27/08/2012

O PORTUGUÊS PITORESCO - Cap. 13 - "CURIOSIDADES"

13. CURIOSIDADES

 A multiplicação dos meios de comunicação que temos à nossa disposição trouxe características curiosas à nossa maneira de viver (e de conviver) nos tempos actuais.

Por um lado, verificamos que são tantas essas formas de comunicar, algumas bem complexas, que não conseguimos utilizá-los na sua totalidade – isto é, havendo cada vez mais meios, parece haver cada vez pior comunicação entre as pessoas.

Por outro lado, foram postos de lado os antigos processos de transmissão de conhecimentos, simbolizados pelas tradicionais conversas à lareira, ou à mesa da sala de jantar, onde se juntava a família e os mais velhos legavam aos jovens os saberes adquiridos com a idade e a experiência. Hoje, as lareiras foram substituídas pelos aquecedores eléctricos, cada elemento da família janta a horas diferentes dos outros, e os jovens, para adquirirem conhecimentos, vão ao Google.

No entanto, parecendo temas menores, quando as pessoas os descobrem, eles revelam-se com um interesse muito especial, que envolve saudade e nostalgia (para os mais velhos), surpresa e encantamento (para os mais novos).

São coisinhas aparentemente simples, todavia mais sofisticadas do que parecem à primeira vista, que já divertiram gerações do tempo em que não havia televisão nem Internet, mas que, ainda hoje, são capazes de fascinar e divertir.
   

Uma curiosa história, muito antiga e bastante conhecida, é esta, verdadeiramente
extraordinária, em que todas as palavras começam pela letra P. Ora leiam:

Pedro Paulo Pereira Pinto Peixoto, pequeno pintor português, pintava portas, paredes, portais. Porém, pediu para parar porque preferiu pintar panfletos. Partindo para Piracicaba, pintou prateleiras para poder progredir. Posteriormente, partiu para Pirapora. Pernoitando, prosseguiu para Paranavaí, pois pretendia praticar pinturas para pessoas pobres. Porém, pouco praticou, porque Pedro Paulo pediu para pintar panelas, porém posteriormente pintou pratos para poder pagar promessas. Pálido, porém personalizado, preferiu partir para Portugal para pedir permissão para papai para permanecer praticando pinturas, preferindo, portanto, Paris. Partindo para Paris, passou pelos Pirinéus, pois pretendia pintá-los. Pareciam plácidos, porém, pesaroso, percebeu penhascos pedregosos, preferindo pintá-los parcialmente, pois perigosas pedras pareciam precipitar-se principalmente pelo Pico, porque pastores passavam pelas picadas para pedirem pousada, provocando provavelmente pequenas perfurações, pois, pelo passo percorriam, permanentemente, possantes potrancas. Pisando Paris, pediu permissão para pintar palácios pomposos, procurando pontos pitorescos, pois, para pintar pobreza, precisaria percorrer pontos perigosos, pestilentos, perniciosos, preferindo Pedro Paulo precaver-se. Profundas privações passou Pedro Paulo. Pensava poder prosseguir pintando, porém, pretas previsões passavam pelo pensamento, provocando profundos pesares, principalmente por pretender partir prontamente para Portugal. Povo previdente! Pensava Pedro Paulo... Preciso partir para Portugal porque pedem para prestigiar patrícios, pintando principais portos portugueses. – Paris! Paris! Proferiu Pedro Paulo. Parto, porém penso pintá-la permanentemente, pois pretendo progredir. Pisando Portugal, Pedro Paulo procurou pelos pais, porém, papai Procópio partira para Província. Pedindo provisões, partiu prontamente, pois precisava pedir permissão para papai Procópio para prosseguir praticando pinturas. Profundamente pálido, perfez percurso percorrido pelo pai. Pedindo permissão, penetrou pelo portão principal. Porém, papai Procópio puxando-o pelo pescoço proferiu: Pediste permissão para praticar pintura, porém, praticando, pintas pior. Primo Pinduca pintou perfeitamente prima Petúnia. Porque pintas porcarias? Papai – proferiu Pedro Paulo – pinto porque permitiste, porém, preferindo, poderei procurar profissão própria para poder provar perseverança, pois pretendo permanecer por Portugal. Pegando Pedro Paulo pelo pulso, penetrou pelo patamar, procurando pelos pertences, partiu prontamente, pois pretendia pôr Pedro Paulo para praticar profissão perfeita: pedreiro! Passando pela ponte precisaram pescar para poderem prosseguir peregrinando. Primeiro, pegaram peixes pequenos, porém, passando pouco prazo, pegaram pacus, piaparas, pirarucus. Partindo pela picada próxima, pois pretendiam pernoitar pertinho, para procurar primo Péricles primeiro. Pisando por pedras pontudas, papai Procópio procurou Péricles, primo próximo, pedreiro profissional perfeito. Poucas palavras proferiram, porém prometeu pagar pequena parcela para Péricles profissionalizar Pedro Paulo. Primeiramente Pedro Paulo pegava pedras, porém, Péricles pediu-lhe para pintar prédios, pois precisava pagar pintores práticos. Particularmente Pedro Paulo preferia pintar prédios. Pereceu pintando prédios para Péricles, pois precipitou-se pelas paredes pintadas. Pobre Pedro Paulo pereceu pintando... Permita-me, pois, pedir perdão pela paciência, pois pretendo parar para pensar... Para parar preciso pensar. Pensei. Portanto, pronto pararei.
              
