30/06/2012

LUGARES COMUNS - De "fim da picada" até "onda avassaladora"

FIM (O) DA PICADA

            No Brasil, e também em Angola, uma picada é um caminho aberto no mato, para se chegar a determinado local. Portanto, quando o caminho termina, não se pode ir mais além. Deste modo, o fim da picada é o fim do caminho – no limite, e em termos mais dramáticos, é a morte. Em linguagem corrente, é a finalização de qualquer tarefa ou objectivo.

FUGIR COM O RABO À SERINGA

            Refere-se àquele gesto instintivo que as pessoas fazem, quando a agulha da injecção se aproxima da nádega, ameaçando espetá-la, talvez de forma dolorosa... Por analogia, qualquer outra fuga a uma situação incómoda, seja ela de que natureza for, pode ser descrita desta forma pitoresca, ainda que nada tenha a ver directamente com o rabo... nem com as calças...


FUGIR COMO O DIABO DA CRUZ

            O Diabo, essa entidade maléfica que, segundo se diz, começou por ser um anjo, transformando-se depois num Mafarrico com cornos, barbicha e carapuço vermelho, empurrando as almas para o Inferno com um tridente, terá então adquirido, segundo acreditam as almas simples, um horror muito grande a todos os objectos em forma de cruz... Provavelmente, tudo isto não passa de superstição mais ou menos ingénua – mas a imagem é tão interessante, fica tão bem em cena, no Teatro ou no Cinema, que o lugar-comum adquiriu força simbólica para comparações dramáticas, expressando o terror que algumas pessoas sentem perante situações complicadas.  

GALINHA DOS OVOS DE OURO

Aqui está a prova de como as influências das histórias escutadas na infância se prolongam na vida adulta. A ingénua historinha de uma galinha que punha ovos de ouro marcou tão fortemente a imaginação das pessoas que, mesmo na idade adulta, se servem desta imagem para simbolizar verbalmente uma situação em que os lucros são acima da média.


GRANDIOSA MANIFESTAÇÃO

            Já alguém apareceu, em algum tempo, a informar que participou numa "pequena manifestação", ou numa "modesta manifestação"? Jamais! As manifestações, mesmo aquelas que ainda não se realizaram e que, por isso, ninguém pode garantir antecipadamente o número de participantes que terão, são sempre designadas por grandiosas manifestações. Depois, segue-se a polémica habitual: os manifestantes dizem que seriam para cima de um milhão; os do contra informam, desdenhosamente, que aquilo não teria mais que uns vinte mil... E a coisa fica por aí – até ao próximo anúncio de mais uma grandiosa manifestação...

IMPÁVIDO E SERENO

Aqui está um doa lugares-comuns mais comuns, entre os que aparecem com frequência no nosso quotidiano. Em situações de crise ou aflição, há sempre alguém que não se limita a ficar impávido. Parece ser obrigatório acrescentar mais um adjectivo, perfeitamente desnecessário, mas que arredonda a frase. E então, lá se juntam os dois e temos que os suportar... impávidos e serenos.

INFAME CALUNIADOR

Um caluniador já é, por definição, infame. Mas, carregado com este adjectivo, no meio de um texto qualquer, fica muito mais desprezível e dá-nos mesmo vontade de lhe cuspir. Um infame caluniador é, assim, muito mais caluniador que um simples caluniador...

LANÇA (UMA) EM ÁFRICA

            Diz-se que o Condestável Nuno Álvares Pereira, quando já era um monge recolhido no Convento do Carmo, soube que as lutas com Castela ameaçavam recomeçar. Então, teria afirmado que, apesar de velho, ainda era muito capaz de pegar numa lança e lançá-la com tal força que chegaria a África! E então, para provar a sua energia, teria arremessado uma lança que veio espetar-se cá em baixo, no terreiro do Rossio... A expressão meter uma lança em África ficou como símbolo de uma proeza fora do comum

LÍDER CARISMÁTICO

            Nunca se ouviu falar de um líder que não fosse apelidado de carismático, pelo menos pelos seus seguidores. É um adjectivo considerado obrigatório, e que só deixa de ser aplicado quando o líder deixa de o ser. Então, passar a ser o saudoso líder. Às vezes, vá lá, ainda é recordado como o saudoso e carismático líder...

