02/07/2012

LUGARES COMUNS - De "ouvidos de mercador" até "pura e simplesmente"

OUVIDOS DE MERCADOR

            Um mercador é alguém que vende no mercado, e que, para tal, tem que discutir com os compradores, sobre o preço e as qualidades da mercadoria. Para ele, é mais importante o que diz do que o que escuta, pois a sua argumentação é que pode levar a uma boa venda, depois de muito regatear. Assim, aquele que faz ouvidos de mercador é o que não liga mesmo nada ao que lhe dizem.

PÁGINAS (A) TANTAS

Eis uma forma habitual de manter a imprecisão quanto a uma data, uma época, uma ocasião. A páginas tantas significa a certa altura, em certo momento, sei lá quando!...

PAÍS (O) DO TIO SAM

Já não é tão frequente como foi, há tempos, o uso desta forma de designar os Estados Unidos da América. No tempo da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), quando os países europeus começaram a ficar debaixo da pata hitleriana e tiveram que pedir auxílio aos americanos, estes mobilizaram milhões de jovens para as suas forças armadas, que viriam a ser decisivas, a partir de 1942, para a vitória dos Aliados. Essa mobilização foi feita, em grande parte, através de grandes cartazes onde surgia a imagem de um velho com ar enérgico, ostentando as cores da bandeira americana, e que era o símbolo da grande nação. Era vagamente parecido com o retrato do seu antigo presidente Lincoln, foi apelidado de Uncle Sam (Tio Sam), e dava muito jeito usá-lo como designativo para o país, poupando letras, já que Estados Unidos da América do Norte era longo de mais...

PAÍS (O) IRMÃO

            Esta forma de designar um certo país levanta, às vezes, um pequeno problema: qual é o verdadeiro país irmão de Portugal? A maioria das pessoas dirá que é o Brasil – e, na verdade, costuma ser essa a versão mais consensual. No entanto, lá de vez em quando, aparece alguém a chamar país irmão a Espanha – especialmente quando razões de ordem comercial ou financeira aconselham a acarinhar tal irmandade, esquecendo velhas questiúnculas e disputas de soberania. De qualquer forma, estes assuntos familiares são delicados: tal como acontece nas famílias propriamente ditas, é natural que os irmãos andem à bulha uns com os outros, de vez em quando... 

PANO PARA MANGAS

            No tempo em que os fatos eram sempre feitos à medida, por alfaiates, comprava-se um lote de fazenda para esse efeito – e, por vezes, verificava-se que faltava tecido para a última parte a acrescentar: as mangas. Doutras vezes, pelo contrário, o tecido sobrava, e dizia-se então que havia muito pano para mangas. O lugar-comum ficou a significar que, para o caso de que estamos a tratar, há matéria em excesso.

PÃO (O) NOSSO DE CADA DIA

            A expressão está contida numa oração, o padre-nosso, na qual se pede que não falte, a cada um de nós, todos os dias, o alimento mais simbólico de todos (pelo menos para nós, os ocidentais; para as gentes do oriente, será o arroz nosso de cada dia). Por extensão, designa-se como pão nosso de cada dia qualquer facto ou acontecimento que ocorra com muita frequência.

PAREDES (AS) TÊM OUVIDOS

            Em tempos mais antigos, isto queria dizer que era preciso ter cuidado, pois uma conversa confidencial podia ser escutada através de uma parede mais fina, por quem estivesse do outro lado, com a orelha encostada ao tabique... Na nossa era, mais moderna, os processos de escuta são muito mais sofisticados, e usam-se sistemas electrónicos e outros, permitindo ouvir as conversas e as confidências mais secretas, que assim deixam de o ser e podem ser divulgadas, nos jornais e noutros órgãos de comunicação, para se manter um clima de conspiração, que é tão agradável e, para alguns. é mesmo indispensável...

PASSAR AS PASSAS DO ALGARVE

            As passas de uvas (não só as do Algarve, mas estas são as mais conhecidas) sofrem um processo complicado, até chegarem à mesa dos consumidores: apanhando muito sol até estarem suficientemente secas. Por comparação, quem passa por maus bocados, por grandes complicações, ou por dificuldades, diz-se que passa por trabalhos equivalentes aos das passas algarvias.

PEDRADA NO CHARCO

            Quando se atira uma pedra a um charco de águas calmas, isso provoca grande agitação nessas águas. O mesmo acontece com qualquer acção ou iniciativa que quebre a tranquilidade de uma situação habitualmente mergulhada na rotina. Qualquer facto insólito ou inesperado causa perturbação no ramerrame instalado e atrapalha as pessoas habituadas a uma actuação tradicionalmente imutável.

