01/11/2012

E SE O 25 DE ABRIL TIVESSE FALHADO? (8)

Quem iria substituir o Presidente do Conselho de Ministros? A grande surpresa! Uma solução genial e completamente inesperada!

 

A resposta veio, rápida e fulminante:

- Não vai ser um sucessor – vai ser... uma sucessora!

- O què?! Não me diga! Uma mulher?... Que grande surpresa! Mas quem, Senhor Presidente?

Fez-se um silêncio, uma pausa quase insuportável para o pobre ex-Presidente do Conselho, que estava nitidamente abananado com aquela situação. E que insistia:

- Mas quem? Quem é essa mulher?

Veio então a inesperada revelação, que caiu que nem uma bomba:

- É a senhora Dona Maria de Jesus Caetano Freire!

- O quê?! Caetano como eu, mas Freire? Maria de Jesus?! A Maria, a governanta?...

- Essa mesma! A governanta fiel do Senhor Doutor Salazar. 
    
Foi o espanto completo! Eis ali uma solução originalíssima para a situação delicada em que ficara o país, perante a ameaça daquela revolução (felizmente abortada) que se preparava para pôr a nossa querida Pátria de pernas para o ar. Sua Excelência o ex-Presidente do Conselho, Senhor Professor Doutor Marcello José das Neves Alves Caetano (o qual, a partir de agora, passará a ser designado mais simplesmente por "o Caetano", ou "o Marcelo", só com um "l"), ainda mal refeito da surpresa que desabara sobre ele, atreveu-se a perguntar:

- E eu, Senhor Presidente? Que cargo importante irei ocupar agora, como recompensa pelos valiosos serviços que, durante tantos anos, prestei à Nação?

A resposta veio, imediata e cortante:

- Você, Caetano, não vai ocupar cargo algum, pelo menos no nosso país. Esse costume de disponibilizar bons tachos aos ex-membros do Governo é coisa que vai acabar.

- Impossível! Sempre foi assim, desde a fundação da nacionalidade!

- Pois já é tempo de mudar, pelo menos em relação à sua pessoa. Eu não o quero cá por perto. Vai ser despachado como um vulgar emigrante, daqueles que vão lá para o Estrangeiro-de-Fora, trabalhar nas obras! Vai para o Brasil!

- Para o Brasil?!! Ora essa! Mas... porquê o Brasil? Eu até nem gosto lá muito de samba...

- Então abra lá uma padaria, que é o que fazem muitos dos nossos compatriotas. Vamos lá, ó Caetano! Está acabada a conversa. Vá, chô, andando!

E foi assim que Sua Excelência o Senhor Presidente Américo de Deus Rodrigues Thomaz, o Grande Comandante, se viu livre daquele empecilho – que foi imediatamente metido num avião para o Rio de Janeiro, em classe turística, com duas maletas onde enfiara à pressa umas camisas, uns pares de peúgas e um exemplar do seu Código de Direito Corporativo.

Por lá ficaria durante os anos que lhe restaram de vida, a dar aulas e a resmungar contra o que considerava uma injustiça muito grande – mas que não era mais do que o resultado da fina estratégia do Grande Comandante para limpar o nosso bem amado País de todo e qualquer resquício dessas ideias perigosíssimas que conduzem à malfadada Democracia, cruzes, t'arrenego, até a palavra me causa engulhos!

  
Manobras de bastidores. Os Pretendentes aos Poleiros discutem os últimos acontecimentos e combinam as suas estratégias.    

A resolução do Grande Comandante não deixara espantado apenas o pobre do Caetano. Também outros comparsas da projectada tragédia que estivera preparada para eclodir na nossa bem amada Pátria tinham ficado literalmente de cócoras perante aquela sua pronta reacção, aquela atitude tão firme e, sobretudo, tão inesperada.

Uma reunião secreta, nesse mesmo dia, entre alguns daqueles que supunham ter capacidade para governar esta terra, e esperavam ansiosamente pela possibilidade de subirem ao desejado poleiro, foi bem demonstrativa da estupefacção que os atingira. Estavam entre eles os mais cotados políticos da época, que se reuniram espontaneamente, em local discreto – mais concretamente, numa ampla casa de banho do Ministério dos Negócios Estrangeiros, forrada a mármore de Estremoz e com louças sanitárias espanholas – longe, portanto, de ouvidos bisbilhoteiros, afim de trocarem impressões sobre o futuro do país e, mais importante do que isso! o seu próprio futuro.

