04/07/2012

LUGARES COMUNS - De "puxar a brasa à sua sardinha" até "voz do dono"

PUXAR A BRASA À SUA SARDINHA

            Quando se junta um grupo de amigos para uma sardinhada, o mais sacrificado é o que fica a cuidar do lume, a pôr as sardinhas a assar e a retirá-las quando estão no ponto certo. Por isso, é natural que este faça o possível por reservar para si as mais bem assadas – e, para isso, arrumará as brasas de forma a beneficiá-las. Noutros assuntos não comestíveis, a situação é idêntica: cada qual tem a tentação de puxar as vantagens para o lado que lhe é mais favorável.

QUEBRAR O SILÊNCIO

            O silêncio, isto é, a ausência de som, pode ser interrompido, perturbado, cortado, atalhado – tudo verbos apropriados ao que se pretende dizer – mas o mais usado, por razões de estilo é o verbo quebrar. Por isso, quebrar o silêncio transformou-se num lugar-comum.

QUINZE MINUTOS DE FAMA

            O conceito é de Andy Warhol, ao dizer que todos temos direito aos nossos quinze minutos de fama. E isso acontece, na verdade, quando uma pessoa é protagonista de um acidente, ou é fotografada ao lado de uma celebridade, ou é entrevistada para a televisão. Podem não ser exactamente 15 minutos: às vezes é um pouco mais, ou um pouco menos. Mas é impressionante o esforço que tanta gente faz para ter essa glória efémera de aparecer por momentos diante do público, de ser falada durante um dia, de ser associada aos famosos – nem que seja por maus motivos...

RABO (COM O) ENTRE AS PERNAS

            A imagem é canina, mas também se aplica aos humanos, ainda que simbolicamente. Um cão, quando o dono lhe ralha por ele ter feito qualquer disparate (por exemplo, ter roído o pé da cadeira, ou ter feito xixi na carpete) fica com um ar muito triste e mete o rabo entre as pernas. Quanto aos humanos, depende. Se for uma pessoa normal, apanhada a fazer uma asneira qualquer, também faz um ar muito atrapalhado, e só não mete o rabo entre as pernas porque não tem rabo, Se for um político, é diferente: faz um discurso a explicar que não fez asneira alguma, a oposição é que não percebe que está a agir a bem da nação! – e continua a fazer as mesmas asneiras, pelo menos até às próximas eleições, em que lhe dêem um pontapé no rabo.  

RIGOROSO EXCLUSIVO

Sempre a mania de sublinhar o que não precisa de ser sublinhado! Um exclusivo implica a ideia de restrito, único. Quer isso dizer que não existem exclusivos pouco mais ou menos. Ou são ou não são, ponto final. Mas a adjectivação é um vício...

RIGOROSO INQUÉRITO

            Não há notícia de nenhum inquérito, sobre qualquer assunto melindroso, que não seja anunciado como rigoroso. Isto é, não há inquéritos normais, sem qualificativos, que decorram de forma natural. Só há rigorosos inquéritos. O que é curioso é que os resultados raramente surgem, apesar do anunciado rigor – ou, quando surgem, raramente correspondem ao aparato mediático que rodeou o anúncio da sua abertura.

RUAS DA AMARGURA

São ruas imaginárias, onde ocorrem as maiores desgraças que se possam imaginar, desde a perda do emprego até à ausência de um ente querido. Assim, andar pelas ruas da amargura é altamente perigoso, muito mais do que andar por ruas com trânsito intenso e descontrolado, ou por ruas daqueles bairros problemáticos onde nem a Polícia entra.

RUIR COMO UM CASTELO DE CARTAS

Foi um passatempo caseiro muito praticado, quando não havia jogos de computador – nem sequer televisão! Pegava-se num baralho de cartas de jogar e, com muita paciência, construía-se um castelo, juntando-as cuidadosamente, num equilíbrio precário. É claro que bastava um golpe de vento, uma janela subitamente aberta, para tudo aquilo se desmoronar, para grande desespero do "construtor"... A comparação com outras obras, também precárias, é fácil e evidente, particularmente quando elas caem, não por se abrir uma janela mas, às vezes, por se abrir um rigoroso inquérito...

