24/03/2012

MAIS UM INTERLÚDIO - OS CÓMICOS 323

Novo interlúdio  -  Crónica a publicar no Diário do Sul de 26.3.2012.
Segue-se, hoje mesmo, mais texto de O EROTISMO A NU.


DIÁLOGO DE SURDOS
           
Os dois cafezinhos iam arrefecendo nas chávenas, meio bebidos e meio esquecidos, enquanto eles discutiam animadamente. Dizia UM: – Não percebo, pronto! Não percebo a lógica da coisa! E dizia o OUTRO: – Pois eu acho que é muito fácil de perceber! Se a gente não fizer qualquer coisa, isto nunca mais muda! E a conversa continuava. UM: – Eu até concordo com a ideia de que isto tem de mudar, mas acho que, assim, não muda coisíssima nenhuma! OUTRO: – Eu acho que é a única maneira! Se a gente não se junta para refilar contra estes tipos, eles cada vez nos vão sacando mais e nos vão subtraindo o que tanto nos custou a conseguir! UM: – Está bem, eu também acho que devemos refilar; mas desta maneira é que não! OUTRO: – Qual maneira, não me dirás? UM: – Ora, esta treta da greve! OUTRO: – A greve é uma conquista da Democracia! Faz parte dos sagrados direitos dos trabalhadores! UM: – Pois sim, mas lá por ser um direito, pode acabar por dar para o torto! OUTRO: – Então, tu estás contra a greve? Quer dizer, estás feito com os patrões, é o que é! UM: – Não digas parvoíces! Eu não estou nada feito com os patrões, só que não acho que uma greve resolva seja o que for… OUTRO: – Ora essa! Há para aí uma data de empresas que não pagam os ordenados há três meses! A fábrica onde eu trabalho, por exemplo! Se eu não fizer greve, como é que vou receber os meus ordenados em atraso? UM: – O que me parece é que, fazendo greve, ainda tens menos hipóteses de os receber… OUTRO: – Como assim? UM: – Se o teu patrão não tem dinheiro agora, para te pagar o que te deve, o que é certo é que, por cada dia de greve que façam, tu e os outros trabalhadores lá da fábrica, ele ainda fica mais encravado e com menos dinheiro para pagar seja o que for! OUTRO: – Ora, isso é problema dele! O meu problema é não receber! UM: – E o dele é não ter como pagar… OUTRO: – Estás mesmo feito com ele, não é?... UM: – Eu nem o conheço! Só o que me parece, é que isto das greves não resolve o teu problema, nem o problema de ninguém – e, ainda por cima, por cada dia em que vocês não trabalham, também não recebem, não é? OUTRO: – Sim, lá isso… UM: – Então, fazendo greve, em vez de resolverem o problema, só tornam o problema mais bicudo! OUTRO: – Mas é fazendo greve que mostramos a nossa força! É isso que nos ensinam os nossos amigos sindicalistas! UM: – Então, perguntem aos vossos amigos sindicalistas para que é que serve uma força que dedica um dia a não trabalhar, e depois não tira daí resultado nenhum, a não ser complicar a vida aos que querem trabalhar, para não perderem um dia de salário, que tanta falta lhes faz… OUTRO: – Estás a falar dos fura-greves, esses que não aderem ao movimento destinado a modificar completamente estas políticas que nos levam à ruína? UM: – Não, estou a falar dos que acham que não é por não trabalhar um dia que se resolvem os problemas. OUTRO: – Já vi que não respeitas os sagrados direitos conquistados na justa luta que… UM: – Desculpa interromper-te, mas eu já conheço de cor e salteado esse palavreado que vem nas cartilhas revolucionárias, e que já cheira a bolor… E acho que isso nunca levou a nada, em parte alguma do mundo. OUTRO: – Então, se achas que não devíamos fazer greve, o que é que achas que nós devíamos fazer? UM: – Acho que deviam fazer precisamente o contrário. Olha, por exemplo, oferecer um dia de trabalho, voluntário e gratuito, para ajudar a elevar a economia. OUTRO: – Tu estás maluco ou quê? Isso só ia servir para eles terem mais lucros! UM: – E isso não era bom? Se tivessem mais lucros, podiam pagar os ordenados atrasados… OUTRO: – Nem pensar! Trabalhar um dia, de borla, ou para além do horário, é imoral! UM: – E não trabalhar um dia, para exigir o pagamento do trabalho, é o quê?
Como os cafezinhos já estavam frios, UM e OUTRO mandaram então vir duas minis…          

Sem comentários:

Enviar um comentário