24/06/2012

LUGARES COMUNS - De "chover no molhado" até "fiel amigo"

CHOVER NO MOLHADO

            Tem significado parecido com fazer o que já foi feito, ou dizer o que já foi dito, Refere-se, portanto, a uma repetição inútil, como aquela partida que a Natureza prega, às vezes, aos agricultores, fazendo cair uma grande carga de água sobre os campos que acabaram de ser regados com os caríssimos sistemas de rega mecânica... 

COCA-BICHINHOS

            É um nome, meio depreciativo meio carinhoso, que costuma aplicar-se àquelas pessoas que vivem apaixonadamente interessadas por coisas pequeninas. É o caso, entre outros, dos entomólogos. Como estes passam muito tempo à coca (a observar) os bichinhos, a designação coca-bichinhos é apropriado. Depois, por comparação, ela aplica-se (agora já de modo zombeteiro) a toda a gente que se preocupa com coisas pequeninas, insignificantes.

COISAS DO ARCO-DA-VELHA

            Para muita gente, o arco-íris ainda é um fenómeno dificilmente explicável, uma espécie de magia que surge no espaço, nos dias de chuva. Pessoas mais velhas, que não andaram na escola, ou que por lá passaram distraídas, não aprenderam que se trata de um fenómeno meteorológico através do qual a luz do Sol, passando pelas gotas da chuva, se espalha no seu espectro de sete cores. Outros nomes se lhe aplicam: arco-celeste, arco-da-chuva, arco-da-aliança (este último porque, segundo a Bíblia, simboliza um pacto de paz que foi estabelecido com Noé após o Dilúvio). Mas o nome mais popular e mais pitoresco é arco-da-velha – que, aliás, também tem a ver com o Velho Testamento, ou Lei Velha. Em razão da estranheza com que muita gente ainda olha para este fenómeno, as pessoas falam de coisas do arco-da-velha quando se referem a acontecimentos fora do normal.
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COMER AS PAPAS NA CABEÇA

            Significa uma coisa que é difícil de imaginar na prática: se uma pessoa é maior que outra, sentindo-se assim mais importante, será capaz até de comer papas na cabeça da outra... Para além da evidente falta de higiene, a ideia só pode ser encarada simbolicamente.

CONFUNDIR A NUVEM COM JUNO

Ou, noutra variante, tomar a nuvem por Juno – um conceito que vem da Mitologia, e que significa deixar-se enganar pelas aparências. A história começa quando Ixíon, que era rei dos Lapitas, promete a Deioneu, pai de Clia, que lhe entregaria um rico dote, quando casasse com a filha. Mas a promessa não foi cumprida, e Deioneu acusou Ixíon de ter faltado à sua palavra. Ora, não há nenhum mentiroso que goste que lhe chamem tal nome... Por isso, Ixíon matou o sogro, enfiando-o numa fornalha... No entanto, mais tarde, arrependeu-se, de tal forma que Júpiter, o pai de todos os deuses, o perdoou. Só que ele viria depois a apaixonar-se por Juno, a mulher de Júpiter. Esta queixou-se dele ao marido, que resolver pôr à prova o malandrim reincidente: formou uma nuvem com as formas de Juno, e o apaixonado precipitou-se a abraçar a nuvem... É claro que Júpiter não teve outro remédio senão expulsá-lo do Olimpo – mas, mesmo assim, ele gabava-se aí por todo o lado de ter possuído Juno. Resultado: acabou no Inferno, onde as Fúrias o amarraram com serpentes a uma roda de fogo, girando para todo o sempre... Tudo isto porque uma lamentável miopia o fez confundir a nuvem com a sua amada...

CONSCIÊNCIA PERFEITAMENTE TRANQUILA

            Um inocente, mesmo quando é acusado de uma qualquer patifaria, tem que arranjar forças para resistir à acusação injusta. Precisa de ter a consciência tranquila. Mas isso não chega.. É necessário que ela, a consciência, esteja perfeitamente tranquila. Este lugar-comum pode não resolver o problema, mas ajuda a tranquilizar quem o usa.

