03/08/2012

O PORTUGUÊS PITORESCO - Cap. 10 - "TAUTOLOGIAS"

10.  TAUTOLOGIAS

            O uso de palavras diferentes para exprimir a mesma ideia chama-se TAUTOLOGIA – e é fenómeno frequentíssimo, tanto na fala como na escrita de muita gente, incluindo escritores, jornalistas, locutores e outros profissionais.
           
As redundâncias, também chamadas PLEONASMOS, usam-se com a intenção de reforçar uma ideia, mas acabam, muitas vezes, por assumir aspectos cómicos. O leitor, perante uma frase como "Ele entrou para dentro" ?..." pára e pergunta a si mesmo: "Poderia ele entrar para fora?"...

Aqui vai uma lista de algumas TAUTOLOGIAS bastante frequentes:



A ÚLTIMA VERSÃO DEFINITIVA

            Se falamos da última versão, isso quer dizer que não haverá mais nenhuma, depois desta... Daí ser ela a definitiva, estando este adjectivo a mais na frase.

ABERTURA INAUGURAL

            Uma abertura implica a ideia de que não houve outro acontecimento anterior, pelo que designá-la como inaugural é um pleonasmo.

ACABAMENTO FINAL

            Ao contrário do caso anterior: se algo acabou, é porque atingiu o fim. Não pode haver um acabamento que não signifique ter-se chegado ao final.
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AMANHECER O DIA

            Sabendo-se que amanhecer significa surgir o dia, ou raiar a manhã, é evidente que seria disparate, por exemplo, falar-se de amanhecer a noite...

ANOS ATRÁS

            É das tautologias mais frequentemente praticadas. Quando alguém diz ou escreve Eu estive aqui há quatro anos, isso apenas pode significar que a pessoa esteve naquele lugar num tempo passado. O tempo verbal estive indica isso mesmo, com suficiente clareza. Por isso, acrescentar à frase a palavra atrás nada adianta ao sentido da mesma, sendo uma repetição desnecessária.

APENAS E SÓ

É uma maneira de reforçar a frase, tornando-a mais "redonda". Muitos escritores a usam, para tornar a ideia mais consistente, mas subordinando assim a exactidão gramatical às liberdades do estilo.

BASTA APENAS

            Se basta, é porque já está tudo dito e contado. Portanto, nada mais deve acrescentar-se, e a palavra apenas é, apenas... uma excrescência dispensável.
           
CERTEZA ABSOLUTA

            Uma pessoa, ou bem que tem a certeza, isto é, que está segura, que está firme e convicta, ou então não pode falar em certeza, mas sim em dúvida. Uma certeza representa, por si só, um valor absoluto, dispensando-se por isso o uso desta palavra como adjectivo.

COMPARECER EM PESSOA   

            Se você precisa de comparecer num determinado lugar, tem mesmo de lá ir, isto é, tem de fazer com que a sua pessoa se desloque a esse lugar. É esse o significado de comparecer: apresentar-se num determinado lugar pessoalmente. A confusão de quem insiste em dizer comparecer em pessoa pode vir da ideia de que, em vez de ir ao tal lugar, você pode comunicar por telefone, por telemóvel, por email ou por qualquer outro meio semelhante. Onde está o erro? É que isso não é comparecer; trata-se de uma "comparência virtual", não real. Assim, sendo esta modalidade de comparecimento (em pessoa) a única possível, é escusado mencionar o facto de que a pessoa comparece.

CONTINUA A PERMANECER

            É tão simples como isto: se continua, permanece, e se permanece, continua. Portanto, como as duas ideias são coincidentes, basta uma delas para definir a situação, sem necessidade de a reforçar com um sinónimo que acaba por ser um pleonasmo.
           
CONVIVER JUNTO COM

            É impossível conviver sem que isso implique estar junto a alguém. Deve dizer-se e escrever-se conviver com, ou então estar junto de.



CRIAÇÃO NOVA

            Sempre o mesmo esquema: uma criação é, por definição. algo de novo. Se não é novo, será cópia, reprodução ou imitação, mas já não é criação.

DE SUA LIVRE ESCOLHA

            Se uma pessoa tem possibilidade de fazer uma escolha, é porque está livre para fazê-la. Se isso não acontece, então não pode escolher e tem que sujeitar-se a que alguém escolha por ela. Daí que uma escolha só pode ser livre.

DÉFICE NEGATIVO

            Quando uma conta apresenta um resultado negativo, chama-se a essa situação, tecnicamente, um défice (ou deficit). Isto significa que só nessas circunstâncias se pode falar de défice, e nunca quando a mesma conta apresenta um resultado positivo. Conclusão: défice negativo é tautologia. E algo semelhante se passa com superavit positivo,

DEMASIADAMENTE EXCESSIVO

            Com o desejo de dramatizar uma situação, usa-se por vezes este tipo de acumulação de palavras, ambas com o mesmo sentido. Se algo é excessivo, só pode sê-lo demasiadamente – senão, ter-se-ia usado outro advérbio diferente, que não desse ideia de desmesura ou exagero.

DESCER PARA BAIXO

            Esta é das mais correntes e nem precisa de explicações para se adivinhar onde está o erro. Não se pode descer para cima, portanto... Mesmo assim, pode, com alguma condescendência, admitir-se uma ou outra excepção, como, por exemplo, num caso como descer para baixo do telhado, em que baixo do telhado constitui uma unidade de expressão independente. No entanto, convém evitar estas formas retorcidas da escrita a da fala, a bem da beleza do estilo. Por analogia, também se deve evitar subir para cima.

