23/05/2012

"O PORTUGUÊS PITORESCO" - Cap. 3

3. PALAVRAS QUE ESTÃO NA MODA
Há palavras que repousam descansadamente na poeira dos alfarrábios durante anos seguidos – e que, de repente, saltam cá para fora, surgem inesperadamente num discurso, num comunicado ou num artigo de jornal, e ei-las aproveitadas logo de seguida, noutro discurso, noutro comunicado ou noutro artigo de jornal – porque são engraçadas, porque são insólitas, porque parecem originais. Daí para a frente, são como um vírus: pegam-se, espalham-se, invadem a fala e a escrita de toda a gente, passam para o vocabulário corrente, mesmo quando, muitas vezes, nem se sabe ao certo o seu significado preciso...
           
Outras são mesmo novas, e o seu aparecimento pode ser causado por adaptações ou más traduções de palavras estrangeiras; ou, mais simplesmente, por modas rapidamente adoptadas por toda a gente, simplesmente por se achar que se trata de "palavras bonitas".

            São alguns desses exemplos que apresento em seguida, com os respectivos comentários – não propriamente sobre as origens, mas sobre os usos (e, às vezes, os abusos) dessas expressões.


ALAVANCAR

            Foi Arquimedes quem disse a frase famosa: "Dêem-me uma alavanca e um ponto de apoio e moverei o mundo"... Se vivesse entre nós, hoje, e escutasse como falam os Portugueses modernos, poderia ter sido mais objectivo, dizendo: - Se eles não alavancam o país, muito menos alavancam o mundo... Pois é este o verbo fácil que entrou na moda e serve para exprimir a ideia de activar, animar, estimular, empurrar, impelir, facilitar, impulsar, impulsionar, incitar, instigar – palavras que poderiam descrever uma acção positiva, mas cuja utilização pareceria mal, nos tempos modernos, existindo esse outro verbo que nos remete para tempos antigos, para essa Grécia em que se usava a Física, a Matemática e a Retórica para alavancar ideias importantes.

ANIMAL POLÍTICO

            Um animal político não é bicho que encontre classificação dentro dos limites da Zoologia. Mais facilmente se define dentro do universo político, como alguém que domina, morde, arranha, ataca e reage, de forma quase animalesca, aos fenómenos históricos da sua época. Em Portugal, podem apontar-se vários exemplos, classificáveis nesta categoria, como o Marquês de Pombal, D. Miguel, Fontes Pereira de Melo, António José de Almeida, Salazar. Álvaro Cunhal, Mário Soares... Todos diferentes, todos iguais numa coisa: a Política, para eles, era e é a Vida, a Selva na qual, como animais políticos, se sentem bem. 

ARRUADA

            Nome aplicado a uma acção que se passa numa rua (também pode ser num largo, ou numa praça), por vezes com mobilização de um grande ajuntamento de pessoas, habitualmente berrando contra, ou a favor, de alguém ou alguma coisa. Mais habitualmente contra... A arruada é particularmente querida pelos Políticos, que assim têm a ilusão de contactar com o "povo", dele recebendo aplausos, palmadas nas costas e outras manifestações – as quais, embora praticamente sem qualquer significado, costumam ser levadas muito a sério.

ATEMPADAMENTE

Advérbio muito pomposo, inventado para significar que determinado acontecimento se passou na altura própria. Nem antes nem depois. Poderia ser substituído por a tempo, no devido tempo, ou dentro do prazo, por exemplo... mas essas expressões corriqueiras estariam longe de provocar o fascínio que suscita uma palavra tão magnífica como esta, no meio de um discurso.

ATITUDE AUTISTA

            Utiliza-se, em geral, para definir uma tomada de posição contrária aos interesses de quem fala. O adjectivo não é, evidentemente, aplicado com o seu significado científico exacto, mas em sentido metafórico. Na verdade, um autista é alguém que perdeu a relação com o mundo circundante. Ora, quando, por exemplo, alguém acusa um adversário de ter uma atitude autista, não está, normalmente, a acusá-lo de não viver neste mundo – mas sim de ele ter uma opinião oposta à sua, sobre um assunto qualquer em discussão. A acusação não tem nada a ver com questões psico-fisiológicas – apenas pode dar belas manchetes nos jornais. No entanto, em resultado de muitas reclamações sobre o trauma que o seu uso pode causar a quem tem de lidar com o verdadeiro autismo, o termo começou a ser evitado, para evitar melindres.

