03/12/2012

E SE O 25 DE ABRIL TIVESSE FALHADO? (FINAL)


A expectativa: Seria possível pôr de novo a funcionar aquilo que, de momento, não passava de um gigantesco sorvete? A dúvida cruel mantinha-se... Até quando?


E esperou-se. Segundo as informações confidenciais que ia conseguindo obter, através das minhas fontes, um tanto precárias, como é natural, o descongelamento durou quase dois dias inteiros. Quando já não restava gelo suficiente nem para uma caipirinha, os Médicos puseram-se em acção, na tentativa de reanimação da venerada figura.

Sim, a situação era delicada e não havia a certeza do êxito. Os Cientistas afadigavam-se na tentativa de aplicar os mais recentes conhecimentos obtidos nas investigações levadas a cabo nas Universidades, Escolas de Medicina, Laboratórios e outras instituições, a nível mundial, para porem a funcionar aquela espécie de sorvete humano. E isso foi sendo feito, durante dias sucessivos...

À cautela, também se consultaram alguns bruxos e videntes, dos mais cotados, daqueles que anunciam nos jornais e beneficiam de uma ampla clientela, constituída por pessoas de todos os níveis sociais, que a eles recorrem para resolver os seus problemas de amor, dinheiro, saúde, maus-olhados e outros semelhantes. Algumas vozes se levantaram contra o facto de se deitar mão a estes recursos, mas, perante a delicadeza da situação, pareceu apropriado não desprezar todas as hipóteses possíveis para se chegar a bom êxito na resolução do caso.

Claro que, num país de boateiros como é o nosso, a notícia circulava surdamente por todo o lado. Era murmurada nos cafés, nas redacções dos jornais, nas casas das pessoas – sempre em tom discreto, porque a patriótica PIDE a a não menos patriótica Censura estavam alerta, como sempre, para não deixarem espalhar relatos do acontecimento, antes de eles serem devidamente desinfectados...

Até que, certa tarde, o Almirante Tenreiro se apresentou de novo perante o Chefe de Estado. Não vinha com o ar triunfante da outra vez. Pelo contrário. Vinha de monco caído, o semblante desanimado, o olhar fugidio. Assim que entrou na sala, o venerando Presidente adivinhou logo a situação.

- Pela sua cara, já vejo que não resultou.

- Pois não. Estou desanimadíssimo!... Tudo tão bem estudado, tão bem preparado, tão bem organizado, e afinal... nada.

- Mas porquê? O que é que correu mal?

- Segundo os cientistas, a congelação não foi bem feita. Aplicou-se o mesmo processo que costuma aplicar-se à congelação do tamboril e da raia... mas isso era errado. O Senhor Professor Salazar continua completamente morto... Tivemos que desistir.

- Mas, ouça lá... Não poderiam congelá-lo outra vez e esperar mais uns anos? Pode ser que, com os avanços da Ciência, daqui a mais uns tempos...

- Impossível! Então o Senhor Presidente não sabe que um peixe congelado, uma vez descongelado, não pode voltar a congelar-se? Neste caso, é o mesmo...

- E então...

- Então, mandei colocá-lo no sítio original, e aí ficará eternamente, para que os seus fiéis admiradores lá vão prestar-lhe as devidas homenagens. Talvez até se faça um museu...

- Isso ainda é capaz de dar polémica, no futuro...

E assim se encerrou este capítulo, tão esperançoso nos seus começos e tão frustrante nos seus finalmentes...

  
Um período de complicada e confusa transição. O aparecimento de sucessivos governantes, pessoas completamente inesperadas, que mandaram no nosso amado País, nos últimos tempos, mas nunca, acho eu, com a competência desejável.

Confesso que, a partir deste momento da história, a minha cabeça passou a albergar (além dos poucos cabelos que exibe cá por fora, e do cérebro que presumivelmente ainda existe lá dentro) uma certa e inesperada confusão. Neste local discreto e reservado onde me encontro (não me atrevo a explicar onde é, por precaução), tenho por vezes a sensação de que as notícias não me aparecem com a fidelidade e o rigor que seriam desejáveis...