LOIRA ALBION

Albion é o mais antigo dos nomes por que foi conhecida a Grã-Bretanha, muitas vezes usado poeticamente pata fazer referência àquela ilha. Por outro lado, os Latinos sempre tiveram um particular fascínio pelas mulheres louras – e as Inglesas eram então maioritariamente louras. Daí que a designação loira Albion fosse, em certas épocas, aplicada muito frequentemente ao país com o qual Portugal tem o mais antigo tratado de amizade, nem sempre levado à letra... Nas ocasiões de relacionamento mais tenso, as referências a Inglaterra deixavam de ter como protagonista a loira Albion, trocada pelo rude John Bull..

LUAR PRATEADO

A luz da Lua, mesmo depois de esta ter sido conspurcada pelas patadas de astronautas como Neil Armstrong e outros, tem realmente o aspecto do reflexo numa lata, mas esta (a lata) tem sido tradicionalmente transformada, pelos poetas românticos, em metal bem mais precioso. Daí que o luar tenha sido cantado, pelos séculos fora, como algo que poderia ser vendido nas ourivesarias, o que, infelizmente para os ourives, não corresponde à realidade. O luar prateado serve de cenário habitual a cenas românticas, que ficam muito mais compostas se envolvidas por este elemento tão brilhante...

LUFADA (UMA) DE AR FRESCO

            Quando se pretende descrever um elemento suavizador de certas tensões, costuma-se compará-lo a uma aragem que vem aligeirar o ambiente. Daí a imagem de uma lufada de ar fresco, que é, sem dúvida, expressiva e apropriada, pois seria bem menos eficaz um  jacto de ar quente...

LUTA (A) CONTINUA

            Este grito tornou-se popular, em Portugal, especialmente depois da viragem política de 25 de Abril de 1974, e nas mini-revoluções e manifestações que se lhe seguiram. No entanto, já tinha sido usado noutras datas e noutros países, à semelhança de outra frase revolucionária muito repetida: "O povo unido jamais será vencido!", importada da América do Sul, onde os latino-americanos de vários países, habituados a frequentes revoluções e golpes de Estado, repetem "El pueblo unido jamás será vencido!". Qualquer destas expressões acabou por perder impacto, de tão repetidas, mas ainda aparecem de vez em quando, sinal de que, na verdade, a luta continua...

LUZ (UMA) AO FUNDO DO TÚNEL

Tornou-se um dos lugares-comuns mais repetidos, sobretudo na vida política, sendo muito usado por aqueles que se especializaram em promessas dificilmente concretizáveis, e que nos entretêm com essa frase de esperança, que não diz nada mas promete tudo: já se vê uma luz ao fundo do túnel!... Os mais cépticos preferem dizer que é mais provável depararmo-nos com um túnel quando se apagar a luz...

LUZ CLARA

            Além de ser um lugar-comum, a citação que envolve a menção romântica de uma luz clara é um desnecessário e ridículo pleonasmo, já que não se concebe a existência de uma luz que não irradie claridade (sim, há a chamada luz negra, a dos raios ultravioletas, mas essa não costuma entrar nas citações aqui tratadas).

MACACOS ME MORDAM!

            Esta vigorosa exclamação, usada, à semelhança de muitas outras, pelo Capitão Archibald Haddock, o amigo do Tintin, não deve ser levada a sério, pois duvido que alguém verdadeiramente deseje que um macaco qualquer lhe dê uma dentada! Como lugar-comum, tem vindo a cair em desuso, ultimamente, substituída por outras expressões, algumas delas bem menos vigorosas, ainda que bem mais malcriadas.

MAFOMA (O QUE) NÃO DIZIA DO TOUCINHO

            Pelos vistos, Mafoma (Maomé) disse muito mal do toucinho – tanto, que o lugar-comum o que Mafoma não disse do toucinho é um dos mais citados, em notícias, em artigos, em discursos e por aí fora. Mas... o que disse Mafoma realmente do toucinho? Sabendo-se da repugnância que a carne de porco causa aos Muçulmanos, podemos imaginar o que ele teria dito. E isso nos chega,

MAIOR E VACINADO

            Esta forma de definir um indivíduo adulto justificava-se no tempo em que as vacinas eram coisa ainda relativamente rara. Muitos rapazes apanhavam a sua primeira vacina quando iam à tropa. Actualmente, porém, todos os bebés são vacinados ainda antes de saberem falar, de maneira que a expressão perdeu um pouco o significado antigo, No entanto, continua a usar-se muito, por hábito adquirido, dizendo-se que Fulano, por já ser crescido, é maior e vacinado.

