08/11/2012

E SE O 25 DE ABRIL TIVESSE FALHADO? (10)

Por falar em jornais, rádios e televisão... O que eles tinham preparado para anunciar ao país, se a revolução tivesse resultado – o que, felizmente, não aconteceu!

            Sim, é evidente que os dramáticos acontecimentos que, tão prontamente, o Grande Comandante conseguira fazer abortar, eram do conhecimento prévio de, pelo menos, alguns elementos mais subversivos dos nossos meios de Comunicação Social. Nas redacções, há anos que se rosnava surdamente, sabe-se lá porquê, contra o bendito Regime que nos governava, recusando e negando, de forma tonta e irrealista, os seus evidentes benefícios. Alguns sonhavam com Paraísos que julgavam existir em terras longínquas, como essa abençoada Rússia (abençoada para eles, os comunistas, amaldiçoada para nós, os patriotas!) que era como o Sol na Terra para essa gente mal informada. E pensavam na forma de substituir o nosso viver tão calmo, tão tranquilo e tão rico de bens espirituais – embora um pouco pobrezinho e chocho, no que respeita a bens materiais, valha a verdade – pela miragem que lhes vinha lá de fora, sem repararem que o melhor Sol ainda era o nosso, este Sol que aqui se goza abundantemente, na Costa da Caparica, no Meco e noutros locais bastante acessíveis.
           
            Enfim, a verdade é que muitos desses contestatários pululavam nos locais onde se produziam e divulgavam as notícias... O que vale é que estas sempre haviam de ser devidamente desinfectadas pela nossa atenta Censura, um organismo nunca por demais louvado, pela sua meritória acção de limpeza ideológica em relação àqueles textos que, por vezes, tentam ser publicados, o que não se pode permitir de maneira alguma, por virem infestados com ideias que não convêm ao nosso Povo!

            Ora aconteceu, nesta data que podia ter sido fatídica, que alguns jornalistas tinham sido previamente informados do que se pretendia fazer ao nosso bem amado País. As suas relações privilegiadas com as forças do chamado "reviralho" permitiam-lhes estar a par dos projectos maldosos que ameaçavam surgir nos horizontes temporais mais próximos. Outros estariam mesmo implicados directamente no golpe. Vai daí, ao pensarem que a revolução estava no papo, trataram de redigir notícias em que se divulgavam pormenorizadamente todos os detalhes do que pensavam que ia passar-se.

            Assim, por exemplo, o Diário Popular tinha preparada uma primeira página, para sair no dia 26, em que apareceria uma fotografia do General António de Spínola, enquadrada por um título em letras gordas, que diria: "Movimento Militar Triunfante – Assumido o Poder por uma Junta de Salvação Nacional a que preside o General Spínola – O País regressa à normalidade"... Tudo invenções, evidentemente, mas reflectindo os desejos secretos dos revolucionários, que se precipitaram a compor estas frases bombásticas, para serem publicadas no caso de terem êxito!

            Na mesma 1ª página do Popular ainda se informaria que "O Almirante Américo Tomás e o Prof. Marcello Caetano chegaram à ilha da Madeira."... Outra falsidade, pelo menos na primeira parte: só o Caetano é que foi para a Madeira, em trânsito para o Brasil, ficando Sua Excelência o Senhor Contra-Almirante Américo de Deus Rodrigues Thomaz a gerir os destinos da Pátria. Mas vejam como se engana o povo com estas falsidades!... No interior do mesmo jornal do dia 26, em grandes parangonas, dir-se-ia: "Sem tiros nem violências – A D.G.S. rendeu-se à 9 e 30 da manhã". O que eles eram capazes de inventar, senhores! Como se a prestimosa D.G.S, a nossa admirada PIDE, alguma vez tivesse intenções de render-se! Pelo contrário, ela está aí, agora como sempre, viva e activa, como podemos facilmente comprovar, sempre pronta a defender-nos dos inimigos da Pátria!

            Mais tarde, na edição do dia 30, o mesmo jornal inventaria que íamos ter "Álvaro Cunhal em Lisboa", nesse mesmo dia. Não se percebe como alguém podia pretender que esse título de capa conseguisse alguma vez passar na atenta Censura, agora rebaptizada de "Exame Prévio". Enfim, pequenas confusões, naturais naqueles dias de certa perturbação.

            Também o vespertino Diário de Lisboa tinha preparada uma edição, para o dia 26 de Abril, em que titularia "Caxias caiu – Libertados os presos – Detida a DGS/PIDE". Imaginação sem limites, a deste jornal!

            Já não admira tanto que o República, bem conhecido pelo seu oposicionismo feroz, também tivesse prepara um título enorme, a vermelho, na 1ª página da sua edição de 25 de Abril, berrando: "As Forças Armadas tomaram o poder". Ainda por cima, colocaria em rodapé esta legenda provocatória: "Este jornal não foi visado por qualquer Comissão de Censura"... É preciso ter descaramento! Ainda bem que tais dislates nunca chegaram a sair a público!
           
            Igualmente O Século tinha preparado, para a 1ª página da edição de 26 de Abril, o título "Triunfou o Movimento das Forças Armadas" e, em letras maiores, "O General António de Spínola preside à Junta de Salvação Nacional". Tretas!