Na verdade, chegam aqui informações que são, por vezes, contraditórias, e que me provocam uma certa baralhação. Por isso, devo esclarecer, honestamente, que já não posso garantir a verdade absoluta do relato que faço e farei, pelo menos no que respeita aos tempos que se seguiram à frustrada tentativa de recuperação do corpo e do espírito de Sua Excelência o Senhor Professor Doutor António de Oliveira Salazar, o nosso venerado governante de tantos e tantos anos de Felicidade e Progresso!

A confusão que esse episódio causou no meu espírito parece ter abalado a habitual sensatez e rigor com que me habituei a analisar os fenómenos sociais e políticos que se passam na nossa Bem Amada Pátria.

Assim, por exemplo, fiquei com a noção de que, após os acontecimentos que creio ter divulgado com a minha habitual imparcialidade, outros acontecimentos aconteceram... (vejam só como a perturbação do meu espírito me leva e construir frases tão incorrectas como esta: "outros acontecimentos aconteceram"... isto não costumava acontecer-me dantes... Há qualquer coisa na minha cabeça que já não está a funcionar bem) – pois, como ia dizendo, outros acontecimentos estranhos complicaram a minha compreensão da vida deste país.

Foi deste modo que, na memória confusa destes últimos tempos, registei a existência de uma sucessão de primeiros-ministros perfeitamente impensáveis, em circunstâncias normais... Surgem-me nomes como os de Pinto Balsemão, Mário Soares, Cavaco Silva... Mas... quem é esta gente? Como é possível eles aparecerem a governar o nosso Bem Amado País? O Balsemão, enfim, ainda se aceita, era dos tais que chegaram a pertencer à antiga Assembleia Nacional, embora fizesse parte do grupo dos refilões... Mas o Mário Soares, o socialista, como é que ele aparece aqui, sabendo-se que sempre foi um perigoso e feroz contestatário da meritória obra do Senhor Professor Salazar? Não estou a perceber... E o outro, o tal Cavaco, de onde é que este aparece? É certo que tem um perfil físico assim um pouco parecido com o da Venerada Figura Salazarista, mas... não será só o físico?... Sei lá, estou mesmo no meio de uma espécie de nevoeiro, nem sei o que pensar disto tudo…

Enfim, esta época mais recente aparece, no meu espírito, como uma nuvem escura, da qual chove uma confusão extraordinariamente complexa de figuras e de ideias que não consigo acompanhar... Será sintoma de ter entrado na terceira idade? Ou será pior do que isso?...

Depois destes nomes que citei, ainda me aparecem, na minha nebulosa memória, mais outros, até então desconhecidos, como o de um tal Guterres, do qual tenho a ideia de ser um homem muito bem falante, muito simpático, mas um tanto idealista de mais, cheio de ideias generosas, o que é muito perigoso, como nos ensinou antes o Senhor Professor (sabem de quem falo), pois não é conveniente oferecer muita coisa ao povo, sobretudo ideias, já que este tem tendência para exigir cada vez mais e mais – e depois, o que é que fica para aqueles que realmente merecem, e que são, evidentemente, os fiéis seguidores de quem manda?

Surgem-me ainda, na minha confusa memória actual, e neste recente período, alguns outros nomes sem grande impacto, relacionados com a vida nacional, tanto quanto me apercebo dela... É o caso de um tal Durão Barroso, o qual parece que teve uma acção efémera, afastando-se de repente do tachinho que tinha cá, para ir rapar um tachão que lhe ofereciam lá fora... Não me perguntem se ele fez bem ou se fez mal, porque não sei responder. Em relação ao país, não sei mesmo. Em relação a ele próprio... fez muito bem, é claro.
      
Depois, há outro nome que me soa a festa: o nome de Santana, um alegado primeiro-ministro muito mediático, muito conotado com folguedos, embora também com túneis e outras obras subterrâneas...

Mas tudo isto está bastante baralhado na minha memória. Às vezes, chego a pensar que o tal “25 de Abril” sempre aconteceu… Mas não, não pode ter acontecido! Nessa altura eu estava bem, acompanhei os factos, e por isso os descrevi com toda a minúcia de que fui capaz… No entanto… Não sei… O que está realmente a passar-se na nossa Pátria?... E na minha cabeça?...