MAIS QUE AS MÃES

            Ora aqui está uma forma muito pitoresca de significar muita gente. Diz-se: eles são mais que as mães para explicar que são muitos, muitíssimos. Na verdade, a classe das Mães é, por razões óbvias, uma das mais numerosas no mundo. Quanto à elegância da forma, aí já o assunto é mais discutível...

MAIS VALE SÓ...

            O que fica implícito na sequência destas palavras e lhe completa o sentido (mais vale só que mal acompanhado) é um conceito popular, que dá muito jeito para ser aplicado às mais diversas circunstâncias da vida. As vantagens da solidão ficam assim expressas neste lugar-comum, ou melhor, neste meio-lugar-comum, já que raramente a frase aparece completa.

MALES (HÁ) QUE VÊM POR BEM

            Boa tentativa para acalentar e consolar alguém a quem aconteceu uma desgraça qualquer. É duvidosa a eficácia do truque, mas não fica mal tentar.

MALHAR EM FERRO FRIO

            Este lugar-comum é incompreensível, no seu significado literal, para as pessoas do mundo actual, embora lhe entendam genericamente o sentido. Hoje não existem ferreiros. Esses é que sabiam, por experiência profissional, que o ferro tinha que estar bem quente – em brasa – para ser malhado e moldado. Estando frio o ferro, bem lhe podiam malhar, que ele ficava na mesma. E é este o tal sentido que é dado à frase: não adiante tentar seja o que for, se as circunstâncias não forem propícias.

MANGA-DE-ALPACA

            É uma imagem de tempos antigos: os funcionários públicos, os contabilistas, os caixeiros, para protegerem e pouparem as mangas das camisas, usavam umas mangas postiças, feitas de alpaca, que se apertavam com uns elásticos. Sendo estas profissões habitualmente desempenhadas por pessoas muito minuciosas, cheias de hábitos burocráticos, o termo manga-de-alpaca ficou a definir todo aquele que trabalho por processos antiquados e chatos, com pouco dinamismo e sem espírito de iniciativa. Actualmente, já não se vêem por aí mangas destas – mas o espírito ainda se mantém, em muita gente que, segundo uma velha piada, usa três mangas-de-alpaca: duas nos braços e mais uma na cabeça...

METER A PATA NA POÇA

            A frase parece ter nascido, como tantas outras, num número cómico de revista teatral, sendo habitualmente atribuído a Raul Solnado, e generalizando-se depois às situações em que, por distracção ou burrice, alguém faz asneira. Outras parecidas são, por exemplo, meter água ou meter o pé na argola.            


MAOMÉ (SE) NÃO VAI À MONTANHA, VAI A MONTANHA A MAOMÉ

O sentido é evidente para quem saiba interpretar a história. Maomé ensinava os
seus discípulos, que o desafiaram a fazer deslocar uma montanha para perto de si. Tentou mas não conseguiu. Foi então ele mesmo até junto da montanha e agradeceu por não ter conseguido removê-la... Também um trabalho que parece impossível poderá concretizar-se quando, em vez de esperar que ele se realize sozinho, se toma a iniciativa justa.

MÃOS A ABANAR

            As imagens clássicas dos grandes empreendedores, dos trabalhadores, mostram-nos sempre com as mãos ocupadas – com uma ferramenta, com um livro, com um objecto de trabalho. Mão a abanar significam uma de duas coisas, qualquer delas negativa: ociosidade... ou desemprego.

MELHOR (O) AMIGO DO HOMEM

            Frase simpática geralmente aplicada ao cão – embora haja quem não partilhe da opinião de ser este, realmente, o melhor amigo que um homem pode ter. Há quem prefira o gato, ou outro bicho qualquer. Por isso, o uso deste lugar-comum pode dar origem a confusões, entre aqueles que não partilham o amor pela raça canina.

MERECIDO DESCANSO

É um qualificativo muito usado na época estival, quando se dá notícia de que uma personalidade com certo destaque (um ministro, um cantor pop, uma fofoqueira de programa de tv) vai de férias. Aliás, existe uma variante, também muito utilizada, que é a das merecidas férias. A pessoa não vai gozar um descanso normal – nos casos citados, e noutros, somos informados de que vai gozar um merecido descanso. Por contraste, o descanso de um indivíduo normal (que não seja, portanto, nem ministro, nem cantor pop, nem fofoqueira) deve, naturalmente, ser classificado como "imerecido".