Estavam presentes o Senhor General Kaúlza de Arriaga, o Senhor General Santos Costa, o Doutor Franco Nogueira, o ex-Ministro da mesma pasta Doutor Antunes Varela, o Almirante Henrique Tenreiro e mais alguns Ministros e ex-Ministros, e uma boa meia dúzia de outros candidatos – não à cadeira de lona que fora a causa do lamentável espalhanço do venerado Presidente do Conselho, Professor Doutor António de Oliveira Salazar, mas ao cadeirão estofado do Poder, no qual cada um deles ansiava acomodar-se...

- Isto é que é uma gaita! – exclamou, no seu característico Português vernáculo, Sua Excelência o senhor Almirante Tenreiro. – Então o Cabeça de Abóbora vai nomear a Dona Maria para a Presidência do Conselho, caraças?!...

- Bem, em termos pragmáticos, devemos reconhecer que não é uma ideia despropositada... – avançou o diplomata Franco Nogueira.

- Essa agora! – berrou o General Kaúlza, passando uma mão perplexa pela careca luzidia. – Mas ela é uma simples mulher-a-dias!

- E se calhar a noites... Pelo menos, é o que dizem as más-línguas... – rosnou, venenoso, o General Santos Costa, que era provavelmente o mais indignado e inquieto, a ponto de já ter utilizado o mictório por três vezes, desde o começo da reunião, para fazer três nervosos chichis. Ele era, talvez, o que tinha maiores expectativas em relação à sucessão, para a qual, na sua opinião, se achava muito bem preparado.

- Tudo calúnias – explicou Franco Nogueira. – Tenho informações de confiança a esse respeito. Entre o Senhor Professor e a Dona Maria nunca houve truca-truca... E, por outro lado, devo admitir que não deverá existir, neste país, pessoa mais habilitada do que essa senhora, para continuar a obra do Senhor Professor Salazar, pelo menos no que diz respeito à gestão económica e financeira do Estado. Os longos anos de convivência com Sua Excelência, os métodos aprendidos e fielmente seguidos por ela, no governo da casa, serão indubitavelmente muito úteis para manter as contas do país em ordem.

- Sim, mas o resto? – refilou o Doutor Moreira Baptista, o qual, comodamente sentado sobre a tampa da sanita, lembrava a consistente obra conduzida durante anos pelo seu amado SNI (Secretariado Nacional da Informação), no que respeita à propaganda interna e externa do Estado Novo. 

 - Mesmo nesse capítulo, não me parece que seja má a escolha – insistiu Franco Nogueira. A Dona Maria tem muitíssima influência na condução da opinião pública nacional. Nas suas conversas com as peixeiras e as vendedeiras de hortaliça, com os carteiros, os merceeiros, os homens do talho, enfim, com todos os fornecedores que lhe batem à porta, ela tem espalhado e divulgado com muita eficiência os princípios fundamentais que servem de base à Política Nacional, nos seus variados aspectos. Não, eu acho que o lugar não está nada mal entregue!

- Então, vamos deixar que o Cabeça de Abóbora fique por cima de nós, nesta batalha pelo poder? Eu não me conformo e vou agir! – afirmou Kaúlza, resolutamente, com um pé apoiado no bidé.

- Cuidado com as palavras! – disse Tenreiro, puxando o autoclismo para abafar o som do diálogo. – O tipo, com aquele ar de morcão, e ainda que pareça andar a dormir em pé, é mais vivo do que muita gente julga!

 Depois de muita discussão, iá acabou por ficar decidido, entre os participantes naquele grupo reduzido de pretendentes ao posto mais importante da Política Nacional, que deixariam correr o marfim, e que o Grande Comandante ficaria à frente dos destinos da Nação, com a preciosa ajuda da indispensável Dona Maria, até ver se não se espalhariam ao comprido. Entretanto, não haveria oposição aparente, pelo menos para já.

Com isso, só ficaria a ganhar a nossa querida Pátria!

CONTINUA NA SEGUNDA-FEIRA



Sem comentários:

Enviar um comentário