Regresso ao passado. Coisas boas de agora que fizeram lembrar coisas boas de antigamente. O reaparecimento de instituições, leis, posições e imposições que nos transportaram de novo a um passado feliz, em que imperavam a Boa Ordem, os Bons Costumes e o Respeitinho (que é uma coisa muito bonita)!

Ah! Parece-me distinguir, na névoa que me envolve, algumas imagens reveladoras da realidade recente... Depois da desgraçada "primavera marcelista" e dos tempos complicados que constituíram o intermédio da nossa vivência, até aos tempos que se seguiram, em que se perderam os bons valores que Sua Excelência o Professor Salazar aplicou a este País – voltei a ver uns sinais de recuperação desses bons hábitos, dos bons costumes, das boas regras que mantiveram a nossa Bem Amada Pátria entre as mais invejadas pelos outros países do mundo.

Houve coisas copiadas das antigas, e outras completamente novas, mas dentro do mesmo espírito dos velhos tempos.

Ou eu me enganava muito, ou estivemos então voltando, devagar, devagarinho, àquele nosso tão feliz e tão recordado antigamente! Alguns sintomas dispersos pareciam confirmar a minha suspeita...

Para começar, se é certo que ainda não voltáramos a ter apenas aquele Partido Único, dantes representado pela gloriosa União Nacional, já tínhamos uma aproximação, através de algo chamado Maioria Absoluta, que vem a ser quase a mesma coisa, pois nada se fazia sem ela e nada se fazia contra ela. Isto apesar de essa Maioria Absoluta ter sido obtida, paradoxalmente, através da malfadada Democracia, essa coisa horrorosa que não se percebe como é tão adorada por alguns!…

Um dos mistérios da Democracia é mesmo o facto de ser amada e também detestada… Trata-se de um sistema que, segundo dizia o Churchill, “é a pior forma de governo, exceptuando todas as outras”… Foi o mesmo Churchill que também disse: “O melhor argumento contra a democracia é uma conversa de cinco minutos com o eleitor médio”… E, já agora, para mostrar um pouco da minha cultura e erudição, citarei também Thomas Jefferson, que foi Presidente dos Estados Unidos da América, e que disse um dia: “A democracia não é nada mais nada menos do que a regra segundo a qual 51% das pessoas usurpam os direitos das outras 49%.”… Este era americano, mas houve um português, surrealista, chamado Mário-Henrique Leiria, que pôs na boca de uma personagem de um dos seus contos esta frase: “Desconfio que a Democracia não resulta... Juntam-se astronautas, bodes, camponeses, galinhas, matemáticos e virgens loucas e dão-se a todos os mesmos direitos. Isso parece-me um erro cósmico.”… Eu atrever-me-ia a corrigir para “um erro cómico”.

No sistema de Maioria Absoluta que por aqui vigorou, é evidente que não adiantavam ideias, sugestões, projectos, que viessem de fora, das Oposições – por mais úteis, por mais brilhantes, por mais necessários que fossem. A União Nacional (perdão, a Maioria Absoluta) é que mandava e, contra ela, nada a fazer senão amochar e aceitar. Alguns refilavam, mas não sei se não corremos o risco de, um dia, vermos esses contestatários irem de "férias" para uma daquelas "estâncias de repouso" como havia antigamente...

Depois, houve outros sintomas, menos visíveis mas não menos significativos, do retorno ao que foi a nossa vida feliz, nos tempos de Sua Excelência o Senhor Professor.

Por exemplo:

Anunciou-se a instituição do Documento Único, centralizando todos os elementos relativos a cada cidadão – identidade, família, saúde, fiscalidade, cadastro, talvez também manias e excentricidades pessoais, etc. Ora isto pode ser muito útil para permitir, no futuro, controlar mais facilmente cada pessoa, à maneira daquela fantasia do George Orwell em que todos estávamos debaixo do olho de um Big Brother muito carinhoso, que zelava por todos e cada um de nós, evitando-nos as angústias de pensar e de agir de acordo com as nossas ideias particulares – o que só dá chatices, porque cada um a pensar de sua maneira, e a manifestar as suas opiniões, acaba por dar muita confusão, e isso atrapalha imenso o labor de qualquer Governo, como se sabe.