SABOR AMARGO

É um pouco o contrário da doce esperança de que se fala atrás, a qual também não se encontra nas ruas da amargura. Mas continua a ser um elemento simbólico, sem nenhuma característica fisiológica no seu simbolismo, e que é utilizado para representar algo que desgosta – literalmente, algo que dá mau gosto. Muito utilizado em romances que descrevem dramas familiares.

SACO DE GATOS

            Este lugar-comum, muito usado em política, para denegrir a imagem dos adversários, refere-se a uma mistura algo confusa, em que aparecem, não gatos, naturalmente, mas pessoas das mais diversas tendências, todas engalfinhadas, por vezes à bulha.

SACUDIR A ÁGUA DO CAPOTE

            A imagem é suficientemente explícita para dispensar grandes explicações. Quando andamos à chuva e nos recolhemos, o nosso primeiro gesto é sacudir a água do capote (ou da gabardina, ou do guarda-chuva, conforme o caso). Também quando alguém se encharca com as asneiras que comete, o seu primeiro gesto é sacudi-las, logo que pode, de preferência para cima de quem esteja mais a jeito...

SANGUE, SUOR E LÁGRIMAS

            Foi em 1940, em plena Segunda Guerra Mundial, que o primeiro-ministro inglês Winston Churchill, falando no Parlamento londrino e prevendo os ferozes ataques alemães ao seu país, mobilizou os seus compatriotas com a frase, que ficou famosa, em que disse que apenas lhes podia prometer, em troca do seu esforço patriótico, "sangue, suor e lágrimas". Passou a ser uma das frases mais citadas pelos políticos de todo o mundo, a propósito e, por vezes, a despropósito, das crises que atingem os países e os seus governos. Na Inglaterra dos anos 40, a frase resultou – e os Ingleses acabaram por fazer parte dos vencedores da guerra, recuperando a sua importância como nação. Noutros países, frases como esta não chegam para convencer os povos, quando estes suspeitam que se trata apenas de retórica.

SÃO E SALVO

            Aqui estão dois qualificativos que costumam andar muito juntinhos, quando, por exemplo, se referem a alguém que passou por um perigo qualquer e foi resgatado. Diz-se então que o sujeito se encontra são e salvo. Ainda bem que sim, que está são, isto é, de boa saúde. Quanto ao facto de estar salvo, parece evidente, e talvez fosse desnecessário citá-lo

SEGREDO (O) DOS DEUSES

            Não se sabe ao certo que segredo é este – o que não é para admirar, por isso mesmo: por ser segredo. É, no entanto, um dos segredos mais citados, quando se pretende explicar... que não há explicação alguma! Uma interpretação possível é aquela que atribui aos deuses o segredo da vida. Mas não passa disso mesmo, de uma interpretação. O que é certo é que, sempre que alguém se refere a alguma coisa de que se desconhece a origem, a situação, o resultado – sempre se diz que isso está no segredo dos deuses. E está tudo dito – sem nada dizer.

SEM REI NEM ROQUE

Um jogador de xadrez que esteja, no meio de um jogo, com as suas pedras desfalcadas do "rei" e do "roque", estará, provavelmente, em perigo de perder a partida. É esse o significado de estar sem rei nem roque: estar em perigo, estar desgovernado, estar desorientado. Há uma outra expressão, em que também entra um "rei", mas não um "roque" – e que nada tem a ver com esta, sendo muito mais difícil de explicar; "o Roque e a Amiga"...

SILÊNCIO ENSURDECEDOR

Trata-se de um tipo de silêncio irritante para quem o suporta – tão irritante como seria um ruído muito intenso. Usa-se muito esta expressão em Política, quando se quer provocar um adversário que não revela aquilo que pensa e, por isso, se mantém silencioso, enquanto o adversário anseia por ouvir o que ele (ou ela) tem para dizer, a fim de lhe responder com a violência dos argumentos que pensa serem capazes, então sim, de o (ou a) pôr em silêncio...

SILÊNCIO SEPULCRAL

É uma imagem tétrica, que faz a ligação entre o silêncio que se encontra, em princípio, entre as tumbas de um cemitério, e outros silêncios menos fúnebres, mas talvez mais graves, como, por exemplo, o silêncio que se estabelece entre um casal em que Ela odeia Ele, e Ele está farto d'Ela – e, por isso, não se falam durante capítulos inteiros. Bastante citado em romances russos do século XIX, de autores como Tchekov ou Máximo Gorki.