CONJUNTURA

Ora aqui está um substantivo que vem sempre acompanhado do adjectivo grave. ou outro com sentido semelhante. Não há conjunturas simples, são todas conjunturas graves, no discurso Politiquês (v, capítulo 7 – "Calões Profissionais").  A toda a hora se fala da grave conjuntura económica, da delicada conjuntura política ou da gravíssima conjuntura social, que fazem parte do vocabulário comum dos dirigentes de qualquer país, servindo para enfeitar discursos, sem que alguém explique do que realmente estão a falar e, mais importante que isso, o que estarão a pensar fazer para deixarem de falar de tais horrores.

 

CONSENSUALIZAR


            Outra expressão típica do dialecto Politiquês, que exige palavras complicadas como esta para designar coisas simples, como obter acordos ou concordar. Nem toda a gente tem coragem para utilizar palavrões tão majestosos como este – mas quem os usa fica muito bem visto por quem os escuta – esta é uma ideia para a qual é fácil consensualizar toda a gente.
           
CONTINGENCIAR

            Tecnicamente, trata-se do nome dado a uma intervenção para estabelecer limites à produção, importação ou exportação de um produto qualquer. Isto é, quando se estabelecem contingentes (seria mais simples chamar-lhes limites), por exemplo, para a produção de batatas e para a venda das mesmas para o estrangeiro, bem como para a compra de batatas de outros países. Até aqui, menos mal. O pior é quando se emprega o mesmo conceito para outros fins, como acontece quando um patrão informa os empregados de que "existe um contingenciamento da verba disponível para ajustes salariais", o que só um especialista conseguirá traduzir desta forma popular: "Ó malta, o que o patrão tá a dizer é que não há cacau para aumentos de ordenados!". Aí, toda a gente percebe – e segue-se a greve.

             

CRESCIMENTO NEGATIVO

            Todos aprendemos, na nossa infância, que estamos a crescer para nos transformarmos em gente adulta... Ora, na nossa ingenuidade infantil, pensamos então que crescer significa aumentar de altura, de peso e de importância, que é o que nos diz o dicionário. Todavia, a certa altura das nossas vidas, vêm uns senhores que sabem mais do que nós e nos explicam, em cerrado Economês  (v. capítulo 7 "Calões Profissionais"), que estamos em pleno crescimento negativo. As nossa mentes simples têm dificuldade em apreender o conceito. Como se pode crescer para baixo? Parece coisa esquisita, improvável e inexplicável. E é mesmo – para todos, menos para os Economistas e os Políticos, que têm explicações para tudo, embora elas não estejam ao alcance das inteligências comuns. Com alguma dificuldade, vamos então interiorizando essa nova dimensão da nossa vida, em que existem coisas que crescem... diminuindo.

CRISE

            Esta não se pode considerar, de forma alguma, uma palavra nova. Pelo contrário. Em todas as épocas da nossa História, a palavra crise está presente, associada a factos e factores diversos, que vão da política à pesca do atum. Historicamente, recordo a crise de 1383/1385, relacionada com a sucessão ao trono real. Mas há outras, mais recentes, como a crise provocada pelo ultimatum inglês, no tempo do Rei D. Carlos, ou a crise financeira que levou um certo professor de Coimbra a livrar-nos de todas as crises durante cerca de quarenta anos... Há crises mundiais, que sempre serviram para justificar as crises nacionais. Há crises no Teatro, no Cinema, nas Artes em geral. Há crises no Ensino, na Cultura e na produção de rolhas de cortiça. Daí a minha teoria, que subscrevo com toda a convicção: se apenas houvesse crise para alguns, a crise seria uma coisa gravíssima; mas, havendo crise para todos, estamos todos nivelados e, consequentemente, não há crise para ninguém!