 Outro sintoma foi a existência de numerosas entidades controladoras, incluindo alguns Senhores Ministros, tudo gente muito autoritária e com caras muito severas, com a missão de fiscalizar a Comunicação, dando indicações, sugerindo temas e nomes, criticando opções editoriais. E manifestando o desejo de acabar com o sigilo profissional, com a reserva das fontes, com a indecente liberdade total dos jornalistas… Acho muito bem todas estas iniciativas! Assim é que se governa a opinião pública no bom sentido, mantendo-a pura e desinfectada de ideias subversivas e deletérias. Já assim se fazia no tempo de Sua Excelência, e temos exemplos internacionais muito significativos. Quem não se lembra, por exemplo, do Excelentíssimo Herr Doutor Goebbels, que se suicidou heroicamente ao ver que não conseguia terminar a sua obra de limpeza dos micróbios ideológicos do seu povo? 

Foi mesmo criada uma Entidade Reguladora, cuja função não se limitava a fazer com que as comunicações ao Público fossem equitativamente partilhadas por todas as forças em presença. Serviu, essencialmente, para os seus membros passarem os dias a medir, linha a linha, as notícias escritas, e a cronometrar, segundo a segundo, os noticiários radiofónicos e televisivos, o que os manteve bastante entretidos e justificou plenamente os ordenados ganhos.

Outras Entidades Fiscalizadoras trataram de atacar, com a ferocidade exigida pela lei e pelo interesse público, coisas tão graves como a venda de castanhas embrulhadas em papel de jornal, ou o uso de colheres de pau na fabricação de pastéis de massa tenra.

À imagem e semelhança das antigas leis que obrigavam a possuir uma licença para o uso de isqueiro, proibiu-se o vício do fumo logo na origem, isto é, proíbiu-se o tabaco praticamente em toda a parte – excepto à porta dos escritórios, lojas e outros estabelecimentos, onde se castigam os fumadores, obrigando esses perigosos prevaricadores a apanhar gripes e constipações, ao virem fumar para a rua, enchendo os passeios de “beatas”. Foi, no entanto, assegurado o stock de vacinas anti-gripe para distribuição pela população.

Leis igualmente muito severas impuseram o pagamento de taxas e impostos aos fornecedores de bolos, rissóis de camarão, adereços, enfeites, etc., para casamentos e copos-de-água, ficando ainda previsto que as prendas aos noivos tivessem uma taxa especial, a ser cobrada para posterior aplicação (penso eu) nos aumentos das pensões de reforma dos cantores e músicos que animam essas festas com as suas canções pimba.

Nas escolas, impõs-se um sistema muito avançado, distribuindo-se uns computadores pequeninos que não serviram para nada, a não ser para dar lucros fabulosos ao seu exclusivo fabricante. Nos estabelecimentos de ensino, mais que os directores, os professores, e mesmo os alunos, passaram a ser importantes as pautas, apresentando estas, de preferência, notas muito altas na Matemática e na Língua Pátria, para mostrarmos ao Mundo que não somos nenhuns burros analfabetos. E exigiu-se que os professores passassem boa parte do seu tempo a avaliar-se uns aos outros e a preencher papéis, e menos tempo a preparar e a dar aulas, o que demonstra que somos realmente os maiores do mundo em Burocracia Escolar, coisa muito respeitável, como se sabe.

Chegou a haver umas tentativas de implementação (esta palavra entrou de moda e é indispensável em qualquer lei ou diploma digno desse nome) de um sistema de inquéritos secretos, em que os meninos deviam informar quais os hábitos sexuais, não deles, mas dos seus paizinhos, tudo isto em nome da investigação científica mais avançada. Lamentavelmente, alguém resolveu anular esta iniciativa.