COSTAS LARGAS - ou QUENTES
            Quando uma pessoa se gaba de ter as costas largas, isso significa que está confiante em si mesma, ou naqueles que a protegem. Uma variante de costas largas é costas quentes, que significa o mesmo: ter poder, ou ter por trás alguém poderoso que apadrinha e dá cobertura, até às maroteiras que venham a ser feitas.

CULPA (A) NÃO MORRE SOLTEIRA

Diz-se de um caso em que o culpado por qualquer acto menos próprio é descoberto e punido por esse acto. Não tem nada a ver com problemas conjugais, e não é hábito dizer-se que a culpa morre casada – o que, só aparentemente, teria o mesmo significado. O pior é que, sendo este lugar-comum dito com muita frequência, quando os acontecimentos ainda estão a ser vividos a quente, é muito raro que a intenção se cumpra na realidade – ou seja, a culpa, na maior parta dos casos, acaba mesmo por ficar para tia...

DAR O LITRO

            Ao contrário do que poderia supor-se, o sentido da frase não se refere à doação de um litro de qualquer líquido seja a quem for. Por qualquer razão misteriosa, dar o litro significa dar o seu melhor, fazer o máximo de esforço. Desconhece-se a origem desta forma de manifestar uma tão saudável produtividade. Há uma variante ligeiramente diferente, que é dar o corpo ao manifesto.
           
DAR O NÓ

            Também se diz dar o sagrado nó, e ambas as formas significam o mesmo: casar. Isto apesar de o casamento ter vindo, progressivamente, a perder o seu aspecto sagrado, que lhe é atribuído pela religião. Talvez por isso, além de decrescer o número de pessoas que dão o nó, é cada vez maior o número daquelas que o desfazem – isto é, que se divorciam.  

DAR OS NOMES AOS BOIS

            Não se pode dizer que seja um lugar-comum dos mais elegantes, mas é, pelo menos, bastante expressivo. Significa ser franco, chamar as coisas pelos nomes apropriados. No entanto, com as conotações negativas que a palavra "boi" assume na nossa língua, é pelo menos delicado o uso da expressão.

DAR PÉROLAS A PORCOS

            É evidente que dar pérolas a porcos não é uma atitude lá muito inteligente. por duas razões principais: porque é uma tontice desperdiçar assim coisas tão caras – e porque os porcos não vão agradecer gesto tão magnânimo, e até haviam de preferir que lhes dessem bolotas... Em sentido figurado, trata-se de oferecer coisas valiosas a quem as não merece.

DEITAR ÁGUA NA FERVURA

Qualquer dona de casa, ou qualquer cozinheira, sabe o sentido desta frase: quando uma panela está ao lume, com a sopa a ferver, e é preciso atrasar um pouco o fim da cozedura, deita-se um pouco de água fria, e o borbulhar reduz-se imediatamente. Numa discussão, o fenómeno é idêntico: quando os ânimos estão exaltados, introduz-se uma palavra ponderada, uma piada, uma observação bem disposta, e a disputa acalma.    

DEPOIS DA CASA ARROMBADA, TRANCAS À PORTA

            E o que sempre se diz, depois de se verificar que se cometeu um grande disparate, que bem podia ter sido evitado, se tivessem sido tomadas as precauções normais. É sempre depois de um grande roubo que se faz o seguro da casa.       

DESPIDO DE PRECONCEITOS

            Podia dizer-se de outras formas, como isento de preconceitos, liberto de preconceitos ou, ainda mais simplesmente, sem preconceitos. Porém, a palavra despido parece ter um vago sentido erótico, que dá, a este lugar-comum, um sentido um pouco maroto, que o torna muito mais interessante...

DESPORTO-REI

Começou por chamar-se football, quando era jogado por uns ingleses ricos e um bocado excêntricos que moravam na linha do Estoril e se juntavam para dar uns pontapés (kicks) numa bola (ball). Durante muitos anos, falava-se então do tal football, do goal, do keeper, do corner, do penalty, do referee, do offside... palavras que caíram em desuso, substituídas por outras mais modernas. O nome do jogo foi aportuguesado para futebol – mas é carinhosamente substituído, muitas vezes, pelo tal desporto-rei – entendendo-se que todos os outros desportos são, mais ou menos, desportos-vassalos...

