09/07/2012

O PORTUGUÊS PITORESCO - Cap. 7 - "CALÕES PROFISSIONAIS"

7. CALÕES PROFISSIONAIS


A comunicação entre os praticantes das profissões especializadas faz-se através de um vocabulário específico, formado por palavras e expressões que são próprias e exclusivas da respectiva actividade. É normal que assim aconteça.

Por exemplo: um MÉDICO oftalmologista, conversando profissionalmente com um colega da mesma especialidade, e comentando com ele um caso que está a tratar, é muito natural que lhe peça o seguinte: - Caro colega, repare nesta angiografia fluoreceínica de um dos meus doentes. Qual é a sua opinião? – ao que o outro poderá responder: - Eu sugeria que o colega pedisse também uma OCT... E dirá o outro: - Sim, talvez seja boa ideia fazer uma tomografia de coerência óptica... E continuarão a conversa nesse mesmo tom profissional, usando um vocabulário que será pouco acessível à pessoa comum – por exemplo, ao doente em questão, que se limitará a dizer simplesmente, à família e aos amigos: - O meu médico mandou-me fazer uns exames muito complicados aos olhos...

Este tipo de calão profissional varia, naturalmente, conforme o tipo e as características de cada actividade. Mas tem características comuns, que se podem resumir assim:

1 - O vocabulário profissional destina-se a facilitar a comunicação entre os oficiais do mesmo ofício.
2 - O vocabulário profissional destina-se a preservar os segredos do ofício, contra a curiosidade e as interferências de estranhos.

Por outras palavras: ao mesmo tempo que a sua linguagem própria serve para que os colegas de profissão se entendam melhor – também serve para manter a sua actividade reservada aos que a praticam, afastando os curiosos e mantendo-os em respeito, à distância conveniente para não se misturarem com os verdadeiros profissionais.

 Esta reserva da privacidade e a defesa dos truques de cada profissão é um fenómeno muito engraçado, que não se manifesta apenas na oralidade e na escrita – também se pratica através de acções concretas. Vou dar um exemplo prático. Um técnico de impressão gráfica que acompanhei um dia, numa visita que ele fazia a um cliente com problemas na sua máquina de offset, teve um comportamento muito curioso. No local, o operador da máquina, moço novo e com pouca experiência, ficou aliviado ao ver chegar o veterano: - Ainda bem que chegou! Não consigo que a máquina imprima em condições! Por favor, veja qual é o problema!... O velho técnico deu uma vista de olhos rápida ao equipamento e disse baixinho para mim: - Já sei do que se trata... E logo, dirigindo-se ao novato, ordenou-lhe: - Vai lá dentro ao armazém buscar uma chave de fendas... Enquanto o outro se afastava, ele baixou-se, apertou à mão qualquer coisa que não consegui distinguir... e, quando o rapaz voltava com a chave, rematou: - Pronto, está tudo bem. Bom dia!  - e dirigiu-se para a porta de saída. O moço ainda tentou: - Mas, afinal, o que é que a máquina tinha? É que, se voltar a acontecer, eu...  Mas não conseguiu ser esclarecido. – Não era nada, já está tudo em ordem. Adeus!... E foi assim que o velho profissional defendeu o seu segredo, evitando partilhar o seu saber com o novato.

Este tipo de procedimento manifesta-se, sobretudo, entre os mais antigos, e é sintoma da existência de algum receio de serem substituídos pelos mais novos, perdendo estatuto... e emprego. E tem, de certa forma, algumas semelhanças com a defesa que é praticada através de uma linguagem específica, que não esteja ao alcance de curiosos e preserve os segredos da profissão. No caso que acabo de contar, a coisa é mais grave, porque o "curioso" era, não um estranho, mas, afinal, um novo colega de profissão, que até devia ser ajudado. Mas... a alma humana é, por vezes, muito retorcida!

Voltando ao tema dos calões profissionais, eles são mais evidentes numas actividades do que noutras. E entre os mais evidentes está, por exemplo, o que é utilizado pelos PUBLICITÁRIOS. Quem não conheça o vocabulário próprio desta gente, dificilmente navegará entre um palavreado tão complexo como aquele que inclui termos, quase sempre em Inglês, que nem sempre têm, em Português, palavras que correspondam exactamente ao sentido que têm na Linguagem a que alguns chamam o PUBLICITÊS.

Eis algumas dessas palavras, com as traduções possíveis:

Account – Responsável de conta
Advertising – Publicidade (o acto de publicitar)
Branding – Marca (criação ou manutenção)
Briefing – Relatório, ou reunião para estabelecer parâmetros
Budget – Orçamento
Copywriter – Criativo de textos
Draft – Esboço
Free lancer – Profissional em regime livre
Jingle – Trecho musical de um anúncio
Layout – Projecto
Mailing – Publicidade por correio
Media / Mídia – Conjunto de meios (tv, rádios, jornais) usados numa campanha
Outdoor – Cartaz de rua
Press release – Comunicado para a Imprensa
Publicity – Publicidade
Rough – Rascunho
Slogan (do gaélico Slough-ham) – Frase publicitária curta
Spot – Anúncio curto de rádio ou tv
Storyboard – Planificação (de um filme ou anúncio televisivo)
Target – Público-alvo de uma campanha
Teaser – Estimulante da atenção 



Da mesma forma que o meu amigo técnico gráfico evitava explicações esclarecedoras sobre assuntos que achava melhor reservar para si próprio, também será muito difícil que um Publicitário dê explicações claras a um ingénuo perguntador que tenha curiosidade em saber que mistérios se escondem por detrás destas  e de muitas outras palavras tão estranhas...

Outro exemplo de vocabulário bastante hermético é o dos INFORMÁTICOS, (que vêm referidos num capítulo aparte deste livro), os quais utilizam uma linguagem própria, a que alguns chamam, jocosamente, INFORMATIQUÊS.

Dentro do mesmo "espírito corporativo", outras classes profissionais vão desenvolvendo as suas linguagens próprias. Temos, assim, o POLITIQUÊS, o ECONOMÊS, o BUROCRATÊS, o EDUQUÊS e, talvez mais importante que todos os outros, o FUTEBOLÊS.

Cada um destes dialectos, ou calões profissionais, tem o seu vocabulário próprio, utilizado pelos seus profissionais ou pelos seus praticantes. Dispenso-me de dar exemplos, pois eles fazem parte do nosso dia-a-dia. Por serem exaustivamente repetidos, são bem conhecidos – ainda que dificilmente compreendidos.

A SEGUIR:  
Capítulo 8  -  LINGUAGEM INFORMÁTICA E SMS

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