Outra tentativa muito interessante seria a de fazer com que os meninos que recebessem, dos seus amados paizinhos, dádivas em dinheiro superiores a quinhentos euros, pagassem um imposto sobre essas dádivas. Parece que não pegou, não sei porquê, porque era uma ideia interessantíssima para equilibrar o Orçamento do Estado, que estava, e está, pelas ruas da amargura, ao contrário do que acontecia nos tempos do Senhor Doutor!

Aliás, tal imposto estaria na mesma linha dos descontos sobre as pensões dos reformados, que são justificadíssimos, para evitar que os velhotes andem por aí a gastar o dinheirinho das reformas em mariscadas ou em cruzeiros no Mediterrâneo!

Até na vida artística e cultural se voltou a uma concentração de organismos de controlo, para evitar o desregramento e a dispersão que se verificam nas mentes de certos artistas e certos criadores mais atrevidos, sempre prontos a divulgar temas e ideias impróprias – sendo esse controlo explicado, evidentemente, com o argumento das poupanças que é preciso fazer para não haver desperdícios inúteis de ideias que não servem para nada.

Também se inventou uma Entidade da Concorrência, para verificar se havia moralidade nas actividades que se defrontam umas com as outras, por terem interesses comuns, ou se os seus dirigentes eram pessoas absolutamente impolutas, não tendo sido nomeados por serem compinchas de confiança dos respectivos nomeadores.
 
No meio disto tudo, algumas vozes que atrevidamente se foram levantando, com insinuações torpes e palavras bicudas, como “corrupção”, “amiguismo”, “preferências partidárias”, etc., foram discretamente silenciadas, pelo sistema habitual, da oferta de umas cómodas sinecuras que fizeram calar esses bicos incómodos.

As anedotas, anteriormente tão populares, sobre as mais Altas Figuras da Governação, incluindo o Senhor Primeiro-Ministro de então, passaram a ser devidamente abafadas, através de discretas sugestões de processos judiciais contra os engraçadinhos que as inventassem e divulgassem.

Instituições como sindicatos ou outras, que ameaçassem fazer manifestações barulhentas, recebiam por vezes discretas visitas policiais, com a única e inocente finalidade de saber quantos seriam os manifestantes, a fim de lhes ser garantida protecção, acompanhamento e distribuição de garrafinhas de água durante as passeatas.

E as Forças da Ordem passaram a ter uma espécie de Intendente-Geral, de tipo Pina Manique, para coordenar a acção conjunta das várias Guardas e Polícias, não se desse o caso de se juntarem duas dessas instituições, em simultâneo, a dar tareia nos mesmos manifestantes, ou nos mesmos assaltantes, o que seria um lamentável desperdício de meios… E esse Intendente apenas dependia e apenas recebia ordens de uma única pessoa: Sua Excelência o Professor Doutor Ant…  - ah, peço perdão, ia embalado! Queria eu dizer que ele apenas dependia, e depende, do senhor Primeiro-Ministro.

E há mais, mas estes exemplos chegam, acho eu.



Em que belo País vivemos realmente? Somos os maiores do Mundo em muitas coisas – embora sendo os menores em muitas outras...

Durante muitos anos, habituámo-nos a esta pergunta e à obrigatória resposta:
- Quem manda? – perguntava um.
- Salazar! – respondiam todos.

Era assim nas manifestações e em todo o lado, nesses anos gloriosos em que o Senhor Doutor mandava mesmo, em tudo e em todos.

Foi assim, até quando esse Primeiro-Ministro de que tenho vindo a falar perdeu a tal Maioria Absoluta, em novas eleições, mas continuou a governar e a usar o seu estilo mandão – que só abandonou quando, para sua grande surpresa, perdeu as eleições seguintes, ganhas novamente por uma Maioria Absoluta, mas agora de pernas-para-o-ar, isto é, de sentido político inverso.

E era desse outro Primeiro-Ministro (não o actual, mas o anterior), que eu queria falar, já que ele tão intensamente nos lembrava a Alta Figura que tenho vindo a referir, no decorrer destas minhas memórias…

Mas… quem era ele? Devido a esta névoa que envolve o meu espírito e a minha memória, escapa-se-me o nome, tal como me foge a sua imagem física… Só sei que era alguém que se preocupava em pôr a nossa Pátria Querida no topo… E qual topo? Todos!...