DOCE ESPERANÇA

A esperança é algo que, em princípio, não tem sabor... Todavia, muita gente acha que a esperança pode saber ao mesmo que um caramelo... Daí a expressão doce esperança, que não faz mal nenhum à nossa alma (nem aos nossos dentes) e que ajuda a suportar as amarguras da vida...

DOCE VOLÚPIA

            Volúpia é uma daquelas palavras bonitas, quase aristocráticas, muito mais qualificadas do que, por exemplo, prazer, gozo ou mesmo sensualidade, Fica reservada para cenas de amor altamente sofisticadas, entre amantes de classe social elevada. Quando se pretende juntar tudo isto numa narrativa de estilo superior, nada melhor que juntar-lhe um adjectivo tão agradável como doce – e o resultado é essa doce volúpia que enfeita os grandes romances de amor.

DOR DE COTOVELO

            Diz-se de uma das dores mais difíceis de suportar, devido ao facto de – embora supostamente se localizar num ponto preciso do corpo humano, o cotovelo – ela se manifestar mais concretamente a nível da cabeça e/ou do coração, conforme o convencionalismo romântico utilizado pelo protagonista... Enfim, toda a gente sabe que dor-de-cotovelo é o nome pitoresco aplicado a esse sentimento terrível que é o ciúme. Em meios menos refinados, usa-se a versão dor-de-corno.

DUAS (TER) CARAS COMO O FEIJÃO-FRADE

            Na verdade, o feijão-frade não tem exactamente duas caras ou, para sermos mais precisos, tem uma cara grande, mais clara, e uma carinha pequena, mais escura. Portanto, a sugestão de que uma pessoa se parece com um feijão quando tem dupla personalidade, ou quando é boazinha da parte da manhã e uma peste da parte da tarde, fica um pouco desvirtuada nesta comparação. Mas o uso criou a tradição.

ELEFANTE (UM) NUMA LOJA DE PORCELANAS

A imagem é muito expressiva e não precisa de grandes explicações para se lhe entender o sentido. No entanto, conhecendo-se a forma como certas personagens actuam, de forma destrutiva, quando protagonizam acontecimentos da vida pública, muito particularmente da vida política, pode dizer-se que a comparação com o elefante (que, apesar do seu ar pesado, pode ser um animal muito delicado) chega a ser um pouco ofensiva – para o elefante.

EMENDA (PIOR A) QUE O SONETO

Significa este lugar-comum que, por vezes, emendar o que está mal pode causar um mal ainda maior... A expressão nasce com o poeta Manoel Maria Barbosa do Bocage, que escreveu dos mais belos sonetos da língua portuguesa (a par com alguns dos versos satíricos mais malandros que já alguém inventou...). Sabendo da sua fama, um aspirante a poeta foi pedir-lhe um dia que lesse um soneto que tinha escrito, corrigindo-o nas partes que achasse menos boas. Mas Bocage não fzx correcção alguma porque, como ele disse ele ao outro, as alterações seriam tantas, que a emenda seria pior que o soneto

ENCHER CHOURIÇOS

            Depois da tradicional matança do porco, uma das tarefas mais chatas é a de preparar os enchidos, enchendo as tripas com as partes do corpo do bicho que hão-de constituir os saborosos chouriços (e os paios, e as salsichas, e as morcelas, e todas as outras modalidades de enchidos possíveis). Por analogia, qualquer tarefa repetitiva e chata é também designada dessa forma: é como encher chouriços.


ERRO CRASSO

            Qualquer erro, de qualquer espécie, é lamentável. Mas, para o tornar mais evidente, acrescentar o adjectivo crasso (que significa tosco, grosseiro) ajuda a dar um sentido mais gravoso a esse erro.

ESCALADA DE VIOLÊNCIA

A violência, que caracteriza muitos aspectos da vida corrente, torna-se muito mais dramática se for descrita como fazendo parte de uma espécie de programa evolutivo, que começa com uma violenciazinha quase insignificante, do tipo discussão entre vizinhas, aumentando até ao exagero de uma guerra generalizada. É por isso que costuma dizer-se que num simples encontrão involuntário, na rua, pode começar a escalada que leva à bomba atómica.