DESENVOLVIMENTO SUSTENTADO

Toda a gente percebe, mais ou menos, o que significa desenvolvimento. Já é mais complicado entender o que significa desenvolvimento sustentado (ou sustentável), uma coisa algo misteriosa de que muito se fala nos discursos políticos e económicos, mas que ninguém explica o que é, em linguagem comum. O que parece não ser urgente, uma vez que, como nos estão sempre a dizer, parece não existir, actualmente, espécie alguma de desenvolvimento... Ora, sendo assim, não vale a pena andar à procura dos significados duma coisa que está, pelos vistos, suspensa, não se sabendo quando reaparecerá.

ELENCAR

            É um termo muito fino, que entrou há relativamente pouco tempo no vocabulário corrente, mas que subiu com rapidez a um patamar de prestígio. É claro que elencar podia ser muito apropriadamente substituído por listar, catalogar, enumerar e outras palavras simples. Mas uma pitadinha de presunção fica sempre bem em qualquer texto, não é verdade? 

EMPREENDEDORISMO

            A palavra não se encontra nos Dicionários normais, mas a gente entende que deve referir-se à qualidade de alguém que empreende, isto é, que realiza uma tarefa difícil e trabalhosa. Talvez não fosse difícil substituí-la por algo menos pernóstico, como iniciativa, ou desembaraço, ou diligência, mas isso não daria talvez a entender, às gentes mais vulgares, que há coisas que só estão ao alcance de mentes complexas. Também convém saber que a palavra antónima de empreendedor é, inesperadamente (confirmem no Dicionário, porque essa está lá), a palavra malandro,,,

EMPREGABILIDADE

            Sempre com a louvável intenção de facilitar a busca de cargos bem remunerados apenas para os mais capacitados, usa-se esta interessante palavra com o sentido de realçar a dificuldade que tal tarefa representa, para quem não domina as palavras mais complicadas da nossa Língua – e não deve, assim, tentar ascender aos cumes de uma alta empregabilidade, limitando-se a aspirar pela modéstia de um empregozito mal pago.

ESTUDO DE VIABILIDADE

            Designação para um relatório, normalmente muito bem remunerado, com o qual um especialista ou uma equipa técnica garantem que determinada iniciativa pode realizar-se sem problemas de maior – a não ser, naturalmente, as habituais derrapagens financeiras, os atrasos na concretização e outros pormenores miúdos que fazem parte dos episódios normais de qualquer iniciativa tecnicamente viabilizada.

FICCIONAR
           
Significa praticar um exercício de imaginação, através do qual se constrói uma imagem falsa, porém tão bem arquitectada que uma pessoa ingénua chega a aceitá-la como verdadeira. Muito usado em várias etapas da vida, desde a mais tenra infância (lugar-comum), em que se escutam histórinhas muito lindas, normalmente cheias de conceitos morais – até à idade adulta, em que se escutam outras histórias, igualmente inventadas, normalmente cheias de conceitos imorais. Entra as ficções infantis, conta-se, por exemplo, a edificante história do lobo que come a avozinha de uma menina que usa chapelinho vermelho, ao qual depois se abre a barriga com uma faca para tirar de lá a velhota, tudo isto à vista da criancinha, que fica assim preparada para assistir impávida às "séries de hospital" da televisão. Quanto às ficções para adultos, as mais conhecidas são aquelas em que os Políticos pedem a compreensão e o apoio do Povo para o tremendo sacrifício que é a sua vida, empoleirados nos seus altos cargos, que tanto trabalho lhes dão... Para qualquer destes exercícios é preciso saber ficcionar muito bem.

IMPLEMENTAR

            Um dos verbos mais populares no discurso político, utilizado com vantagem em vez de pôr em execução, pôr em prática, realizar, resolver e outros que dariam ao palavreado dos discursos oficiais um lamentável tom rasteiro e pouco categorizado. Felizmente, alguém se lembrou ou teve a sorte de achar, nas páginas menos frequentadas de algum Dicionário, esta bonita palavra implementar, que tanto lustro dá aos textos e às falas de quem

                                                                                                                                     CONTINUA

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