  
               Uma outra curiosidade muito especial: uma narrativa escrita sem utilizar, uma única vez, a letra "A". Esta história foi escrita, em Castelhano, pelo humorista Enrique Jardiel Poncela, e depois adaptada para Português por Matos Maia, tendo sido publicada na revista de humor "Picapau" nº 3, de 8 de Dezembro de 1955.

 O NOVO CHOFER

Cedeu-mo meu tio Heliodoro, e recomendou-mo dum modo muito expressivo, dizendo-me: - É um chofer único no globo, podes crer. Se tiver um bom veículo, este homem consegue prodígios enormes. Serve-te dele; tu tens um veículo estupendo e morres de tédio, certo? Pois juro-te, querido sobrinho, que cedendo-te um homem como Melécio, ponho-te em condições de seres intérprete de emoções inconcebíveis, sem precedentes no mundo! Porque como este chofer... outro é inexistente!
Meu tio terminou o seu elogio, e o chofer, mexendo no seu boné cinzento, inclinou-se com um movimento gentil e murmurou:
- Tome-me, senhor, que eu conheço bem o meu ofício!
E sem outros incidentes que interesse serem descritos, Melécio Volódio ficou eleito chofer do meu "16 cilindros", com quinhentos escudos por mês. 
Doze excursões com um epílogo tristemente cirúrgico; isto convenceu-me, num mês, de que Melécio é único no globo... Prescindo, dizendo isto, do seu domínio sobre o veículo. Volódio conservou, no extremo dos seus dedos, os segredos do meu "Mercedes", e todo o tempo que viveu comigo domesticou o motor dum modo impossível de descrever. Porém, este mérito é pequeno e ridículo, em frente de outros méritos inconcebíveis de Melécio Volódio.
Um, sobre todos, me preocupou em extremo e converteu-se, de súbito, em horrível crise dos meus pobres nervos. Este mérito, senhores, é o frio desdém de Melécio defronte do perigo! É o desperdício dos bens terrenos! Um desejo de morrer, fruto de desilusões e dores? Simplesmente heroísmo? Ou o gosto de me servir e o desejo de divertir com emoções fortes o meu viver de tédio? Ignoro-o... O que sei... Bom, o que é certo é que, desde o início, semeou o terror em todos os sítios por onde fomos; destruíu os vidros de milhares de vitrines; derrubou postes telefónicos e luminosos; fez em cisco trezentos veículos diferentes do serviço público; pulverizou os esqueletos de mil indivíduos, suprimindo-os do número dos vivos, em inverso com os seus evidentes desígnios de seguir vivendo; semeou o medo em tudo o que se pôs em frente do meu "Mercedes"; incendiou, rompeu, destroçou; encolheu o meu espírito; superexcitou os meus pobres nervos; porém, divertiu-me dum modo impossível, porque Melécio Volódio é único no mundo!
Porquê este meu furor? Porquê, se Melécio Volódio dominou o meu veículo como nenhum outro chofer que tive depois dele? Fiz o possível por conhecer o fundo deste mistério, e consegui-o por fim.
- Melédio! – disse-lhe de regresso dum terrível circuito que produziu horríveis efeitos destruidores. É preciso que me expliques o que ocorre. Muitos infelizes mortos pelo nosso  veículo pedem um "porquê"... Olho-te bem nos olhos, Melécio Volódio! Diz-me: porque persistes nesse feroz proceder e neste cruel exercício?
Melécio olhou o horizonte, moderou o correr do veículo e fez um gesto triste.
- Cruel e feroz, eu, senhor?! – disse docemente. – Destruo, rompo e semeio o terror... de um modo instintivo!
- De um modo instintivo? Deste modo tu és um doente, Melécio!
- Erro, senhor! Porém, sucede que fui muito tempo chofer de bombeiros. Um chofer de bombeiros é sempre dono do sítio por onde se mete! Todo o mundo lhe permite correr, ninguém o detém; o som estridente e inconfundível do veículo dos bombeiros – desses heróis com cinto! – é suficiente, e o chofer dos bombeiros corre, corre, corre... Que vertigem, senhor!
Concluiu dizendo:
- O meu defeito é que suponho sempre que conduzo o veículo dos bombeiros. Penso ser o dono de tudo onde me meto! E como isso é impossível... pois... pulverizo tudo, senhor!
E Melécio rompeu em soluços...

A SEGUIR: Capítulo 14 - TRAVA-LÍNGUAS

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