ESCURO COMO BREU

Na Natureza, há diversos graus de escuridão, que vão desde o crepúsculo até à ausência total de luz. E há o breu, que a maioria das pessoas nem sabe o que é... Na verdade, trata-se de um espécie de secreção química resinosa de certas plantas, muito escura, e que pode servir como betume para isolar frestas, ou como componente de vernizes ou revestimentos. Também se obtém pela destilação do alcatrão. Enfim, um produto muito escuro. Escuro como breu.

ESTALAR O VERNIZ

            Uma peça aparentemente de grande valor (por exemplo, uma cómoda antiga) pode um dia apresentar o verniz estalado e a descascar, descobrindo-se então que, em vez do que parecia ser madeira de mogno, está um vulgaríssimo pinho... Coisa parecida acontece com certas pessoas que aparentam grande cultura e esmerada educação, até ao dia em que se distraem e revelam a falta de nível que realmente possuem.

ESTAR COM OS AZEITES

            Significa estar maldisposto, zangado, aborrecido. Existe uma verdadeira colecção de expressões parecidas, com o mesmo sentido: estar com a mosca, estar com a telha, estar cheio, estar com a bolha, e muitas outras. Pareceria mais lógica a substituição por uma forma mais "azeda", como estar com os vinagres – e, na verdade, há quem use esta forma de expressar a má disposição.

ESTES QUE A TERRA HÁ-DE COMER

 Forma delicada de mencionar os olhos, os quais, sendo das partes mais sensíveis do corpo humano, causam tal impressão, mesmo quando são simplesmente referidos (e muito mais ao serem tocados) que existe uma certa "cerimónia" quando se fala deles; daí este lugar-comum.

FALAR COM OS SEUS BOTÕES

            À falta de melhor interlocutor, uma pessoa entretém-se, às vezes, a falar consigo mesma, com todos os perigos que isso acarreta, entre os quais o de as outras pessoas pensarem que está maluca... Em alternativa – e como um dos gestos instintivos, nestas ocasiões, é desabotoar e voltar a abotoar os botões da vestimenta – é de considerar que, na verdade, a pessoa está mesmo a falar com os seus botões. Há, no entanto, outras formas mais originais de descrever tal situação: por exemplo, falar prò boneco.

FATAL COMO O DESTINO

            Em coincidência com outro lugar-comum igualmente vulgarizado (destino fatal) usa-se esta fórmula: fatal como o destino, para descrever e sublinhar situações irreversíveis e inevitáveis. É uma comparação fatalista de certo efeito, todavia anulado quando existe repetição excessiva.

FALAR DE CÁTEDRA

            No tempo em que havia grande respeito pelos Professores (situação que se vai perdendo gradualmente...) aquilo que um mestre dizia, do alto da sua cátedra, fosse ela fisicamente real, ou apenas simbólica, era escutado com atenção e respeito, porque, em princípio, era matéria importante e fundamentada. A cátedra funcionava assim como símbolo e marca do Saber, transmitido por aqueles que a partir dela transmitiam os seus conhecimentos. Uma variante mais popular: falar de papo cheio.

FECHAR A SETE CHAVES

O sentido é evidente, mas as fechaduras modernas, muito mais seguras que as antigas, já não exigem que se usem sete chaves para fechar qualquer porta. Em tempos remotos seria assim, e justificava-se então uma forma tão explícita. Na actualidade, este lugar-comum bem podia ser encerrado... a sete chaves.

FIEL AMIGO

            Não confundir com o melhor amigo do homem, que é, por tradição, o cão. Aqui estamos a falar de outro bicho, mais seco e salgado: o bacalhau. Começou a ser assim designado em tempos que já vão ficando afastados, quando fazia parte da dieta nacional, particularmente a das pessoas mais modestas. Era barato e estava sempre pronto a ser cozinhado, segundo uma das inúmeras receitas culinárias que o tinham como base. Daí o qualificativo fiel amigo. Com a evolução dos tempos, e com o seu progressivo desaparecimento das águas onde é pescado, o bacalhau passou a artigo de luxo – isto é, a infiel amigo...    

CONTINUA       

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