MÓ (A) DE BAIXO

Nos moinhos de vento há duas mós: a mó de cima (o "alueiro") para moer o trigo, e a mó de baixo (o "urgeiro") para moer o milho e outros cereais. Enquanto o moleiro trata da moenda do trigo (no Alentejo dizem moenga), o ajudante, cá em baixo, cuida da mó inferior. Talvez porque o trigo é cereal mais "nobre", a mó de cima é considerada mais importante, e a mó de baixo serve de comparação para as situações em que as pessoas não estão lá muito bem na vida – estão, portanto, na mó de baixo.


NÃO HÁ DUAS SEM TRÊS

            Este lugar-comum exprime, em linguagem popular, aquilo que está contido na Lei das Probabilidades: se um facto se repete, é natural que ainda volte a acontecer pela terceira vez. Vogando nessa esperança, as pessoas vão acreditando que essa repetição acontecerá mesmo à medida dos seus desejos (para os factos positivos), ou como azar que as persegue (quando os factos são negativos).

NÃO MEXER UMA PALHA

            Dada a mecanização da nossa agricultura, já é muito raro alguém mexer em palha... No entanto, a imagem ficou, neste lugar-comum que significa não fazer nada, não tomar qualquer iniciativa, ficar quieto.

NÃO TUGIR NEM MUGIR

A expressão é vagamente ofensiva. Na sua primeira parte (não tugir) usa um verbo antigo, que significa falar baixinho, murmurar; na segunda parte (nem mugir) refere-se à linguagem dos bovinos, o mugido, que equivale ao berro, ao falar alto. Assim, não tugir nem mugir significa, simplesmente, ficar calado, não falar.

NÃO VÁ O DIABO TECÊ-LAS

            O que poderá o Diabo tecer? Por tradição, ele só poderá tecer coisas maléficas – portanto, cuidado! é o que nos recomenda este lugar-comum, aconselhando precaução nas resoluções a tomar.

NEVOEIRO DENSO

O nevoeiro pode ser mais ou menos espesso, conforma as condições meteorológicas. No entanto, para fins literários, quando se pretende dar maior dramatismo à descrição de uma cena nevoenta, ele é sempre descrito como denso, ou mesmo, quando se usa estilo mais rico, imperscrutável...

OBRAS DE SANTA ENGRÁCIA

            É muito curiosa a persistência, durante muitos anos, desta frase, que já vem do século XVII. Na verdade, em Fevereiro de 1631 foi executada em Lisboa a sentença de morte sobre um cristão-novo, um tal Simão Pires, acusado de ser ladrão, a quem, depois de cortarem as mãos, queimaram numa fogueira, como aconteceu, na época, a outros judeus convertidos. Fora acusado de ter roubado as relíquias da igreja de Santa Engrácia, a qual estava então em obras. Tinham-no visto por aqueles lados, de noite, o que levantou suspeitas. Ora a verdade é que ele andava a rondar o Convento de Santa Clara, tentando convencer uma jovem noviça a fugir, para casar com ele. Porém, para não a comprometer, guardou silêncio, não revelou a verdadeira causa da sua presença naquele local e naquela noite, e só quando as chamas da fogueira começarem a rodeá-lo gritou que era tão certo ele estar inocente como as obras de Santa Engrácia nunca mais acabarem!... As obras de Santa Engrácia arrastaram-se morosamente, até ser ali instalado, já no século XX, o Panteão Nacional – e a frase passou a designar todas as outras obras que pareciam nunca mais ter fim... As obras de Santa Engrácia duraram cerca de 350 anos – mas há outras que ameaçam ter a mesma sorte...

OLHOS DE CARNEIRO MAL MORTO

            Um carneiro, ou está morto... ou não está, e então está vivo... Mal morto é uma forma de dizer que está prestes a morrer, que está moribundo... Ora, nestas circunstâncias, qualquer carneiro (aliás, como qualquer outro animal, homem incluído) fica com os olhos semicerrados, com expressão um pouco estúpida. Por isso se aplica este lugar-comum aos indivíduos que parecem estar ausentes, a pensar sabe-se lá em quê – ou, provavelmente, a pensar em nada.

ONDA AVASSALADORA

            Uma onda que fuja aos padrões normais das ondas que estamos habituados a ver, pode ser tão grande que assuma a categoria de tsunami. Isto em termos científicos – porque, em termos literários, é mais comum ser apelidada de onda avassaladora. É bonito e dá outra força ao texto.  

CONTINUA

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