SUAR AS ESTOPINHAS

            A frase é muitas vezes dita, por muita gente, mas poucos sabem o que são estopinhas... Trata-se das partes mais finas do linho, antes de fiado. Portanto, suar as estopinhas significa trabalhar muito, esforçar-se, a ponto de encharcar com suor as vestes.

TAPAR O SOL COM A PENEIRA

            Uma peneira é um instrumento destinado a separar substâncias moídas de outras mais grossas. Está longe de ser opaca – por isso, tentar tapar o Sol com ela é uma tarefa inútil (uma tarefa inglória, se quisermos usar um lugar-comum). Simbolicamente, tapar o Sol com a peneira significa tentar, em vão, esconder uma maroteira qualquer. Noutro sentido, ter peneiras significa ter ilusões, ter manias.

TIRAR NABOS DA PÚCARA

            Uma púcara é uma vasilha com asas, que vai ao lume a fim de (por exemplo) cozer nabos... Então, se alguém quiser tirar nabos da púcara, isso significa, simbolicamente, que vai ter que fazer algum esforço para os extrair sem se queimar... Do mesmo modo, é necessária alguma tenacidade para se obterem elementos que estejam a ser tratados mais ou menos em segredo. E é preciso que as pessoas envolvidas sejam espertas – isto é, que não sejam, segundo a expressão popular, "nabos"... 

TOPO DE GAMA

            É aquilo, ou aquele, que está em primeiro lugar, entre os da sua categoria. Usa-se muito no ramo automóvel, para designar o modelo mais caro, ou com maior soma de características. Mas também se usa, por comparação, noutros aspectos da vida, sempre que se deseja sublinhar as especiais qualidades de um produto – ou, até, de uma pessoa. Exemplos: O clube de futebol que eu adoro é topo de gama! ou:  A minha namorada é topo de gama!

UNHAS (COM) E DENTES

            Quando uma pessoa está desesperada e não quer, de forma alguma, perder algo que considera precioso, agarra-se-lhe com as unhas e, se necessário, também com os dentes. Isto pode acontecer em relação a uma pessoa, a um emprego, até mesmo a uma opinião – a que, se as unhas não forem suficientes, unhas e dentes ajudam a segurar.

VACAS SAGRADAS

            No Hinduismo, a vaca é considerada um animal sagrado, por ser o símbolo da abundância. Por isso, é normal ver vacas passeando calmamente pelas ruas da Índia, sem serem incomodadas – pelo contrário, sendo respeitadas por toda a gente. Por comparação, usa-se o lugar-comum vaca sagrada quando se pretende caracterizar alguma instituição ou, mesmo, alguma pessoa, que é venerada e a quem ninguém se atreve a desrespeitar ou ofender – mesmo que, num ou noutro caso, seja capaz de reagir com uma inesperada marrada.

VALE O QUE VALE

            É um lugar-comum muito usado na Política, quando se pretende desvalorizar um argumento contrário, uma sondagem desfavorável, ou qualquer outro aspecto menos positivo. Diz-se então, em tom displicente: - Ora, isso vale o que vale! – uma frase sem qualquer significado, isto é, uma frase que vale o que vale...

VELHO (O) CONTINENTE

            Este é o nome geralmente aplicado à Europa, demonstrando uma notável arrogância por parte dos Europeus, que pretendem assim assumir, com a sua alegada velhice, a origem do que costumam designar por "a Civilização" – esquecendo que, por exemplo, a China tem uma Civilização muito avançada desde há milhares de anos, pelo que talvez não ficasse mal o título de velho continente... à Ásia.

VELOCIDADE VERTIGINOSA

            Na descrição de um acidente de viação, em que a causa provável tenha sido o excesso de velocidade, o respectivo relato costuma ser enfeitado com a afirmação de que "o potente veículo deslocava-se a uma velocidade vertiginosa", É um adjectivo que dá, como é evidente, muito maior emoção ao acidente.


