02/06/2012

"O PORTUGUÊS PITORESCO" - Cap. 4

4. MANEIRAS DE FALAR
  
Cada pessoa tem o seu estilo e a sua maneira de falar e de escrever. É através da linguagem falada e da linguagem escrita (talvez mais através da primeira) que se revelam alguns tiques e alguns vícios que, de certo modo, até podem ser pitorescos, mas se tornam, por vezes, cansativos e incomodativos para quem escuta ou lê.

Eis dois exemplos de maneiras de escrever e de falar particularmente curiosas, que abusam, no primeiro caso, dos lugares-comuns e, no segundo, de deficiências gramaticais.


MANEIRAS DE FALAR – NA POLÍTICA

Até mesmo quem, normalmente, escreve bem, tem, por vezes, deslizes e cai no uso de sucessivos lugares-comuns, que não ajudam nada a enriquecer o discurso. Pelo contrário, banalizam-no. Um exemplo: numa crónica de Pacheco Pereira (Sábado nº 268, de 24/6/2009) lia-se: "(...) todos os discursos estão gastos (...) o de "apertar o cinto" quando vai ser precisa muita austeridade, o da "luz ao fundo do túnel" quando só se vê escuridão."  E mais adiante, no mesmo texto: "(...) quando se vive "numa redoma" (...) e uma vez "na mó de baixo" está-se muito, muito na mó de baixo. (...) Quando alguém está "na mó de baixo" há sempre alguém que nunca "mexeu uma palha" que vai lá bater." São lugares-comuns em excesso, que empobrecem o texto

Um certo deslize que ficou famoso foi o do socialista Jorge Coelho que, em certa sessão da Assembleia da República, lançou un sonoro "hadem", em vez de "hão-de"... Toda a gente gozou muito com o lapso – incluindo o comunista Jerónimo de Sousa, que depois, num comício do seu partido, em Março de 2009, afirmou que "os jovens não sabem o que hadem fazer"...

Haja esperança, porém. Com tempo e perseverança, eles "hadem" evitar estes e outros lapsos...

MANEIRAS DE FALAR – NO FUTEBOL

            Um dos casos mais conhecidos do grande público deve ser o de um treinador de futebol (Paulo Bento, que foi treinador do Sporting e, depois, treinador da equipa nacional). Além dos evidentes lugares-comuns que utiliza, ele sofre de um vício da fala que podíamos definir como síndrome do volta-atrás, e que consiste em fazer frequentes paragens nas frases que pronuncia, pegando novamente no discurso e repetindo as duas ou três últimas palavras ditas antes da pausa. Para quem não conhece, nada melhor que um exemplo, para se perceber o estilo:

            "Não há dúvida de que... de que este jogo... este jogo foi disputado com... foi disputado com tranquilidade e com... e com grande sentido de... grande sentido de responsabilidade por parte... por parte dos jogadores que souberam... que souberam dar... que souberam dar o seu melhor para que... para que o resultado fosse de acordo com... de acordo com o que era... com o que era exigido a ruma equipa com... uma equipa com o estatuto... de um finalista de... finalista de uma prova que... uma prova que é essencial... que é essencial para as nossas ambições no que se refere... no que se refere à presença... à presença do plantel neste... neste campeonato!"

Reparem no tamanho que este discurso teria, sem as "pausas respiratórias", e comparem as versões, com e sem essas pausas com que foi enfeitado:

            "Não há dúvida de que este jogo foi disputado com tranquilidade e com grande sentido de responsabilidade por parte dos jogadores que souberam dar o seu melhor para que o resultado fosse de acordo com exigido a uma equipa com o estatuto de um finalista de uma prova que é essencial para as nossas ambições no que se refere à presença do plantel neste campeonato." 

O que é certo é que esta forma de discurso, além de ser pitoresca, permite ao seu autor algo muito importante, numa época em que o mediatismo e o tempo ocupado na Televisão e na Rádio têm um valor enorme! Assim, ele consegue dispor de um tempo de antena muito mais esticado para transmitir a sua mensagem.

Vou, agora, apresentar algumas (poucas) expressões pitorescas que se usam na linguagem corrente e, principalmente, em linguagens específicas, como o Politiquês, o Burocratês, o Futebolês e outras semelhantes.

ALGUMAS EXPRESSÕES PITORESCAS

            A nossa língua é muito rica em expressões, umas muito antigas, outras mais modernas, que têm certa graça e apresentam aspectos insólitos. Para além das que são mencionadas noutros capítulos (lugares-comuns, palavras (mal) ditas, etc.), eis aqui umas tantas, de entre as muitas que podem servir de exemplo.


ATÉ VIR A MULHER DA FAVA-RICA

            A figura da mulher da fava-rica foi muito popular, sobretudo em Lisboa, durante muitos anos. Passava pelos bairros populares, com um grande panelão à cabeça, onde tinha cozinhado, logo de madrugada, favas secas que eram cozidas e temperadas com azeite, sal, pimenta, vinagre e uns dentes de alho. Era um petisco muito apreciado pelos lisboetas, que o comiam ao pequeno-almoço, e era vendido de porta em porta, de manhã cedo. Quem trabalhava de noite esperava por essa hora matinal para tomar a sua primeira refeição, e dizia então que tinha de trabalhar até se ouvir o pregão da mulher da fava-rica... o que passou a designar a espera, às vezes ansiosa, por algo que tardava a chegar.

BOCA DE CHARROCO

            Trata-se de uma designação vagamente insultuosa, dirigida a quem tenha duas características reunidas na mesma pessoa: uma boca muito feia e muito grande, e o hábito de espalhar boatos e maledicência. Ser um boca de charroco é, assim, reunir o mau aspecto com o maldizer. 

COMO OS DA LOURINHÃ

            Trata-se de um dito popular, que tem tanto de antigo como de injusto. Nas localidades à volta daquela terra, devido provavelmente a rivalidades provincianas, falava-se, a propósito dos naturais daquela vila, desta forma depreciativa: São como os da Lourinhã, o que dizem à noite já não dizem de manhã... Seria mais por graça que outra coisa – mas os da Lourinhã não deviam achar graça nenhuma.

OLHO DA RUA

            Trata-se de um lugar misterioso, que ninguém sabe ao certo onde fica, mas que também ninguém em seu juízo deseja frequentar. É desconhecida a origem da expressão, que tem tanto de curioso como de indefinido. Onde é o olho da rua? Em que local exacto da dita é que ele está? O certo é que nos mandam, às vezes, para lá, com expressão irada: – Ponha-se no olho da rua!... Há outros olhos, fisicamente identificáveis, que não oferecem tanto mistério como este. Mas lá que este existe, isso é certo. Quem o baptizou é que ninguém sabe. Nem porquê.

VIAJAR NA MAIONESE 

            Também se diz navegar na maionese – é uma expressão de origem brasileira, que se transformou num lugar-comum, significando dar opiniões sem fundamento, falar ou pensar sem lógica. Não é de admirar que seja aplicada muito frequentemente no mundo da Política.

CONTINUA

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