncia. Uma reunião passa a chamar-se runião – e a frequência com que o pretexto das reuniões serve para "despachar" um visitante ou um interlocutor incómodo faz com que esta palavrinha seja utilizada muitas e muitas vezes, diariamente, para preservar a tranquilidade dos Senhores Importantes, que estão sempre (ou querem que se pense que estão) em sucessivas e importantes runiões...

"SEDEAR"

Palavra utilizada frequentemente para referir um local que serve de sede, mas que, na verdade, tem o significado de limpar com escova de seda (por exemplo, objectos de ouro ou de prata). A palavra que define uma sede é sediar (O clube está sediado num grande edif'icio). 

A "SOCIEDADE" E A "SACIEDADE"

Lá por serem muito parecidas, não se pode concluir que tenham significados iguais, nem sequer parecidos. A sociedade define-se como um agrupamento de seres que vivem em estado gregário e em colaboração mútua. A sociedade pode ser normal, mas também pode ser alta sociedade, alta-roda. Quanto à saciedade, designa o estado da pessoa que está completamente saciada, satisfeita, cheia, empanturrada. É muito raro uma pessoa sentir saciedade em relação à sociedade. E é muito comum o erro tipográfico que cai sobre o texto de um escritor ou jornalista que escreve prova-se à saciedade (prova-se plenamente), e que o tipógrafo sabichão "emenda" para prova-se a sociedade (o que não prova nada, a não ser que não conhece a palavra)...

O QUE EU "SUBE"

Ao contrário do que pode parecer à primeira vista, não se trata aqui de uma forma do verbo subir, mas sim de uma forma do verbo saber. Toda a gente sabe, e eu também sei, que há coisas que se sabem, há locais por onde se sobe – mas, quando eu quero falar de uma coisa qualquer que sobe ao meu conhecimento, devo dizer que eu soube dessa coisa, e não que eu sube da mesma...

O "TEFONE"

A palavra telefone é frequentemente pronunciada com a supressão de uma sílaba (le), e o resultado é tefone. Esta corruptela faz parte da linguagem habitual de certas classes sociais supostamente mais evoluídas, que têm uma curiosa tendência para falar de forma afectada e snobe. São as que começam muitas vezes as frases com Então é assim... e as terminam com Então vá!... É considerado muito chique...

            "TÓCHICO"

            Um produto tóxico é aquele que produz efeitos nefastos no organismo. Um produto tóchico é aquele que produz efeitos nefastos na linguagem... É que a pronúncia correcta é tócsico e não tóchico. No entanto, deve guardar-se uma certa condescendência perante este erro, pois o som do x, na Língua Portuguesa, é bastante variável, podendo ser pronunciada como ch (como em xadrez), cs (como em fixo), ou z (como em exame).

"TREUZE"

            Curiosa forma de pronunciar a palavra treze, que é muito característica dos naturais de certos bairros populares da capital. Os supersticiosos poderão argumentar que é um truque para não pronunciarem esse número, que consideram fatal – e, assim, evitarem os seus possíveis efeitos maléficos...

A "VÉSTORIA"

            Quando termina a construção de uma casa ou de um apartamento, e antes de ser emitida a respectiva licença de habitação, os serviços que superintendem tais casos (normalmente, as Câmaras Municipais) têm de autorizar a utilização do espaço, depois de uma operação a que a maioria das pessoas envolvidas chama véstoria... Está visto que se trata de uma corruptela da palavra vistoria, que descreve um exame, uma inspecção, para verificar se tudo está conforme as exigências das leis respectivas. No entanto, a véstoria tornou-se uma palavra tão repetida que a ouvimos, não apenas a simples serventes de pedreiro ou modestos empreiteiros, mas também a engenheiros diplomados e a arquitectos.   
           
O "VEZINHO"  

Cá está outra palavra que sofre do mesmo mal apontado anteriormente às palavras ministro, limite, pijama (que se pronunciam, muitas vezes, menistro, lemite, pejama) e mesmo nomes próprios como Filipe (Felipe). O mais importante, todavia, é ter bons vizinhos... ou mesmo vezinhos!
          
                                                                                                                               CONTINUA

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