DETALHE MINUCIOSO

            Para começar, os puristas não gostam la muito da palavra detalhe, que consideram um galicismo e preferiam ver substituída por pormenor, minudência. Deixemos isso aos puristas, e observemos o que significa detalhe: exposição circunstanciada ou muito minuciosa. Logo, escrever detalhe minucioso é o mesmo que escrever pormenor minucioso muito minucioso.

DUAS METADES IGUAIS

            Quando se parte um melão em duas partes iguais, não adiante dizer: Estou com pouca fome, dá-me a metade mais pequena... Se o melão foi cortado em metades, elas são, por definição, perfeitamente iguais. Por isso, coma lá a sua parte do melão, e deixe a outra parte igual para quem o come consigo...

ELO DE LIGAÇÃO

            Um elo é uma relação existente entre pessoas ou coisas, uma conexão, uma união. Portanto, não precisa de ser reforçado com a ideia de ligação, que já está implícita no seu significado.

EMPRÉSTIMO TEMPORÁRIO

            Uma coisa que se empresta é algo que terá de voltar à posse de quem a está a ceder. Se essa cedência não fosse temporária, não seria um empréstimo, mas sim uma dádiva, uma doação.

 ENCARAR DE FRENTE

            Encarar já significa olhar para a cara de alguém, olhar de frente. Não se pode encarar de costas.

ENTRAR PARA DENTRO

            Ouve-se muito frequentemente, tal como sair para fora. O erro é óbvio, mas não deixa de ser praticado por muita gente.

ESCOLHA OPCIONAL

            O acto de fazer uma escolha significa isso mesmo: optar, que não é outra coisa senão um sinónimo de escolher.

EU, PESSOALMENTE...

            Esta forma de construir uma frase, mais do que uma tautologia, é um bordão, uma palavra introduzida para dar tempo a elaborar a ideia que se pretende transmitir. Todavia, não deixa de ser um erro escusado. Se eu tenho algo a dizer ou a escrever, só eu o posso fazer, mais ninguém. E terei que o fazer pessoalmente, como é evidente.


EXPRESSAMENTE PROIBIDO

            Um acto que é proibido não pode ser executado. Não se pode aceitar que seja meio executado, ou parcialmente executado, porque a proibição o impede. Tal situação está expressa, isto é, está consignada, está manifestada. A proibição, que é um conceito definitivo e sem graduações, não precisa de ser qualificada.

FACTO REAL

            Se fosse uma suposição, uma possibilidade, uma ideia, até podia não ser real e ser apenas um produto da nossa imaginação. Mas um facto já é, por definição, real. Não precisamos que lhe acrescentem essa qualidade, que ele já possui.

GRITAR BEM ALTO

            Quem grita usa a voz num tom acima do normal (que podia ser o sussurro, o gemido, o murmúrio). Isto é, gritar já significa usá-la bem alto. 

O ANEXO JUNTO

            Anexar significa, precisamente, juntar. Daí que não seja necessário explicar que o anexo está ali ao lado... porque, se não estivesse ali ao lado, não seria um anexo.

O MEU CRITÉRIO PESSOAL

            Se eu tenho um critério, o meu critério, e o exponho, esse critério só pode ser mesmo o meu, que é o da minha pessoa, e de mais ninguém. Portanto, o reforço é escusado.

PESSOA HUMANA

            Que é uma pessoa? É, evidentemente, um ser humano. Não se pode imaginar uma pessoa que não seja humana, pois então estaríamos a falar de outra coisa qualquer.  
                              
PLANEAR ANTECIPADAMENTE

            Planear significa imaginar, conceber algo que se pensa concretizar posteriormente. Trata-se, portanto, de preparar o que se vai realizar mais tarde. Daí que planear tenha, obrigatoriamente, que ser feito antecipadamente, e isso não precisa de ser explicado, porque é evidente.

PROPRIEDADE CARACTERÍSTICA

            Se determinada propriedade existe, trata-se de algo distintivo, que faz parte das características próprias da pessoa ou da coisa a que nos referimos. Por isso, não vale a pena reforçar o conceito com outro conceito perfeitamente coincidente.

REPETIR NOVAMENTE

            Uma repetição já envolve a ideia de reiteração, pelo que uma nova repetição é um exagero: é como se disséssemos repetir a repetição.

RETORNAR DE NOVO

            Retornar significa voltar, regressar, incluindo já, portanto, a ideia de um regresso. Acrescentar a essa ideia a expressão de novo é desnecessário e nada traz... de novo. 

SINTOMAS INDICATIVOS

            Sintomas são, precisamente, indicativos, indícios. Por isso, neste caso, o adjectivo é completamente inútil.
           
TODOS FORAM UNÂNIMES

            A unanimidade significa uma opinião geral, sem discrepâncias nem votos contra. É, portanto, o resultado de algo com que todos concordam.

VOLTAR OUTRA VEZ

            Voltar só pode ter o sentido de regressar a algo ou a algum sítio onde já se esteve. Trata-se, portanto, de repetir (por exemplo, uma visita) e essa ideia já está claramente expressa na palavra voltar, sendo dispensável o reforço da expressão outra vez.

A SEGUIR: Capítulo 11 - PALÍNDROMOS



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