PEITO (DE) FEITO

Os valentões gabarolas, que gostam de exibir a sua força física, têm uma atitude desafiadora que consiste em encher o peito de ar e projectá-lo para a frente, mostrando assim a sua disposição para a luta. Por analogia, e mesmo sem precisar desse tipo de exibição física, quem esteja disposto a enfrentar corajosamente os problemas e as dificuldades também pode dizer-se que está de peito feito.

PEQUENOS NADAS

            Tecnicamente, pode dizer-se que se trata de uma expressão errada, porque o nada não pode ser pequeno nem grande: é nada... Na verdade, o que este lugar-comum pretende significar é pequenos pormenores, insignificâncias.

PERGUNTAR NÃO OFENDE

Expressão que costuma ser usada quando se pretende fazer uma pergunta que corre o risco de ofender a pessoa a quem é dirigida.

POMPA E CIRCUNSTÂNCIA

É das composições musicais mais conhecidas e mais tocadas, em Inglaterra e não só. As Marchas de Pompa e Circunstância de Edward Elgar, são sempre executadas nos famosos Concertos Promenade, e toda a assistência as acompanha entusiasticamente. Desse título tão pomposo se aproveitam todos aqueles que querem caracterizar qualquer acontecimento mais ou menos importante, atribuindo-lhe essa pompa (que todos percebemos o que é) mas, também, essa circunstância (que ninguém percebe o que está ali a fazer). Então, por hábito e porque convém falar bonito, tudo assume pompa e circunstância, de forma quase automática.

PÔR A BOCA NO TROMBONE

            A pitoresca expressão é de origem brasileira, mas, tal como aconteceu com a bossa-nova e as telenovelas, rapidamente foi adoptada pelos Portugueses, que a interpretam com o sentido de divulgar um segredo,

POR MUITAS ORDENS DE RAZÕES

            Aqui está o que se pode chamar um exagero... exagerado... Se, em substituição, dissermos simplesmente por várias razões, fica tudo dito, com maior simplicidade e menor confusão gramatical.

PRECIOSO LÍQUIDO

Você tem sede? Apetece-lhe um copo de água bem fresca? Pois beba-o, que é a melhor maneira de a matar (a sede) mas fique sabendo que, em linguagem jornalística, não está a beber água: está a beber o precioso líquido. Esta forma tão sólida de designar o líquido tornou-se um lugar-comum, e só admira que, nos cafés, não se ouça mais frequentemente o pedido: – Para mim, é uma bica escaldada e um copo do precioso líquido, por favor!

PROCESSO KAFKIANO

            Franz Kafka escreveu um livro (O Processo) que ficou como um símbolo, não só da Literatura do século XX, como da vida moderna. Um homem é preso e levado perante os juízes, sem saber porque o prendem, sem que ninguém lhe dê explicações, vendo-se envolvido numa teia de burocracia, de prepotência, de corrupção, sem nunca receber uma explicação para o que se está a passar, e sem adivinhar o que lhe irá acontecer. Ora, casos semelhantes surgem constantemente, fora das páginas da Literatura – isto é, na vida real também acontecem muitos processos kafkianos.

PROPORÇÕES DANTESCAS

            Este lugar-comum remete-nos para o escritor Dante Alighieri, autor de A Divina Comédia, que descreve, no capítulo dedicado ao Inferno, cenas terríveis, horrorosas, de uma crueldade inimaginável. Cenas, enfim, tão extraordinariamente cruéis que atingem proporções dantescas.


PULGA (A) ATRÁS DA ORELHA

            Uma pulga é um bichinho aparentemente insignificante, mas bastante incomodativo quando pica. Ter uma pulga atrás de uma orelha (que é um sítio onde elas gostam muito de alojar-se) além de nos fazer comichão, faz-nos ficar alerta perante qualquer coisa que nos estão a prometer ou a oferecer, mas que parece boa de mais para ser verdadeira... Daí que muita gente, ao ser-lhe proposto algo que não tem garantia de vir a ser real, coce a cabeça (atrás da orelha), como se lá estivesse uma pulga, e fique de pé atrás – que é, aliás, outra expressão com significado muito parecido.

PURA E SIMPLESMENTE

            Pode dizer-se simplesmente. Pode dizer-se puramente, embora fique a soar um pouco mal e não seja tão frequente. Mas, para alguns, fica mais bonito dizer pura e simplesmente. É pura e simplesmente um hábito. 

CONTINUA

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