Falta falar daquele que era então o mais importante diário lisboeta, o Diário de Notícias, que tinha preparado um longuíssimo cabeçalho, onde se leria (se tivesse saído) o seguinte: "Às primeiras horas da madrugada de hoje – Eclodiu um movimento militar – Através do Rádio Clube Português o 'Comando do Movimento das Forças Armadas' tem divulgado o seu objectivo: A substituição do actual Regime. A actuação militar estende-se a vários pontos do país. Em Lisboa foi cercado o Quartel-General, o Aeroporto e outras instalações. Ocupadas as estações do RCP, EN e RTP."... Enfim, era este o retrato das esperanças, felizmente vãs, dos revoltosos; mas tudo isto, evidentemente, foi para o caixote do lixo, porque nenhum destes episódios, anunciados em tão largas parangonas, se concretizou!

            Nas Rádios, o panorama era idêntico: estavam previstos noticiários eufóricos, falando da revolução, da tomada do poder por essas subversivas forças do Mal, da substituição das mais prestigiadas instituições nacionais pelas forças revolucionárias – mas... nada disso aconteceu na verdade. Tudo balelas, que não chegaram a ser emitidas, embora o locutor Luís Filipe Costa tivesse pigarreado repetidamente para limpar a voz, preparando-se em vão para ler comunicados do tal suposto "Movimento das Forças Armadas"... Na verdade, no Rádio Clube Português, a grande alteração na programação foi simbolizada apenas pela não transmissão, nesse dia, dos interessantes e divertidos programas dos Parodiantes de Lisboa, devido à solenidade do momento. Fora isso, tudo o mais foi absolutamente normal: as notícias do costume, as palestras do costume, as músicas do costume, aquilo a que os ouvintes, de forma um tanto ingrata, chamavam " chatice do costume".

            E os Parodiantes de Lisboa recomeçaram, normalmente, logo no dia seguinte, os seus apreciados programas cómicos.

            Na Televisão estatal houve, é certo, alguns pequenos incidentes durante o Telejornal, onde o locutor Fialho Gouveia chegou a aparecer de cigarro na boca, armado em progressista! Foi logo ameaçado com um processo disciplinar e, é claro, apagou imediatamente a beata...

Chegou a estar previsto, para a noite, o aparecimento de uma auto-denominada "Junta de Salvação Nacional", com uma colecção de figuras sinistras, que alegariam estar a tomar conta do Poder. Só que esta gente foi rapidamente posta fora dos estúdios, sendo a sua presença substituída por um filme do engraçadíssimo cómico americano Danny Kaye, que fez rir até às lágrimas os senhores telespectadores.

E o programa para o dia seguinte, 26 de Abril, anunciava normalissimamente, para as 20 horas, o Cartaz TV, com o popular Jorge Alves; depois, a Marcha do Mundo e os atapetados Caminhos de Arraiolos, seguindo-se o Telejornal às 21,30, com o imprescindível Boletim Meteorológico; às 22, Um Pedido de Casamento, uma história de Guy de Maupassant; e, finalmente, às 23,40, o último Telejornal e a Meditação. Tudo normal, como se vê.

            Rapidamente, a Comunicação Social emendou os pequenos erros de informação a que fora levada, involuntariamente, por alguns elementos extraviados das suas redacções, e logo voltou à sua meritória obra de divulgação dos mais importantes assuntos, nacionais e internacionais, que convinha serem conhecidos do Público, evitando, ao mesmo tempo, traumatizá-lo com ideias complicadas e teorias estranhas, capazes de o levar por caminhos ínvios, em direcção a essa tal Democracia que não interessa a ninguém – nem mesmo, como se diz por graça, "ao Menino Jesus", que não consta que tenha pertencido a algum Partido Democrático que porventura existisse na Galileia...

            Voltando ainda à Rádio, é de referir que estava preparada, para o dia 25, uma programação baseada em cantigas perfeitamente desajustadas aos gostos dos nossos compatriotas. Foi necessário actuar rapidamente, para substituir esse manancial de músicas tontamente revolucionárias, por outras, mais consentâneas com aquilo de que o Bom Povo Português precisa de ouvir, a fim de continuar a sua vida calma, sem atropelos e sem abanões na tranquilidade da sua consciência.

            Por exemplo, algumas estações de Rádio tinham previsto programar a transmissão de discos desses perigosos "baladeiros" que andavam por aí a cantarolar coisas estranhas, em que se falava de um "mundo que pula e avança como bola colorida entre as mãos de uma criança", ou de um certo "machado que corta a raiz ao pensamento", ou se dizia, não se sabe bem de quem, que "eles comem tudo e não deixam nada"... Verdadeiros disparates, que nem sequer rimam como deve ser e como se ensina em qualquer Manual de Versificação, servindo apenas para perturbar os espíritos dos senhores ouvintes. Por ordem superior, todas essas musicatas foram imediatamente banidas de todas as rádios, sendo substituídas por canções muito bonitas, como, por exemplo, "Uma Casa Portuguesa", o interessante "Fado do Ciúme" ou aquele lindíssima toada popular "Lá em cima está o tiro-liro-liro, cá em baixo está o tiro-liro-ló!"...

            Enfim, o País entrava decididamente na normalidade, agora sob o superior comando de Sua Excelência a Presidente do Conselho, Dona Maria de Jesus Caetano Freire, a digna sucessora e herdeira espiritual e política do inesquecível Senhor Professor Doutor António de Oliveira Salazar!

            E quais foram as primeiras medidas tomadas por Sua Excelência, nestas suas novas funções? Eis o que se vai explicar de seguida.

CONTINUA NA SEGUNDA-FEIRA
           


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