Durante muitos anos, tinha sido moda dizermos mal de nós próprios, afirmando desdenhosamente que estávamos na cauda da Europa… Ora isso foi modificado radicalmente, através de modernices tão importantes como, por exemplo, um chamado Sistema Simplex, destinado a tornar mais rápidos e eficientes os nossos serviços, particularmente os serviços públicos.

Devo dizer, honestamente, que não embarquei no comboio dos elogios que se tornou moda aplicar ao tal Simplex… Sim, é verdade que toda a gente se habituou, durante gerações, a refilar contra a burocracia e as demoras que é preciso aguentar, quando se pretende obter um documento, uma certidão, um despacho, que demoram eternidades a chegar às nossas mãos. No entanto, a ideia de virar esta situação do avesso, resolvendo tais assuntos instantaneamente, também tem os seus inconvenientes!… Se os funcionários passam a despachar em cinco minutos aquilo que, dantes, despachavam em cinco meses… correm o grave risco de ficarem sem emprego! Com tanta rapidez, arrumando os “pendentes” até estes desaparecerem, chegam a um ponto em que talvez deixem de ser, eles próprios, necessários! É preciso pensar nestas coisas…

Outra iniciativa no sentido de nos porem longe da tal cauda da Europa foi, por exemplo, a ideia da “empresa na hora”. Era bonito, mas apresentava os mesmos inconvenientes que citei atrás. E as delongas que sempre existiram para fundar uma empresa, mesmo pequenita, sempre deram uma certa emoção às pessoas que assim passavam meses, ou anos, na expectativa, aprendendo a dominar a sua impaciência, o que só lhes podia fazer bem aos nervos…

A difusão da Informática por toda a população foi altamente benéfica para a imagem do País. Eis aqui outra ideia interessantíssima. A distribuição de pequenos computadores baratos por todos os miúdos veio contribuir, inegavelmente, pa k tds els falem i iskrevao Ptgz curreto.

E aquele pastor que foi o grande responsável pela difusão dos telemóveis no País (aquele do “tou xim!”, lembram-se?) deve estar agora muito mais feliz, pois já controlará certamente o seu rebanho – por banda larga...

A nossa Bem Amada Pátria passou a estar muito mais desenvolvida, valha a verdade. Somos os maiores em vários capítulos. Citemos apenas alguns: telemóveis, consumo de certas drogas, lixo nas ruas, vários tipos de poluição, ordenados baixos, aplicação do IVA sobre as reformas, pedofilia, violência doméstica, desemprego, demoras na Justiça – e ainda batemos outros recordes, como o da maior sandes de pão-com-chouriço, e o da maior quota mundial de cuspidores-para-o-chão… Tudo coisas importantíssimas, como se constata.

E a Dívida? A nossa Dívida passou a ser monumental, para grande orgulho de muita gente. Nesse capítulo, pelo menos, adiantámo-nos vertiginosamente em relação aos países nossos parceiros! A nossa Dívida poderá (sem dívida… perdão, sem dúvida) figurar no famoso Livro Guiness de Recordes… Que honra!

E havia a figura... Essa mesma, a figura física do Senhor Primeiro-Ministro de então, estou a falar do penúltimo… Não me perguntem o nome que ele tinha, porque, com todas estas recordações e constatações que tive de elencar (outra palavra muito bonita, que está na moda), ficou cada vez maior a confusão no meu espírito, a ponto de eu já não ter bem e certeza de estar a falar de coisas reais ou de coisas imaginadas…

Sei que era ele quem mandava. E como ele mandava! Como ele falava alto, como ele ralhava, como ele vociferava! Nem que fosse para anunciar a inauguração de mais meio quilómetro de auto-estrada, fazia sempre um discurso eloquente, exaltado e muito autoritário. Pode ser que não convencesse ninguém, mas via-se que ele próprio estava absolutamente convencido. E isso é que importava, porque… quem mandava era ele, mais ninguém!