VIRA-CASACAS

            É o nome aplicado àquele que muda de opinião, ou de cor política, ou até de religião, conforma as conveniências do momento. A figura histórica mais marcante deste tipo de pessoas foi o Duque de Sabóia, Carlos Manuel III, que viveu nos começos do século XVIII. Nas lutas entre a Espanha e a França, este nobre pouco nobre (que era francês e espanhol), como não sabia quem iria vencer, resolveu, prudentemente, esperar para ver. Então, encomendou ao seu alfaiate uma casaca com duas faces, vermelha e branca. Assim, quando as coisas pareciam correr de feição para a França, virava a casaca e apresentava-se com ela do lado branco; quando a Espanha ameaçava dominar, virava a casaca para o lado vermelho. Não é necessária grande imaginação para encontrar, noutros países e noutras épocas, gente parecida com o senhor Duque de Sabóia...

VIÚVA-ALEGRE

Denominação aplicada àquele tipo de viúvas que, mal entradas na viuvez, contrariam a tradição que manda vestir de negro, chorar copiosamente à menção do nome do falecido e portar-se com toda a decência. Pelo contrário, a viúva-alegre veste-se de cores claras, ri-se muito, atira olhares maliciosos aos homens que acha bonitos, vai a bailes e porta-se, em geral, de forma despreocupada, para grande escândalo das solteironas da vizinhança – e para grande alegria esperançosa dos solteirões que a conhecem. Esta figura deu origem a uma famosa opereta, intitulada precisamente A Viúva Alegre, uma obra-prima da música ligeira, composta por Franz Lehar e estreada em Viena a 30 de Dezembro de 1905, primeiro sem grande êxito, mas transformando-se depois numa das operetas mais populares em todo o mundo. O que prova que uma viúva-alegre faz a alegria de muita gente...

VIÚVA INCONSOLÁVEL

Ao contrário da viúva-alegre, esta figura da viúva inconsolável representa a tradição secular daquelas mulheres que, ao perderem os maridos, ficam a chorá-los para sempre – e esta imagem fica muito bem em romances e novelas em que se descrevem desgraças terríveis, misérias abomináveis, pelo meio das quais passa essa figura negra, que pode ser chorosa ou, pelo contrário, seca de lágrimas e de atitudes, conforme convém ao desenvolvimento da história de que é protagonista.

VIVER NUMA REDOMA

Claro que, concretamente, ninguém vive numa redoma – mas há quem viva como se estivesse protegido, não só das poeiras, do sol, das agressões naturais, mas também do mundo real. Viver num mundo fechado pode até ser cómodo – mas não é, certamente, muito saudável, nem para a vida física nem para a vida mental. No entanto, há quem goste...

VIZINHA ESPANHA

            Toda a gente sabe que a Espanha é o vizinho mais vizinho que nós temos... Isto significa que dizer de tal país que ele é a vizinha Espanha é tão inútil como falar da cal dizendo que ela é branca... Enfim, uma variante igualmente muito usada e ligeiramente diferente é o país vizinho... Há ainda outra, mais imaginativa, mas um pouco pirosa, que se refere ao país de nuestros hermanos. Qualquer delas tem o mesmo significado e a mesma utilidade explicativa: dizer de forma ligeiramente complicada uma coisa simples.

VOZ (A) DO DONO

            Claro que toda a gente associa esta expressão à marca de discos "His Master's Voice". Mas conta-se que a sua origem é mais antiga. A mulher de Sir Thomas More (conselheiro do rei Henrique VIII, de Inglaterra) teria encontrado um cãozinho abandonado e quis ficar com ele. Porém, um dia, apareceu por ali um mendigo que reclamou o cão, dizendo que era dele e lhe fazia falta para as suas actividades de pedinte. Ora a senhora já gostava muito do cachorro e não queria cedê-lo. Sir Thomas resolveu a disputa, colocando o cão num canto da sala, enquanto sua mulher e o mendigo ficavam nos cantos opostos. Ambos chamaram pelo cão, e este correu sem hesitar para o mendigo, o seu verdadeiro dono – ou então, quem sabe, aquele que exalava um cheiro mais atractivo para o seu faro canino... 


FIM DO CAPÍTULO 6  -  "LUGARES COMUNS"  DO LIVRO "O PORTUGUÊS PITORESCO" 
A  SEGUIR: CAPÍTULO 7  -  "CALÕES PROFISSIONAIS"

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