Ah, mas porque é que não consigo dizer o nome dele? Que raiva, esta dificuldade…

Ah, esperem! Acho que já sei! Sim, é isso! Acendeu-se uma luz no meu cérebro, um clarão que parece vir de uma daquelas lâmpadas economizadoras que há agora… e, de repente, houve um lampejo na memória, uma revelação súbita!

Ele chamava-se… chamava-se… Vá lá, só mais um pequeno esforço… Ele chamava-se… António de Oliveira SSSSS… SSSS…

Está quase a sair… Ah, como ele se parecia com… António de Oliveira SSS…

Sim, é isso: António de Oliveira… Sócr…

Esqueçam. Não sai… De qualquer modo, este já não é – já foi, já se afastou, já não manda nada. Emigrou e foi estudar, sinal de que não sabia assim tanto como pensava…

Agora, manda um Primeiro-Ministro com ar mais calmo e civilizado. Tem outro estilo, outra tranquilidade. E nós cá vamos andando, a Passos de Coelho, isto é, aos saltos, de imposto em imposto, de desconto em desconto, de crise em crise, de austeridade em austeridade.

Explicando melhor: quem mais ordena é um ministro das Finanças, de ar calmo e palavra lenta, o qual, segundo as más-línguas do costume, é um autêntico “Ministro das Fananças”…É ele quem manda. Ou, como alguns dizem, manda a “Europa”, que é uma entidade que ninguém parece saber ao certo quem é… mas que nos controla os gastos, já que, pelos vistos, estamos mais ou menos falidos e vivemos de uns dinheiros que nos vão emprestando – coisa impensável nos tempos do Senhor Professor, que pode não ter feito grandes obras (bem, por acaso até fez algumas!) mas tinha sempre as continhas em ordem, e até nos deixou algo a que chamaram “a pesada herança”, consubstanciada numa grande quantidade de barras de ouro, guardadas nos subterrâneos do Banco de Portugal, as quais, segundo as tais más-línguas, se foram derretendo com o tempo…

Estamos, portanto, neste momento, no melhor dos mundos... Ou não estamos?... Ai, esta minha cabeça… Vamos voltar a dominar o Mundo, como no tempo de El-Rei Dom João Segundo? E a ter as continhas em ordem, como no tempo do Senhor Doutor?…

Sei lá, o que é preciso é ter esperança e não dar muita atenção aos Comentadores, aos Politólogos e outros chatos que invadiram as nossas Televisões, todos a dar bitaites – e nenhum a dar soluções para os nossos problemas…

Uns dizem que estamos definitivamente tramados. Outros, que, nos nossos quase novecentos anos de história, já passámos por tantas chatices, e vencemos tantas crises, que esta é, apenas, mais uma! E que, graças à austeridade, daqui a nada estaremos outra vez ricos, com possibilidade de recuperar o apartamento que, agora, entregámos provisoriamente ao Banco onde tínhamos o empréstimo… e mais a capacidade de passar férias nas Caraíbas… e a troca de popó todos os anos, por modelo mais avançado… Tudo isto regressará às nossas mãos, se formos austeros! A austeridade é o nosso novo Caminho-Marítimo-Para-A-Índia! E nós, nestas coisas que metem água, somos excelentes! Somos os maiores!

Viva a austeridade! Viva o nosso país! Viva eu!



O quê? O que é que vocês querem? Não me interrompam!..

Ah, já é novamente hora da injecção? Pois é, agora tenho que ir com estes senhores de bata branca…

Pronto, fica o resto da história para outra ocasião. Adeus! 


FIM

1 comentário:

  1. Bom dia,

    Estou a escrever aqui porque não encontrei o seu email numa primeira procura.
    Eu sou editor de livros eletrónicos e publico as obras nas lojas online iTunes Store e Amazon. Estou a entrar em contacto consigo para o convidar a visitar o meu site - http://agassy.wix.com/andregaspar - e ver se o interesso em publicar as suas obras em formato digital.

    De modo resumido eu não cobro nenhum encargo em converter os seus livros em formato eletrónico e em publicá-los. O meu interesse está unicamente numa percentagem de 20% das vendas.

    O meu email é - agassy@gmail.com

    Com os melhores cumprimentos,
    André Gaspar

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